Por vezes damos por nós perante uma paisagem deslumbrante. Admiramos o horizonte e quase nos perdemos, hipnotizados. Como seria uma sensação assim numa música? Este é um desafio que João Grilo parece ter lançado a si próprio. Mas é só uma de mil e uma ideias que lhe saem todos os dias da ponta dos dedos.
Aos 26 anos, João Grilo é um de dez finalistas da edição deste ano do concurso New Talent, organizado pela NiT, Media Capital Digital e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma iniciativa que procura dar a conhecer jovens talentos ligados ao lifestyle. O vencedor irá receber um prémio de 10 mil euros para desenvolver um projeto profissional.
O músico colabora em vários projetos musicais, já compôs para peças de dança, além de ter os seus trabalhos a solo. João Grilo viveu até aos 12 anos no Luxemburgo até o Porto se ter tornado a sua casa. Muito antes de se ter sentado ao piano pela primeira vez, muito anos antes de sequer ter escolhido sozinho o primeiro disco que queria ouvir, a música era já uma constante da sua vida. “A minha família é consumidora ávida de música e de artes em geral. Não fazem disso profissão mas são todos de alguma forma artistas. Lá por casa estávamos sempre a ouvir música. Eles punham os discos e acontecia eu estar lá por casa”.
Foi assim que, ainda sem saber o ABC, começou a ouvir música tão diferente. “A minha mãe ouvia imenso jazz, ouvíamos um Jason Moran, um Coltrane, um Ornette Coleman, também free jazz. Ela também era coladíssima em Joy Division, em Portishead, em Radiohead, que ficava a dar em loop lá em casa. E os meus pais eram curiosos com as coisas novas”, conta.
Se é dos genes ou da educação, essa curiosidade e atenção a muitas coisas diferentes seria algo que o distinguiria. Isso e uma descontração desarmante, como quando nos conta que a primeira profissão que sonhou ser era homem do lixo. “Acho que era por causa do camião”, ri-se.
“Depois também quis ser empregado doméstico, mas só porque curtia um daqueles brinquedos que era uma cozinha. Hoje em dia é tudo tarefas que não me dão gozo, mas pronto. Também quis ser desportista, jogava imenso futebol, também adorava ski. Acho que era só o conceito de poder fazer desporto e ganhar dinheiro com isso. Parecia porreiro”. E acrescenta: “Quando comecei a tocar mais piano, tirei a mesma conclusão em relação à música: gosto disto, será que posso fazer disto vida?” Parece que sim.
Sentado ao piano, João Grilo multiplica-se. Desde que é adolescente, tanto atua ao vivo a solo ou com outros projetos. Esteve em palco em festas de escolas, bares, auditórios, até chegar a espaços como o festival de jazz de Guimarães, o Rivoli ou a Casa da Música. O tamanho do palco não lhe desvia as atenções do que interessa. “Às vezes as experiências mais lindas são mesmo em espaços mais pequenos. Uma vez fiz um concerto numa aldeia pequenina em França, e é fixe. Tu tocas e no final as pessoas são assim mais velhinhas, vêm falar contigo, não há tanto a separação público e músicos. Ali somos todos importantes. Gosto disso”.
Para ele a música tem sido sempre vivida em tom de descoberta. Isso ajuda a explicar a variedade projetos em que e tem envolvido. Tanto trabalha na sonoplastia e na composição para uma peça de dança como “Coexistimos”, de Inês Campos, como está por estes dias a compor para uma ópera de câmara, inspirada no 25 de Abril. O seu piano tanto se junta à festa nuns Retimbrar, coletivo entre o moderno e o popular, em que a música é animada por mais de uma dezena de músico, como os seus dedos parecem espraiar-se no jazz de O Grilo e a Longifolia. A descoberta, no entanto, também não se faz sem passos em falso.
Adolescente, estudou no Conservatório do Porto. “Eu na altura era uma pessoa muito paixonada por música mas muito pouco por regras, especialmente quando elas não me eram explicadas. Fui educado por pessoas que quando me falavam de regras me explicavam a razão das mesmas. Percebendo-as, não me incomodava nada cumpri-las. Mas senti um ambiente de cumprir regras porque sim, de não ir tão profundamente às questões. Não era algo que associasse a um ambiente artístico e explorador. Tinha 16 anos e tinha muitos interesses. Não era de ficar seis horas a tocar piano depois das aulas. Queria fazer mais coisas. Também não facilitei muito a vida aos meus professores nesse sentido. Mas não foi nada traumático. Sou crítico em relação a algumas coisas mas tirei muitas coisas porreiras do Conservatório”.
Acabou por sair do Conservatório e preparou-se para entrar na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo. Conseguiu e aí, mesmo com algumas dúvidas na parte pedagógica, a experiência foi diferente, muito por mérito das pessoas. “Como tens gente de vários cursos, de teatro, composição, produção, isso para mim foi porreiro. As universidades têm isso de positivo: põem os putos todos diferentes no mesmo espaço e se eles são curiosos…”. Foi uma altura também de contestar. “Acho que isso faz bem às pessoas”.

Quando acabou o curso, ainda fez um mestrado itinerante na Escandinávia. A cada novo semestre, um novo lugar. Fazia frio mas os dias eram claros. Desfrutou da vida de Copenhaga, “uma cidade ótima para se viver” mas adorou em especial “toda a cena musical de Oslo”. Regressado a Portugal, era tempo de continuar o seu percurso, sempre ao piano.
O primeiro instrumento “era um daqueles teclados rafeiros”, conta. “Quando a coisa começou a ficar mais séria comprámos um piano de parede”. É o mesmo instrumento que usa há mais de uma década”. Em miúdo ainda pensou que com o tempo haveria de tocar outro instrumento. Mas o piano ficou. “Quanto mais tempo passa mais apaixonado estou por este instrumento”.
Com toda a música que os pais lhe mostravam em miúdo, faltavam coisas. Foi sozinho que começou a ouvir música clássica e contemporânea. “Descobri compositores franceses, como o Debussy, o Ravel e depois o Messiaen”. Foi descobrindo que para construir paisagens sonoras havia muito que podia explorar.
“O Messiaen era músico mas também um ornitólogo amador. Era um gajo que passava muito tempo a estudar os pássaros e ele ouvia uma série de pássaros que transcrevia. Fez ‘O Catálogo dos Pássaros’ e foi relevante para mim em termos musicais mas também pela relação da música com o mundo à volta, a maneira como tu enquanto artista te relacionas com o mundo e o representas”, conta. “Isso levou-me a descobrir mais e mais música”, o que foi juntando ao espírito do jazz, de junção de estilos. “Não é algo que faça conscientemente”. É um simples: “isso interessa-me”.
Por essa razão mantém o ouvido aberto a tudo. O que quer dizer que tanto se pode aventurar pela música contemporânea, “que olha para a música com uma cabeça livre, no sentido em que tudo o que produz som pode ser matéria musical”, como pelo álbum mais recente de Billie Eilish. “Mesmo havendo coisas que não me dizem grande coisa o trabalho de produção é curioso. Todos aqueles sonzinhos que constroem a imagem musical”, realça. O próprio João Grilo parece estar sempre pronto a multiplicar-se.
“Há paisagens sonoras que me seduzem imenso”, afirma. “Podíamos falar sobre todos os estilos musicais e encontrar potencialidades em todos. E a questão para mim é: por que não usar todas essa potencialidades de que gostas, em todos os estilos, para fazeres a tua música?”.
O New Talent premeia criadores com menos de 27 anos numa fase decisiva das suas vidas e carreiras. É um momento em que um prémio de dez mil euros pode ser definidor. No seu caso, o dinheiro seria para Glass Octopus. “É um quarteto de piano, contrabaixo, bateria e eletrónica. É um projeto que cruza música contemporânea, eletrónica, mas também com um groove de pop e hip-hop, mas tudo com uma certa desconstrução. Andamos num misto”.
De cabeça, João Grilo vai fazendo contas imaginando como poderia dividir o dinheiro em parcelas, o que seria para horas de estúdio, para horas de trabalho, de concepção. “E seria uma maneira de usar o dinheiro de uma maneira mais coletiva, não era só para uma pessoa”, argumenta.
“Esta equipa de músicos é super fixe”, realça. Entre a banda, além de música há conhecimentos de fotografia, de programação, de escrita, dança. Glass Octopus não seria assim apenas um disco de música, mas um objeto de arte mais completo, interativo, um espectáculo ao vivo que seria uma espécie de organismo em mutação. É um mundo em crescendo.
“Tenho um fascínio com alguns fenómenos da natureza, como a bioluminescência e aquele momento em que estamos a a olhar para o mar, ou para uma fogueira, e ficamos hipnotizados. E eu gostava de fazer música que tivesse esse efeito nas pessoas”, explica.
“Como com as labaredas do fogo ou as ondas do mar, há ali algo igual, familiar, e que ao mesmo tempo nunca se repete. Como é que se faz música nessa onda? Que timbres, que sons podem levar a esse lugar de fascinação?”. É isso que quer descobrir, sentado ao piano.