Música

A infância traumática de Paris, a filha de Michael Jackson — que é igual ao pai

Cresceu isolada do mundo, ficou dependente das drogas e tentou o suicídio. Agora lança o seu primeiro tema a solo.
A vida não tem sido nada fácil

Pouco mais de um ano depois de Michael Jackson ter concretizado o sonho de ser pai, o artista estava de volta à sala de partos para assistir ao nascimento da filha. “Foi mágico. Saiu virada ao contrário. Estava a ser sufocada pelo cordão umbilical e estava um pouco preocupado”, recordou o Rei da Pop em 2003. 

A ansiedade levou-o ao descontrolo. “Queria tanto levá-la para casa que assim que cortaram o cordão — e odeio dizer isto —, arranquei a [aos médicos] e fugi com ela para casa, ainda com a placenta toda sobre o corpo.”

Paris-Michael — os três filhos do músico foram todos batizados com o nome do pai — nasceu a 3 de abril de 1998. E se o nascimento foi invulgar, também seria o resto da sua vida.

Tem hoje 22 anos e o legado do pai, uma verdadeira lenda da música, é bastante pesado. Poderia dizer-se que o que acontece a seguir era uma inevitabilidade: Paris acaba de lançar o seu primeiro single, “Let Down”. O início de uma carreira musical que já se antevia há pelo menos dois anos, quando formou os The Soundflowers com o então namorado Gabriel Glenn.

Contrariamente aos irmãos Michael Joseph e Prince Michael, a atração pela fama e pela visibilidade pública foi sempre notória. Tinha apenas 11 anos quando em 2009 subiu ao palco durante um memorial ao pai, no ano da sua morte, em 2009, para um discurso emotivo.

“Desde que nasci, o papá foi o melhor pai que vocês podem imaginar (…) queria apenas dizer que o amo muito”, confessou ainda a tempo de antecipar as lágrimas que já se adivinhavam. Para o irmão, foi a prova cabal de que Paris tinha “mais força do que qualquer um de nós”, explicou em 2017 à “Rolling Stone”

Na mesma peça, em discurso direto, Paris revelou saber o que a esperava depois dessa aparição. “Já sabia que ia haver muita gente a dizer merda. Muitos a questionarem o meu pai e a forma como ele nos educou. Essa foi a primeira vez em que o defendi publicamente e definitivamente não seria nem será a última”, atirou.

Assinou um contrato como modelo em 2017, apesar dos diversos problemas e complexos com a sua própria imagem, muito por culpa dos media, que muito especularam sobre as suas feições, as do pai e a eterna dúvida sobre a paternidade. Posar para a máquina é, para a filha de Michael Jackson, uma espécie de terapia.

“Sempre tive problemas de auto-estima. Muita gente acha que sou feia, outros não. Mas há um momento em que, quando estou a posar, em que os esqueço e me foco no que o fotógrafo diz — e sinto-me bonita. Nesse sentido, é algo egoísta.”

Tentou também lançar uma carreira na televisão e no cinema. Estreou-se no cinema em 2018, em “Gringo”, e na televisão em “Star”, em março deste ano. Agora, Paris quer ser bem-sucedida no mundo onde o pai foi rei: na música.

A rica (e pesada) herança está sempre por perto, desde logo pelas dúvidas que surgem sempre quando a conversa chega à legitimidade. Elas nunca se colocaram quanto à maternidade de Debbie Rowe, a enfermeira que trabalhava para o dermatologista do músico e que engravidou com dois filhos do artista norte-americano.

Casados durante três anos numa relação bizarra, nunca moraram juntos. Mais tarde, Rowe viria mesmo admitir que também nunca tiveram relações sexuais. A relação, especula-se, terá sido meramente económica. Michael concretizava o sonho de ser pai, Rowe recebia um pagamento volumoso.

O potencial cenário de telenovela acabou por ser bem real para Paris, talvez demasiado real e problemático. Os efeitos ainda hoje se fazem sentir na vida da filha do Rei da Pop, embora na sua memória só caibam, segundo a própria, recordações carinhosas.

A relação com o pai

Um dos seus filmes favoritos é “Capitão Fantástico”, que conta a história de um pai que tenta criar os filhos no meio da floresta, longe do mundo que considera ser prejudicial para o bem-estar das crianças. A infância de Paris não anda muito longe dessa realidade.

Viveu e cresceu naquele que seria o sonho de qualquer miúdo: no rancho Neverland, entre animais exóticos e carrosséis. Na sua cabeça, o pai era apenas “o papá” e não uma estrela mundialmente famosa. “Era o nosso mundo e nós éramos o mundo dele”, conta à “Rolling Stone”.

As aulas eram dadas em casa pelos professores, longe de colegas e amigos da mesma idade. Apesar de viverem num parque de diversões, Michael era criterioso com a sua educação. As viagens nas montanhas-russas estavam reservadas para ocasiões especiais — e apenas se os miúdos se comportassem como era esperado.

“Michael era um exemplo de paternidade”, recorda nas suas memórias Jermaine Jackson, irmão da estrela que, como se sabe, teve uma infância atribulada, encurtada pelas exigências da fama e pelas regras rígidas do pai. “Ele deu [aos filhos] o amor que a nossa mãe nos deu, além de providenciar o tipo de educação emocional que o nosso pai, embora sem culpa, não nos foi capaz de dar. Ele era um pai e uma mãe num só.”

Paris e Michael também não quiseram ir à escola. Preferiam ficar em casa, até porque de vez em quando, o pai irrompia pela sala e libertava-os das tarefas. Paris lembra-se de pensar que não precisavam de amigos. “Temos o pai e o Disney Channel”, lembra-se de pensar. Duas décadas depois, é capaz de assumir que o isolamento a tinha tornado “numa miúda estranha”.

Apesar da invulgaridade da relação, a filha recorda que Michael Jackson também conseguia mostrar uma faceta mais próxima da normalidade. Do outro lado do muro do rancho, não havia um Michael a fazer passos de dança mirabolantes, a pendurar crianças para lá das grades de um terceiro piso ou a desfigurar a cara com dezenas de intervenções cirúrgicas.

Era comum ver o músico de avental vestido, a ensinar o filhos a cozinhar. “Era um cozinheiro do caraças. O frango frito dele era o melhor do mundo. E ensinou-me a fazer tarte de batata doce”, recorda a filha.

Michael Jr., Prince e Paris com o pai na cozinha

A educação musical foi, como seria de esperar, bastante apurada. Hoje, a playlist de Paris é uma amálgama de géneros. O gosto eclético é outra das lições do pai: ouve de tudo, de Guns N’ Roses a Tchaikovsky, de Earth, Wind and Fire a Run-DMC. A abertura não se ficava pela música.

“O meu pai criou-me numa casa de mente aberta. Tinha oito anos quando me apaixonei por uma mulher numa capa de revista. Não gritou comigo, como faria a maioria dos pais homofóbicos. Limitava-se a brincar comigo, a dizer ‘Oh, arranjaste uma namorada, foi?’.”

Michael intervinha em tudo, até nas lições de história, onde passou a Paris a noção de que Cristóvão Colombo era menos um descobridor e mais um explorador das populações indígenas. “O cabrão do [Colombo] massacrava os nativos”, dizia-lhes, sem grande preocupação com as asneiras. “Ele tinha uma boca suja, praguejava como um verdadeiro marinheiro.”

A adolescência turbulenta

As dúvidas estavam escarrapachadas pelas capas de todos os tablóides. Seria Michael Jackson o verdadeiro pai de Paris? Apesar dos rumores, da relação bizarra com Rowe e de uma eventual inseminação artificial que poderá (ou não) ter usado o esperma de outro homem, Paris é inflexível.

“Ele é o meu pai. Vai ser sempre o meu pai (…) As pessoas que o conheceram bem dizem que conseguem vê-lo em mim, é até algo assustador”, explicou em 2017. Apesar da relutância em acreditar nas teorias que questionam a paternidade, a verdade é que toda a pressão acabou por ter um preço.

Só aos 13 anos é que conheceu pessoalmente Debbie Rowe, a mãe biológica. Para lá dos laços genéticos, Paris teve muitas mães na sua vida, entre a avó e as amas que a educaram.

A infância marcada pelo pai foi moldando a personalidade que hoje se mostra ainda frágil para lidar com muito do que lhe é atirado pelos media e por estranhos, sobretudo na Internet. Michael foi também ele vítima do escândalo público. Durante anos penderam sobre si acusações de pedofilia. Paris recorda-se, por exemplo, do pai chorar ao seu lado durante a noite.

“Imaginem o vosso pai a chorar à vossa frente, tudo porque o mundo o odiava por algo que ele nunca fez. Para mim, ele era a única coisa que importava. Olhava para ele e via o meu mundo a sofrer. Comecei também a odiar o mundo por causa do que lhe faziam. Pensava: ‘Como é que as pessoas podem ser tão más?’.”

Paris luta contra a dependência das drogas desde os 15 anos

Só se aventurou na escola fora de casa no sétimo ano e, como seria de esperar, era quase sempre o elemento estranho. Não fazia parte do grupo dos miúdos populares, apesar de ser filha de uma das maiores lendas da música moderna.

“Fazia coisas que um típico miúdo de 13 ou 14 anos não devia fazer. Tentei crescer demasiado depressa e não me tornei numa pessoa muito simpática”, recorda. Tal como o pai, a infância foi vivida à velocidade da luz.

Rapidamente percebeu que teria de enfrentar bullying, sobretudo na Internet e nas redes sociais, onde as más línguas facilmente se desviavam do pai e se focavam nos filhos.

Aos 15 anos, habituou-se a suportar esse peso através da auto-mutilação e das drogas duras, das quais se tornou dependente. Sem surpresas, a espiral terminou com uma tentativa de suicídio — algo que se viria a repetir por diversas vezes. Os 20 comprimidos ingeridos de uma vez não foram eficazes.

“Odiava-me a mim própria, tinha uma auto-estima baixíssima, acreditava que não era capaz de fazer nada bem, de que não merecia continuar a viver”, confessou em 2017, numa entrevista em que revelou também ter sido vítima de abuso sexual com 14 anos.

A última tentativa levou-a a uma escola e clínica de reabilitação no estado do Utah. Foi a forma que encontrou para tentar superar as dificuldades, amplificadas pela depressão e ansiedade.

Também aqui, Paris sublinha as parecenças com o pai, que lutou durante grande parte da vida com depressões. Ainda assim, a filha acredita que a morte do pai teve outra incógnita decisiva na equação. Uma década depois, continua a acreditar que Michael Jackson foi assassinado.

“É óbvio. Tudo aponta nesse sentido. Soa a teoria da conspiração, a treta, mas os verdadeiros fãs sabem, a família sabe. Foi uma armadilha”, revelou à “Rolling Stone”. Embora refira que no banco dos réus deveria estar “muita gente”, não individualiza. E garante que a batalha contra os culpados pela morte do pai vai continuar: “É um jogo de xadrez. Estou a tentar fazer as jogadas certas. É tudo o que posso dizer sobre isso”.

Uma cópia do pai

Entre as mais de 50 tatuagens, nove são dedicadas ao pai. Gravou na pele a capa de “Dangerous”, o logótipo de “Bad” e “Queen Of My Heart”, nome que Michael lhe dedicou numa carta. Ele, que se via como uma encarnação de Peter Pan, inspirou a frase “Faith, Trust and Pixie Dust” (Fé, Confiança e Pozinhos de Fada), até porque tratava Paris pela alcunha de Fada Sininho.

As tatuagens, que hoje cobrem as cicatrizes das auto-mutilações e do consumo de drogas, são a forma que tem para homenagear o pai.

“Como pessoa, é tal e qual o que era o meu pai. A única diferença entre eles é a idade e o género. São semelhantes nas forças e nas fraquezas. Ela é muito apaixonada, muito emocional, ao ponto de deixar que as emoções lhe toldem o discernimento”, explica o irmão Michael Joseph.

Paris e Michael Jr. com o pai

Dez anos depois da traumática morte do pai, continua a lutar contra as memórias, embora com forças reforçadas por uma constatação simples: “Dizem que o tempo cura, mas nem por isso. Apenas te habituas a viver com a ideia de que perdeste a coisa mais importante na tua vida. O que quer que de mau me possa acontecer no futuro, nunca serão tão mau quanto o que me aconteceu até aqui.”

Herdeira, em conjunto com os dois irmãos, de uma fortuna de mais de mil milhões de euros, quer procurar o seu lugar no mundo e nas artes. Como modelo, como atriz — tem presença confirmada na série televisiva inspirada no sucesso de terror “Gritos” — e também como cantora e compositora.

Apesar de tentar criar o seu próprio caminho, a cada dúvida ou obstáculo tenta sempre fazer o mesmo exercício: relembrar-se do sábio conselho do pai. “Se queres ser maior do que eu, podes sê-lo. Se não quiseres ser nada, também o podes ser. Só quero é que sejas feliz.”

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