Estava desaparecido há dois dias quando Sinead O’Connor deu, ela própria, as más notícias através do Twitter este sábado, 8 de janeiro. “O meu lindo filho, Nevi’im Nesta Ali Shane O’Connor, a luz da minha vida, decidiu hoje pôr fim à sua luta terrena e está agora com Deus.”
Shane, filho da artista irlandesa que agora se identifica pelo nome islâmico de Shuhada’ Sadaqat, tinha 17 anos e um historial de depressão. Estava inclusivamente sob vigilância estatal, já que havia receios de que pudesse cometer suicídio.
Shane terá escapado à vigilância, sendo que os detalhes da fuga não foram ainda divulgados, mas aparentemente terá sido o responsável pela própria morte. O jovem de 17 estava nas mãos do Estado e O’Connor não esteve com meias medidas: lançou-se ao ataque.
Os avisos começaram dois dias antes da confirmação da morte de Shane, com a artista a apontar o dedo ao hospital de Dublin onde o filho estaria internado, depois de duas tentativas de suicídio.
“Quero saber porque é que Lynn Ward do hospital Taillight, que deveria supervisionar o meu filho 24 horas por dia, conseguiu deixá-lo fugir esta manhã, sete dias depois de ter feito duas tentativas graves de suicídio”, escreveu quinta-feira, 6 de janeiro.
“Como é que um jovem de 17 anos, traumatizado, que estava na vigilância de suicídio, consegue fugir? O hospital recusa qualquer responsabilidade. Se algo acontece ao meu filho quando está à sua guarda? [Levam com] processos.”
Os piores receios viriam a confirmar-se e O’Connor voltou ao ataque no próprio dia em que partilhou a notícia da morte do filho: “26 horas depois de o meu filho morrer ao cuidado do Estado irlandês (…) estou ainda por receber um contacto da instituição ou dos seus representantes”, afirmou, antes de partir para críticas mais violentas.
“A Tusla [instituição estatal de assistência social] e o HSE [o serviço nacional de saúde irlandês] emitiram um comunicado desonesto. Um chorrilho de mentiras e recusas de aceitar a responsabilidade. Cobertos, como sempre, pela omnipotente e falsa preocupação que dizem ter pela privacidade das crianças que morrem à sua guarda.”
Acusa o Estado irlandês de ser “ignorante, maléfico, egoísta e mentiroso” e de ter “permitido e facilitado a sua morte”. “Adivinhem onde é que o meu filho aprendeu a fazer o nó que o enforcou? Tentou fazê-lo há uma semana e questionei-o. Disse-me que viu tudo no computador da ala de crianças do hospital psiquiátrico. Isto enquanto estava a ser tratado às psicoses”, escreveu.
Ao longo dos últimos dias e apesar de ter revelado que iria tirar “algum tempo privado para fazer o luto”, O’Connor tem revelado mais detalhes do drama vivido pelo filho nos últimos meses.
“Há um mês, quando o Shane foi trazido pelo CAMHS [serviços do Estado dedicados às doenças mentais de adolescentes] depois de desaparecer e ter deixado uma nota de suicídio com detalhes para o seu próprio funeral, deram-lhe alta. Disseram que não tencionava suicidar-se. Quando o adulto que o acompanhava colocou objeções à alta, foi-lhe dito que ‘planear um funeral não é muito diferente de planear um casamento’.”
Entretanto, começaram a surgir críticas direcionadas a O’Connor e a artista não lhes fugiu. “Para vossa informação, desenganem-se se acham que não estou ciente de que falhei ao meu filho, tal como o fizeram a Tusla, o HSE e o Estado irlandês. Bem como todos os que estavam presentes na vida dele e cujos nomes nunca irei revelar. Todos nós sabemos quem somos. Todos falhamos. Bem-vindos à Irlanda.”
Shane era um dos quatro filhos de Sinead O’Connor, o seu terceiro, fruto do casamento com o músico Donal Lunny. Teve sempre uma vida problemática e a mãe nunca se coibiu de revelar publicamente os seus problemas.
Fê-lo há quase um ano, em fevereiro de 2021, quando recorreu às redes sociais para pedir que os seus fãs rezassem pelo seu filho, que estava em parte incerta. “Guardem algumas orações para o meu filho Shane. A luz da minha vida”, escreveu, antes de partilhar uma enigmática frase: “Um dia horrendo e infernal”.
Esta não foi sequer a primeira fuga de Shane, que desapareceu em 2019, tinha apenas 14 anos. “O meu doce filho de 14 anos tem desaparecido muitas vezes. Está atualmente desaparecido há dois dias”, revelou então a mãe. Acabaria por ser encontrado três dias depois do alerta.
Sinead O’Connor tem sido ela própria uma figura problemática ao longo dos anos, depois de ter entrado de rompante no mundo da música em 1990 com o tema “Nothing Compares 2 U”, escrito por Prince e interpretado pela irlandesa, que se tornou instantaneamente numa estrela internacional.
O seu look invulgar, com a cabeça rapada, roupa estranha e ar zangado renderam-lhe a fama de outsider, que confirmou quando protagonizou, em direto na televisão, uma cena controversa que muitos dizem ter sido responsável por arruinar a sua carreira.
Convidada para atuar no “Saturday Night Live”, O’Connor terminou a performance a puxar de uma fotografia do Papa João Paulo II, que rasgou frente às câmaras. Cantava uma versão de “War”, de Bob Marley, que concluiu com um pedido: “Combatam o verdadeiro inimigo.”
Contrariamente ao que costuma acontecer, o fim da atuação foi recebido com um silêncio total por parte da plateia. Não se ouviu um único aplauso. O choque alastrou-se e, segundo a própria, o seu agente fugiu e desligou o telefone durante os três dias seguintes.
O polémico rasgar da fotografia fez manchete em todo o mundo e abalou a carreira da irlandesa, que só anos mais tarde se justificou. “Nós [na Irlanda] já sabíamos, dez anos antes de vocês [americanos] descobrirem os abusos sexuais cometidos pela Igreja Católica. Tínhamos provas”, confessou no programa do Dr. Phil.
“A fotografia esteve pendurada no quarto da minha mãe toda a sua vida. Estava genuinamente zangada com o que a Igreja estava a fazer. Ao rasgar essa foto, arrisquei a minha carreira, arrisquei tudo. Podia ter sido bilionária, se quisesse.”
Abordou novamente o tema em 2001, no seu livro “Rememberings”, onde também revelou que o gesto polémico estava a ser planeado há várias semanas. “A minha intenção foi sempre a de destruir a fotografia do Papa. Representava as mentiras, os mentirosos, os abusos (…) Só não sabia onde ou quando o iria fazer, mas sabia que chegaria o momento certo e decidi fazê-lo nessa noite. Sabia que se o fizesse, haveria uma guerra, mas não quis saber. Conhecia as escrituras. Nada me podia tocar. Rejeitava o mundo.”
Nem toda a gente aceitou o gesto e, segundo a própria, os meses e anos que se seguiram foram “traumatizantes”. “De repente, todos passaram achar que me podiam tratar como se fosse uma cabra maluca.”
O’Connor teve uma infância difícil, entre abusos e episódios de internamentos em várias instituições e detenções por roubo. Refugiou-se na música, mas viveu uma carreira cheia de polémicas. Foi banida de diversas rádios americanas depois de ter rejeitado que o hino fosse tocado antes de um dos seus concertos.
Em 1991, conquistou o Grammy para Melhor Disco Alternativo, mas decidiu boicotar a cerimónia, por a considerar demasiado “comercial”. Os anos que se seguiram foram ainda mais dramáticos. Tornou-se numa figura odiada depois da controvérsia com a foto do Papa, mais tarde anunciou que se tornou sacerdotisa e, em 2000, revelou ser homossexual. Em 2005 voltou a falar publicamente sobre a sua orientação sexual, quando revelou ser “três quartos heterossexual e um quarto gay”.
Já em 2018, anunciou a sua conversão ao islamismo e revelou nova mudança de nome — havia trocado para Magda Davitt um ano antes. O’Connor, atualmente com 55 anos, anunciou então que passaria a ser tratada por Shuhada’ Sadaqat.