Música

Fernando Daniel: “Quero levar a música a pessoas que não podem pagar aulas”

Aos 27 anos, é um dos artistas mais ouvidos no País. Lançou um novo disco e vai abrir uma escola de música de cariz social.

Começou pelo “Factor X” e explodiu com a vitória no “The Voice” em 2016. Em apenas sete anos, Fernando Daniel tornou-se num dos artistas nacionais que mais vende e, na passada sexta-feira, 19 de maio, lançou o seu terceiro disco de originais.

O sucessor de “Salto” e “Presente” chama-se “VHS Vol 1” e é, para Fernando Daniel, um álbum com referências às décadas de 80 e 90. Mas é sobretudo um disco feito a pensar apenas nos fãs — e menos na crítica, nos júris e nas galas de prémios, confessa numa entrevista à NiT.

Mais do que focar-se nos temas de avanço “prometo” e “metade”, o artista tem dividido a sua atenção com outro grande projeto que até já deveria estar pronto: o seu estúdio e escola de música no Furadouro, em Ovar. Fernando Daniel pretende não só tornar-se “independente” no que toca à gravação e produção, mas também devolver algo a outros aspirantes.

À memória vem a sua própria experiência como jovem apaixonado por música, mas sem dinheiro para pagar cursos. Quer agora que a sua escola preencha esse vácuo, fruto das bolsas sociais que pretende atribuir a alguns alunos. Mas porque é um negócio, assegura que este investimento foi pensado para que possa também ajudar a sua própria carreira.

Gostava de ter apresentado o disco já no seu estúdio, mas isso vai ter que esperar. O projeto deverá ficar concluído “lá para novembro ou dezembro”, aponta o músico, que explicou ainda à NiT como preparou o novo álbum — antes de deixar a sua opinião sobre o estado da música em Portugal, sobre as quotas de música nacional na rádio e, claro, sobre o sonho que vive desde que há sete anos se tornou famoso no palco do The Voice.

Acabou de lançar o terceiro disco. O que é que diria que distingue este novo disco dos outros dois?
A sonoridade é bastante diferente. Tive menos tempo para a composição. É um disco em que, pela primeira vez, não me preocupei muito em fazer músicas para os prémios. Preocupei-me apenas a fazer música de que gosto, com quem gosto, para as pessoas de quem gosto.

E não foi isso que fez nos outros discos?
Não é que não tenha acontecido… No meu primeiro disco não fui muito seletivo. No que toca a músicas, tudo o que vinha à rede era peixe. Não reuni as músicas todas e escolhi as melhores. Usei todas as que tinha, fiquei-me pelas 12 ou 13 canções que já tinha e usei-as logo, apesar de não terem nada a ver umas com as outras. E resultou muito bem, esteve 30 semanas no top de vendas e fui o artista mais ouvido nas rádios. Mas não foi suficiente para ser nomeado para prémio algum. Isso magoou-me. Frustrou-me. Decidi fazer o segundo disco, “Presente”, para mostrar que estava aqui, presente. Correu ainda melhor, passou mais de 50 semanas no top. Mais uma vez, não chegou. Estava a fazer música de que gostava, ,as era uma mistura do “estou aqui para ganhar prémios”, para ser um dos artistas mais premiados do País. Desta vez, despreocupei-me. Limitei-me a fazer música. Se receber prémios, ótimo. Se não receber, o importante é que o meu público continue aqui. É o que preciso.

Neste “VHS Vol. 1”, fala numa inspiração e regresso aos 80 e 90. Que referências foi buscar?
Não me inspirei em nada muito específico. Há influências de algo que já ouvia, de Bon Jovi a Abba, entre outros. A minha ideia aqui foi inspirar-me numa ou noutra música de artistas que nunca foram referência, mas que eram bonitas e eu gostava. Pegar em músicas atuais que têm essas influências que eu andava à procura, para de certa forma trazer uma sonoridade com inspirações dos 80 e 90, mas que não fosse algo datado. Queria que fosse atual.

Diz que agora foi mais seletivo. Sente-se mais experiente, mais calejado? Foi isso que o ajudou?
Na verdade, eu tenho o hábito de não deixar coisas no ar. Quando começo um ciclo, termino-o. Quando faço músicas, termino-as. E se não as usar, não ficam comigo, entrego-as. Não gosto de ficar com músicas pendentes porque mais cedo ou mais tarde isso torna-se num bloqueio. Para este disco não tinha nada na gaveta, limitei-me a fazer tudo do zero porque acho que é assim que as coisas devem ser feitas. Abre-se um ciclo, compõe-se para um disco, vive-se o disco em estrada, fecha-se o ciclo e sentamo-nos novamente para um novo disco com tudo o que se aprendeu. Claro que a maturidade e a estrada trazem mais experiência, o saber escolher para onde se vai.

Há apenas sete anos vencia o The Voice e o resto é história. Dois discos editados, êxitos de vendas, prémios. Era um cenário que tinha imaginado na sua cabeça?
Passava-me pela cabeça porque era isto que eu queria, que imaginava, que me motivava a correr atrás. E muitas das coisas que imaginei conseguir, consegui-as. Isso mostra-me que é preciso estabelecer objetivos, ter as pessoas certas do nosso lado e as coisas acabam por acontecer. Claro que é preciso sorte, mas a sorte procura-se. A sorte não aparece a quem não sai de casa, a quem não se levanta para ir à procura. Se acreditava que isto tudo podia acontecer? Isso já é outra história. A realidade que vivia na altura era um bocado longínqua de onde estou agora. Achava difícil. Sim, imaginava, mas não, não acreditava.

Tem falado sobre o projeto de estúdio que quer construir no Furadouro, onde vive. Como é que surge essa ideia? Foi uma coisa do momento, de oportunidade, ou já a tinha em mente e foi só agora que a conseguiu por em pratica?
Sempre sonhei ter o meu próprio espaço, não estar dependente de ninguém. Podia ter apostar numa casa própria, mas achei que apostar num estúdio que me desse segurança a nível futuro era mais inteligente. Estou a construir o estúdio e uma escola de música. Se tudo correr bem, a longo prazo dar-me-ão mais estabilidade para abraçar novos projetos.

O projeto da escola de música com cariz social também já fazia parte dos planos ou surgiu depois?
A ideia foi sempre juntar as duas coisas. Na altura em que aprendia música, jovem, não tinha possibilidades monetárias de ir para uma escola de música. Tive que aprender sozinho com o que tinha: tutoriais do YouTube e uma guitarra oferecida pela minha mãe. Mas a verdade é que isso pôs-me a pensar. Sou persistente, teimoso. Isso nasceu comigo e se calhar foi graças a isso que aconteceu o que aconteceu. Mas há quem não seja assim, há quem desista à primeira. Há pessoas que têm talento mas que não são persistentes. E acho que o fator monetário também não deve ser o fator decisivo para a pessoa ingressar ou não na música, nas artes. Claro que nem toda a gente que vai aprender na minha escola se vai tornar obrigatoriamente num grande cantor ou ter uma grande carreira. Isso depois tem a ver com outros fatores. O meu papel ali é levar às pessoas algo saudável como é a música, que nos transforma em pessoas melhores, mais capazes a nível cognitivo. O objetivo é o de levar música a pessoas que não podem pagar aulas. Claro que não serão todas as aulas gratuitas, irei abrir um número de bolsas a definir, que serão atribuídas a pessoas com mais dificuldades, que serão avaliadas para perceber se faz ou não sentido receberem uma bolsa.

Tornar, portanto, possível que pessoas com menos meios e posses possam vingar na música. Na discussão de há umas semanas sobre as quotas de música portuguesa, discutia-se precisamente que se os artistas têm qualidade, vingam. Se não vingam, não têm. Acredita nisso?
Se tiver qualidade, haverá de vingar, até um certo ponto. Todas as ajudas são bem-vindas mas quanto a quotas… Sei que se calhar me vão interpretar mal e dizer “ok, ele passa na rádio, ele não se importa”, mas eu não acho que seja justo impor a uma rádio o que deve ou não passar. Não faz sentido eu chegar a uma rádio Amália ou à Smooth FM e obrigá-los a passar mais música portuguesa e eles terem que abrir o leque da essência da rádio para porem mais artistas portugueses. As rádios devem passar aquilo em que acreditam. São um negócio, geram dinheiro, é o trabalho deles. Se concordo com algumas coisas? Óbvio que não, mas não tenho que mandar na casa dos outros. Tem que haver um equilíbrio. Não podemos exigir liberdade de expressão, disto e daquilo, e depois obrigar rádios a tocarem música portuguesa só porque sim.

Mas é apenas uma percentagem. Uma parte pequena. Não será uma forma de atingir esse equilíbrio de que fala?
O equilíbrio deve vir da naturalidade das coisas. Cada vez se faz mais música com qualidade em Portugal. Acredito que daqui a alguns anos, as rádios vão acabar por passar mais música portuguesa, porque a qualidade está a aumentar. Há rádios hoje em dia que passam mais música portuguesa do que a que está estipulada. A liberdade deve ser dada para que se possa escolher o que se quer ouvir.

Então pode servir como um incentivo para as rádios onde isso não acontece? Uma forma de levar a que se procure mais e melhor música portuguesa?
Mas não acredito que deva ser uma lei a obrigar as pessoas das rádios a serem mais profissionais. Eu se trabalhasse numa rádio, estava constantemente à procura de música nova. Nós próprios temos que partir com o pensamento de fazer bem o trabalho. Se é a lei que vai incentivar a procura de mais música nova, então estamos mal. Toda a gente que faz música pode passar na rádio? Infelizmente não dá para todos. Foi sempre assim. Acho que o importante é chegarmos ao final do dia e olharmos para aquilo que estamos a fazer, estarmos contentes em relação ao nosso trabalho, ao que estamos a apresentar. Dou um exemplo: os meus primeiros temas no YouTube atingiam 20, 30 milhões de visualizações. Hoje, seja eu ou outro artista, é muito mais difícil chegar a esses números. Fico frustrado, fico triste, assim como quem não tem oportunidade para passar na rádio. Mas temos que pensar: estou contente com o que estou a fazer? Estou a fazer aquilo que posso? Então estou tranquilo.

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