Príncipes, empresários e multimilionários estavam entre os cerca de 200 convidados que, na passagem de ano de 2019 para 2020, assistiram à atuação de Mariana Guerra, num hotel de sete estrelas no Dubai. A cantora trocou as ruas do Porto por um dos destinos mais exclusivos do mundo e guarda a memória com entusiasmo. “Foi a melhor experiência da minha vida”, recorda em conversa com a NiT.
O convite teve origem num casal francês a viver nos Emirados Árabes Unidos, que procurava uma intérprete para um espetáculo especial durante um jantar de réveillon. Mariana hesitou. A proposta parecia demasiado boa para ser verdade. Ainda assim, aceitou o desafio. Partiu sozinha para o Dubai, enquanto em Portugal a preocupação tomava conta da família. “Ninguém sabia se eu estava bem e a minha mãe estava muito nervosa, mas correu tudo bem e voltei lá dois anos depois.”
Mariana Guerra tem 28 anos e é natural de Ermesinde, no Porto. Começou a cantar nas ruas em outubro de 2019, depois de um incentivo da amiga Carolina de Deus, também cantora e artista de rua. A sua primeira atuação foi na Ribeira e, confessa, foi um sucesso. “Já cantava em restaurantes e em eventos, mas trabalhava muito e ganhava pouco. Ela ajudou-me a perceber que isto tinha saída e pareceu-me fazer todo o sentido.”
Com uma coluna oferecida pela mãe, começou a atuar regularmente nas zonas mais movimentadas do Porto e rapidamente conquistou uma legião de seguidores. No Instagram soma mais de 140 mil, no TikTok ultrapassa os 94 mil, e já dividiu o palco com nomes como os D’ZRT e Buba Espinho.
@marianaguerramusic obrigada por terem tornado o meu dia ainda mais especial 🎂🥹⭐️ #cantar #cover #musica #fy #fyp #porto #voice #stacatarina
Apesar do reconhecimento atual, o início do percurso foi difícil. A ideia de seguir a música surgiu durante a universidade, numa fase de “muita incerteza pessoal”. Estudava Comunicação na Universidade Lusófona e tinha dois empregos para pagar as propinas. Pouco tempo sobrava para cantar. “Estava a tentar arranjar forma de explicar aos meus pais que não era feliz. Apesar de ter grandes amizades, tinha dois trabalhos para pagar os estudos”, recorda.
A decisão de abandonar o curso foi acompanhada por dúvidas e receios. Mariana sentiu que desiludia o pais, por “serem mais velhos e de ninguém na família estar no mundo das artes”. Não viam a música como uma carreira estável. “A minha irmã era administrativa, estudava e tinha a família dela, mas eu não me via a ter um trabalho das 8 às 17.” Apesar disso, sempre teve liberdade para escolher o seu caminho, desde que tivesse um plano B: os estudos.
Em outubro de 2019, começou a dedicar-se exclusivamente à música de rua. A rotina está bem definida: chega cedo, avalia o ambiente, fala com os lojistas da zona e, se estiver outro artista a atuar, espera a sua vez. “Atualmente, já conheço as pessoas todas que lá trabalham.”
Nem tudo são momentos felizes. Estar na rua implica exposição constante e algumas situações delicadas. “Já chamaram a polícia duas vezes. Numa delas, os agentes até me pediram desculpa por me mandarem parar.” Uma das queixas surgiu por causa do volume da coluna. “Bastava ter dado dois passos e ter-me pedido para baixar o som em vez de chamar a polícia.”
Também já tentaram roubar-lhe o dinheiro, mas contou com a ajuda de quem estava por perto. “Tenho sempre experiências incríveis, mas também estou sujeita a que isto aconteça.”
Houve ainda problemas com outros artistas de rua. Mariana pensava que todos a recebiam bem, mas descobriu que nem sempre era o caso. “Eles até me pediam para tocar mais, mas depois conheci um rapaz que disse que eles não gostavam de mim porque achavam que eu só ia para lá fazer vídeos e ganhar seguidores”, lamenta. “Eles tinham uma vida boémia e começavam a beber às 11 horas. Eu realmente levava aquilo a sério.” E continua a levar.
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Mariana admite que nunca foi “aquela criança que começou a cantar desde pequena”. Tinha vontade, mas faltava-lhe coragem. Só aos 16 anos começou a cantar à frente da família, depois de descobrirem um vídeo antigo numa câmara fotográfica. “Nem acreditavam que era eu. Fui perdendo a vergonha, mas foi apenas quatro anos depois que consegui começar a apresentar-me ao público.”
Nas atuações no Porto, há temas que nunca ficam de fora: “Halo”, “When I Was Your Man”, “Rise Up”, “Shallow”, “Creep”, “Bohemian Rhapsody”, “Always Remember Us This Way” e “Para Os Braços Da Minha Mãe”. Por enquanto, o repertório ainda não inclui canções originais, mas Mariana já está a trabalhar nisso.
“Espero que seja em 2025, porque já há dois anos que ando a dizer isto”, brinca. As referências incluem Beyoncé, Jessie J, Coldplay, Billie Eilish, Tate McRae e Raye. Eespera lançar pelo menos duas canções este ano. “Estou farta de cantar músicas dos outros.”
Os próximos meses serão importantes. “Ando a preparar-me muito bem e estou a escrever sobre momentos difíceis da minha vida, o que pode parecer masoquismo, mas sei que para ter sucesso tenho de ser verdadeira. Já me estou a preparar psicologicamente.”
Até lá, vai continuar nas ruas do Porto. “Posso estar a ter um dia mau, mas saio sempre de lá com o coração cheio.”