O Kalorama está quase a regressar para mais uma edição. Este ano, o festival de três dias, que se estreou em 2022, volta a acontecer no Parque da Bela Vista, em Lisboa, entre 19 e 21 de junho. O cartaz vai levar os espectadores numa viagem pelo tempo, com concertos de bandas emblemáticas dos anos 80, mas também com a presença de talentos mais recentes.
“Cada vez mais queremos que o festival seja para todos e essa mensagem vê-se no cartaz. Temos dias distintos para cada tipo de público. A curadoria musical foi feita para trabalhar multidões diferentes no dia-a-dia”, diz Diogo Marques, o diretor do festival, à NiT.
O empresário de 43 anos acredita que o festival sempre se focou principalmente na música e no convívio e sabe que os festivaleiros vão, certamente, adicionar novos artistas às playlists, tal como tem acontecido nos anos anteriores.
“Muitos dos que passam por aqui são descobertas que, passado pouco tempo, esgotam salas pelo País fora. Somos um festival que vem ensinar, dar uma maior cultura musical e apresentar artistas tradicionais como headliners e muitos nomes emergentes”, realça.
19 de junho, quinta-feira
No primeiro dia, o palco MEO (o principal) vai receber Father John Misty pelas 20h35. Tal como já nos habituou, vai apresentar a sua mistura única de folk introspetivo e sarcasmo ácido. O artista tornou-se conhecido pela participação nos Fleet Foxes, projeto que abandonou em 2011, tendo-se reinventado como artista a solo com “Fear Fun” (2012), um álbum mordaz que explora a sua crise de identidade e transforma rotina em poesia cómica e, ao mesmo tempo, filosófica.
Mais recentemente, a 22 de novembro do ano passado, editou “Mahashmashana”, o disco que vai estar em destaque no concerto. Embora o álbum tenha apenas oito canções, tem uma duração de aproximadamente 50 minutos, apoiado em temas anormalmente longos.
Em “Mahashmashana”, Misty recupera representações cómicas da angústia existencial e do medo que tem do apocalipse, canções que sugerem que a vida em pleno século XII é insuportável e que o mundo está à beira da ruína. O habitual, portanto.
No que toca a temas familiares, também as drogas marcam presença. Em “Josh Tillman and the Accidental Dose”, o músico de 43 anos recorda-se de tomar LSD e de começar a ver um palhaço a falar sempre que olhava para um quadro num apartamento aleatório. É natural que o estupefaciente volte a ser um tópico relevante, ele que tem marcado a carreira e a vida de Father John Misty, criado no seio de uma conservadora, rigorosa e “opressora” família evangélica.
Umas horas depois, pelas 22h44, os protagonistas do palco MEO serão os Pet Shop Boys, formados por Neil Tennant e Chris Lowe — que vão estar a celebrar uma carreira que desde 1981 lhes rendeu 44 singles no top 30 do Reino Unido, 22 do top 10 e quatro canções que chegaram ao primeiro lugar.
Símbolos do electropop sofisticado, mantêm-se como um duo relevante, continuando a trazer elegância e glamour aos seus espetáculos, algo que, certamente, também não faltará na apresentação do Kalorama.
Embora tenham começado o percurso em Londres em 1981, foi apenas quatro anos depois que se deu o grande ponto de viragem na carreira, com o lançamento do single “West End Girls”, que atingiu o primeiro lugar nas tabelas de vários países, incluindo os Estados Unidos.
Ao longo das décadas seguintes, a dupla manteve uma grande consistência artística, lançando sucessivos álbuns aclamados pela crítico e público, como “Actually” (1987), que inclui êxitos como “It’s a Sin” e “Always on My Mind”, e “Behaviour” (1990), considerado por muitos um dos seus trabalhos mais refinados.
Os anos passaram, as tendências musicais mudaram, mas mesmo assim conseguiram manter-se relevantes graças à reinvenção constante e à adaptação a diferentes géneros.
O primeiro dia termina com um concerto dos The Flaming Lips, que sobem ao palco principal pelas 1h30. Ali vão estar a apresentar “Yoshimi Battles the Pink Robots”, editado em 2002.
Depois de vários álbuns que ajudaram a construir a sua reputação de culto desde 1983, foi com este projeto que a banda atingiu um novo patamar de sucesso comercial e reconhecimento crítico.
O disco (o décimo da carreira) é inspirado por uma narrativa de ficção-científica e conta a história de Yoshimi, uma jovem guerreira japonesa que combate robots cor de rosa gigantes, numa metáfora para a luta contra o sofrimento e a mortalidade. No entanto, mais do que um álbum conceptual fechado, é um conjunto que canções que exploram temas universais como o amor, a perda e a fragilidade humana — tudo envolto em arranjos eletrónicos e composições delicadas.
Temas como “Do You Realize?”, uma das faixas mais emblemáticas do conjunto, capturaram perfeitamente a fusão entre o enorme impacto emocional e a simplicidade melódica. Naturalmente, o projeto recebeu aclamação generalizada dos críticos e alcançou um enorme sucesso comercial, o que foi inesperado para uma banda que, até então, era considerada de nicho.
No primeiro dia, também haverá vários concertos no palco San Miguel. Por ali passarão nomes como Capital da Bulgária (17h40), Cara de Espelho (19h30), Sevdaliza (21h40) e L’Impératrice.
20 de junho, sexta-feira
A 20 de junho, os três concertos principais arrancam com Azealia Banks, uma das artistas mais controversas da atualidade. Embora seja responsável por hits como “212”, “Luxury”, “New Bottega” e “Liquorice”, todos com milhões de streams no Spotify, foram as discussões online e as opiniões polémicas que a tornaram um dos nomes mais mediáticos no digital.
Um dos primeiros conflitos que se tornou viral decorreu em 2014 e o alvo foi a rapper Iggy Azalea, que foi acusada por Banks de fazer apropriação cultural e de ignorar questões raciais.
Mais recentemente, em 2018, acusou Elon Musk e a cantora Grimes de a terem mantido presa em sua casa. Azealia estaria lá para colaborar com Grimes, mas foi deixada sozinha — e alega ter visto o empresário sob o efeito de substâncias il~icitas.
Todos estes episódios decorrem sempre no mesmo lugar: as redes sociais — e já foi banida do X (antigo Twitter) inúmeras vezes. No Instagram, é igualmente controversa e já gravou vídeos a desenterrar o que parecia ser um gato morto para o usar num ritual. As imagens tornaram-se virais e levantaram um debate sobre saúde mental.
A verdade é que, apesar de tudo, continua a ter canções que são elogiadas tanto pelo público como pelos críticos. Embora não tenha nenhum álbum recente (o último é de 2017), no Kalorama vai estar a apresentar os grandes hits da carreira que começou em 2008 (também no online, mais especificamente no MySpace).
Mais de duas horas depois, pelas 23h50, começa o concerto dos emblemáticos Scissor Sisters. A banda norte-americana foi formada em Nova Iorque em 2001 e começou a ganhar notoriedade nas discotecas da cidade, graças às performances exuberantes que misturavam a extravagância, teatralidade e referências aos anos 70 e 80.
Em 2004 lançaram o álbum “Scissor Sisters”, que fez com que explodissem no panorama internacional. No Reino Unido foi mesmo um dos discos mais vendidos do ano.
Temas icónicos como “Take Your Mama”, “Laura” e o cover de “Comfortably Numb” — canção dos Pink Floyd que foi transformada numa faixa disco-eletrónica) — conquistaram o público, que elogiou a energia da banda, a fusão de estilos e a ousadia estética nos videoclipes e concertos. O álbum acabou por se tornar um triunfo da cultura queer no mainstream musical, algo que não acontecia regularmente no início dos anos 2000.
Em 2006, editaram o seu segundo projeto, “Ta-Dah”, que reforçou a popularidade mundial, em grande parte graças ao hit “I Don’t Feel Like Dancin'”, co-escrito por Elton John. As canções continuaram a explorar temas como a libertação, o hedonismo e a celebração da vida.
Entraram numa pausa indefinida em 2012, mas regressaram aos palcos no último ano. Atualmente, estão a trabalhar numa versão deluxe de “Scissor Sisters”, que vai incluir vários novos temas. O álbum será editado a 18 de julho.
No segundo dia do Kalorama, a última artista a subir ao palco é FKA Twigs, cujo espetáculo começa pelas duas da manhã. A cantora vai apresentar “Eusexua”, editado em janeiro deste ano, o sucessor de projetos aclamados como “LP1” e “Magdalene”.
A obra mais recente junta house, techno, garage e drum & bass com a estética emocional característica da cantora. O título, palavra criada por ela, mistura “euforia” e “sexualidade”, dois temas explorados a fundo no projeto.
Nas plataformas de streaming tem milhões de ouvintes, mas foi graças à relação com Shia LaBeouf que se tornou conhecida nos Estados Unidos. Começaram a namorar em 2018 e, em 2020, Twigs apresentou um processo judicial por violência doméstica, agressão sexual e sofrimento emocional.
No documento, relatou uma série de comportamentos abusivos e manipuladores, além de episõdios de violência física, isolamento emocional, controlo psicológico e até ameaças de morte. Ao “The New York Times”, revelou que o ex-parceiro a teria forçado a uma rotina de controlo e medo constrante — desde restringir com quem podia falar até controlar o seu tempo livre e comportamentos.
O ator admitiu alguns dos seus comportamentos, alegando que tinha problemas com álcool e agressividade, mas também tentou minimizar algumas das acusações. Até ao momento, não houve um desfecho no caso.
E como o Kalorama não tem pausas, entre os concertos no palco principal haverá sempre atuações no San Miguel, o secundário. A 20 de junho atuam Heartworms, Maquina, Model/Actriz, Boy Harsher e Róisín Murhpy, dos Moloko.
21 de junho, sábado
Para o último dia, os concertos mais aguardados são de Jorja Smith e Damiano David. A cantora britânica, que já é uma presença regular em Portugal, é a primeira a subir ao palco, pelas 23h25, onde vai estar a apresentar “Falling or Flying”, o seu disco mais recente. Tal como habituou o público, o projeto move-se entre R&B, soul, jazz e pop contemporâneo.
Smith começou a escrever canções em adolescente e foi descobrindo a sua sonoridade entre influências como Amy Winehouse, Lauryn Hill e Mos Def. Aos 18 anos, lançou de forma independente a faixa “Blue Lights“, que se tornou viral no SoundCloud em 2016. A letra, que aborda o tema da tensão entre a juventude negra e a polícia no Reino Unido, mostrou desde o início que a cantora queria ser uma voz ativa na luta contra a discriminação.
Dois anos depois, lançou “Lost & Found”, o seu álbum de estreia onde se destacaram canções como “Teenage Fantasy” e “Where Did I Go?”. Nesse mesmo ano, venceu o Brit Critics’ Choice Award e foi nomeada para Melhor Artista Revelação nos Grammys. O talento também a levou a colaborar com grandes nomes da indústria musical, como Drake, Stormzy, Kendrick Lamar e Burna Boy.
Foi em 2023 que lançou “Falling or Flying”, o segundo álbum de estúdio que vai estar em destaque no concerto. No projeto já tem uma produção mais eletrónica e experimental.
O palco principal encerra com a atuação de Damiano David, que começa pelas 1h55. O alinhamento contará, claro, com “Born With a Broken Heart”, uma das canções mais populares nas rádios nacionais este ano.
O cantor e compositor aposta agora na música pop, mas foi com o rock da banda Måneskin que se tornou conhecido. Afinal, foi o grupo que venceu a Eurovisão em 2021 com “Zitti E Buoni”. Graças ao timbre rouco e poderoso e à estética arrojada e punk, juntou imediatamente milhões de fãs.
Em maio de 2025, lançou o seu aguardado álbum de estreia a solo, “Funny Little Fears”. O trabalho marcou uma separação do glam rock do grupo e foi concebido como um projeto altamente pessoal e introspetivo, onde fala sobre as suas ansiedades e “medos pequenos e engraçados”, como descreve o próprio.
O disco inclui 14 faixas que exploram uma paleta sonora diversificada, como a pop emocional, a eletrónica, rock alternativo e baladas onde o piano está em destaque. Entre os temas mais populares estão “Next Summer”, “Silverlines” e “Born With a Broken Heart”.
Ao longo dos três dias do festival, haverá música em todos os cantos — e de vários géneros diferentes. O EDM vai estar em destaque no palco Panorama. A 19 de junho passam por lá Kierastoboy, Olof Dreijer, Roi Perez e 2ManyDJs, que Diogo Marques, o diretor do Kalorama, afirma ser um concerto a não perder. Nos dias seguintes pode contar com atuações de artistas como Viegas, Kelly Lee Owens, Ryan Elliott e Daniel Avery.
Informações úteis
O acesso ao recinto vai ser feito pela Porta Sul e, para assegurar uma boa experiência a todos os festivaleiros, a organização recomenda que sejam usados os transportes públicos. A estação de metro da Bela Vista ficará aberta até às três da manhã e terá reforço de comboios. Já a Carris vai ter carreiras noturnas especiais e shuttles gratuitos da Via Verde a partir de Sete Rios, Roma e Avenida dos EUA.
As portas do recinto abrem pelas 16 horas e, quando lá chegar, tem de ter em conta aquilo que leva consigo, visto que há vários objetos proibidos, como bebias alcoólicas, recipientes de vidro ou de lata, mochilas grandes, selfie sticks, guarda-chuvas com ponta, objetos que possam cortar, powerbanks com mais de 10.000 mAh, drones e câmaras profissionais.
Por outro lado, pode entrar com mochilas pequenas, garrafas de água de plástico até 50 centilitros, sem tampa, e copos reutilizáveis de 40 centlitros ou mais.
Para assegurar o conforto dos clientes, Diogo Marques também pede que os visitantes não se esqueçam do protetor solar. “Vai ter muitas horas de sol e prevêem-se dias de muito calor”, avisa.
Os bilhetes para o festival ainda estão à venda online e nos locais habituais. A entrada diária custa 55€ e o passe geral está disponível por 105€.