Ao longo dos últimos quatro anos, Jüra tem-se afirmado como um valor seguro da nova música portuguesa. Depois do EP de estreia “jüradamor”, editado no ano passado, Joana Silva está agora a apresentar uma trilogia de singles colaborativos. Depois de “ameio”, que partilhou com Ícaro, chegou “Milagre” — que foi produzido por Blaeckfull.
Além disso, vai dar dois dos concertos mais importantes do seu percurso até agora. Vai atuar no Hard Club, no Porto, a 21 de abril; e no Capitólio, em Lisboa, a 29 de abril. Os bilhetes custam 15€ para o norte e para a capital. Em palco vai contar com os convidados Ícaro, David Fonseca, Iolanda e Murta. Estão prometidas músicas novas e uma componente mais performativa. Leia a entrevista da NiT com Jüra.
Lançou recentemente o single “Milagre”. Como é que este tema nasceu?
Nasceu de uma colaboração com o Blaeckfull. Faz parte desta trilogia que explora novas sonoridades e colaborações. A primeira foi o “ameio” com o Ícaro — e a próxima logo verão. Foi a minha vontade e necessidade de explorar coisas com outras pessoas e o input dessas pessoas traz sonoridades diferentes e o Blaeckfull trouxe a cena dele e acho que resultou muito bem.
O conceito da trilogia surgiu de algo em especial? Ou foi mesmo a questão de potenciar colaborações artísticas?
Tive muita vontade de fechar e apresentar o meu EP, e apresentar-me às pessoas singularmente. Agora tive esta vontade de ver como é trabalhar com outras pessoas e o que nasce deste cruzar. Mesmo o processo criativo é completamente diferente.
Neste caso, com o Blaeckfull, como foi?
O Blaeckfull, que é um produtor, já tinha falado comigo para fazermos um projeto. Tive muita liberdade para criar a minha parte e ele a dele, embora falássemos sempre. E foi giro porque foi trabalhar num estúdio diferente, com uma pessoa diferente, mas surgiu tudo muito naturalmente e fez-se muito bem.
Ele apresentou primeiro o instrumental ou também acompanhou esse processo de construção?
Criámos tudo juntos. Fui para estúdio com ele, começou a experimentar coisas, mostrou-me samples, começámos a ver em que estilo é que íamos morar… Não foi nada concreto de “quero fazer isto”, não. Descobrimos os dois e nasceu o “Milagre”.
Do seu lado, da escrita e da voz, o que tem descoberto nestas colaborações? Porque obviamente trabalhar com outras pessoas faz com que seja diferente.
O que tenho mais descoberto é que é mesmo bom trabalhar com mais pessoas, mas também é ótimo estarmos certos do que gostamos de fazer e da maneira como gostamos de fazer. É isso que tenho aprendido — tanto a defender a minha identidade como a estar aberta para ouvir outras pessoas e cruzar-me com elas. A minha maneira de estar na música é muito emocional e pessoal, por isso há coisas de que não abdico e então tem sido mais esse processo de descoberta, de perceber como é que as identidades se cruzam sem se anularem. É sempre muito interessante e nascem coisas mesmo bonitas.
O seu percurso ainda é curto, mas ao mesmo tempo já deu vários frutos. Lançou o EP, agora tem estado a construir esta trilogia. Sente que a sua identidade artística está sólida e coesa, ou sente que ainda se está a descobrir um pouco?
Sinto que posso descobrir muita coisa que ainda posso fazer, mas que a minha identidade… tudo o que faço é consistente e coeso. Porque vem tudo de mim. Claro que, com o passar dos anos, vamos mudando o que somos, por isso aquilo que for criar vai ser diferente, de certeza. Mas é consistente no ponto em que, como vem tudo de mim, e desta fase, e é um caminho que se vai fazendo, faz tudo muito sentido e acho que, ao nascer, já nasceu com essa força de identidade, porque é pessoal.
Falando sobre o videoclipe do “Milagre”, teve a particularidade de ser gravado na vertical com um telemóvel. Para si é muito importante que a forma como apresenta visualmente a sua música acrescente algo?
Sim, que acrescente e demonstre cada vez mais o que é a minha realidade. Se sei que nas músicas consigo passar isso a 100 por cento, em todas as outras áreas se calhar é um bocadinho mais difícil. Porque não tenho uma visão tão direta… Então preocupo-me, sim, em aproximar cada vez mais as pessoas da minha realidade em tudo o que isto envolve, não só a música. Tem sido muito fixe trabalhar com as manas, a Joana e a Ana, que são mulheres e gosto muito de gravar estes videoclips porque de repente estou só rodeada de mulheres fantásticas [risos], que têm pulso firme e estão a lutar pela sua arte. Mais do que o produto final, é lindo de se viver. E quero que isso também passe um pouco para quem o vê.
É muito diferente fazer um videoclipe com mulheres à sua volta ou com homens?
Sim… Já fiz um videoclipe com um homem, o Zimmermann, e foi incrível, excelente, adorei o trabalho dele. Mas preocupa-me trazer mulheres para esta área. Por exemplo, quando trabalho em estúdio a maior parte são homens. E os técnicos, na estrada, a maior parte das pessoas que trabalham neste meio são homens. Por isso, todas as mulheres que puder trazer para ao pé de mim vou trazer. Tem sempre outro gosto porque sou mulher e orgulho-me de ter uma equipa de mulheres.
Esta trilogia vai funcionar como um projeto à parte ou estes temas haverão de entrar num futuro disco?
Não, será à parte. Ainda temos músicas para lançar. Vou pensar no disco no final do próximo verão, quando começarmos a trabalhar nele. Até lá vamos partilhar as canções que temos feito neste tempo todo porque a vida tem sempre alguma coisa para nos dizer e por isso temos feito canções novas. Mas quero partilhá-las e depois trabalhar no álbum mesmo como uma peça a solo. Que comecemos mesmo do princípio. Não quero trazer coisas do passado. Quando for para começar, que seja sem nada, num vazio completo.

Disse que as músicas vêm muito de si, das suas emoções, daquilo que sente, daquilo que deseja expressar. Isso faz com que, à medida que vai vivendo sente a necessidade de converter essas experiências em música? É algo que está sempre a acontecer?
Às vezes, acumulo vida. Estou muitas vezes em estúdio, mas nem sempre estamos a trabalhar em canções novas, e acho que isso é bom porque acumulo sentimentos e quando vou para estúdio descubro sobre o que quero falar e está tudo lá. Como já pensei sobre isso, já vivi, já revivi, já chorei e ri sobre esse assunto, faz com que quando me permito falar sobre ele, está tudo lá. Está lá a história para contar. E assim nasce a canção.
Vai fazendo pequenos apontamentos no dia a dia que depois se podem tornar letras de músicas?
Faço isso, tenho as notas cheias, e o gravador de voz do telemóvel cheio de ideias, mas nunca as uso. Porque gosto de ir para estúdio e perceber o que vem dali, naquele dia. Se fizer uma música hoje, não vai ser igual à que fizer amanhã, mesmo que seja sobre o mesmo assunto. Por isso gosto de me dar a mim própria essa possibilidade de perceber o que vai nascer hoje.
Vai atuar no Hard Club, no Porto; e no Capitólio, em Lisboa. São salas grandes para alguém que lançou o primeiro single em 2019. Como vê o seu progresso? Estava à espera que fosse com esta velocidade?
Não pensava sequer neste progresso nem no que poderia ser, mas de repente juntaram-se a mim profissionais incríveis que fazem isto ser possível. E a isso também se juntaram pessoas que me ouvem e que gostam de me ouvir e dividem a dor comigo e multiplicam o amor comigo. Isto tem sido muito bonito de viver, estou muito ansiosa para estes concertos. Vai ser a oportunidade de poder mostrar mais do meu mundo… A minha necessidade de querer que as pessoas vejam tudo o que faço. Andei numa escola de circo e de dança, e por isso quero começar a trazer estas vertentes para os palcos — e precisamos de palcos grandes para fazer isso. E fazer destes concertos um espaço em que as pessoas possam sentir, dançar, chorar e abraçar-nos com empatia e paixão para sairmos daqui mais felizes.
Pode desvendar algo mais sobre essa componente mais performativa dos espetáculos?
Então, vão conhecer uma Jüra que se mexe, que se expressa corporalmente. Porque isso também teve muito impacto na minha vida e foi uma altura muito importante que desenvolveu… Foi todo um caminho que me trouxe aqui e por isso quero voltar um bocadinho atrás para que as pessoas vejam de onde vim e o que se vai criar agora.
Uma característica sua que muitas pessoas notam, sobretudo se a seguirem nas redes sociais, por exemplo, é que junta as palavras quando escreve. De onde é que isso veio?
Isto começou no Chapitô. Veio tudo muito de trás e nunca foi premeditado. Comecei a escrever tudo junto — não é exatamente tudo junto, isto tem uma ciência, só que é a minha [risos]. Junto as palavras da forma como falo. Por isso, como algumas sílabas e separo. Uso pontos de finais porque não gosto muito de vírgulas. É a mania de que posso fazer tudo. Isto nasceu da liberdade que me deram no Chapitô e das portas que me abriram para o mundo inteiro e para a vida, de que podemos fazer tudo criativamente. Por isso comecei a escrever assim, fez-me todo o sentido. Acho que as pessoas estranharam um bocadinho no início mas já começam a compreender.