Não foi fácil ver os Coldplay ao vivo. Tudo começou há um tempo, não na ilha do sol, mas em frente a um computador, no site da Ticketline. No dia 25 de agosto de 2022 milhares de pessoas tentaram comprar um bilhete (ou vários) para o espetáculo da banda britânica que estava marcado para 17 de maio de 2023, em Coimbra.
Alguns ficaram horas em filas à porta da Fnac. Outros, como eu, tentaram a sua sorte online. Depois de seis horas na expectativa de que chegasse a minha vez, quando a barra amarela indicava que havia apenas 30 pessoas à minha frente, o site foi abaixo. Pensei para mim, “nobody said it was easy”, mas o que verbalizei foi uma lista de palavrões de envergonhar o Bocage.
Segui em frente, cheio de inveja de todos os safadões que tinham conseguido um bilhete, e não voltei a pensar no assunto. No dia seguinte a minha irmã ligou-me, com a maior das tranquilidades, a perguntar se queria bilhetes para os Coldplay. Achei estranho e pouco provável, mas alinhei. “OK, manda vir dois.”
A verdade é que passadas umas horas estavam garantidos os preciosos bilhetes para uma das novas datas que, entretanto, tinha sido acrescentada: domingo, dia 21 de maio de 2023. Fiquei a achar que a minha irmã tinha entrado para a máfia e aproveitou a ocasião para contar à família, mas afinal não. Os bilhetes eram legítimos e tinham sido comprados na bilheteira de um conhecido equipamento cultural lisboeta — que pouca gente se lembrou que também vendia ingressos — cujo nome não vou revelar porque nunca se sabe quando é que os Tokyo Hotel regressam a Portugal e não me voltam a apanhar numa lista de espera da Ticketline.
Já com os bilhetes na mão, fiz o clássico story no Instagram para sambar na cara das invejosas e guardei-os numa gaveta qualquer, até à semana passada — em que me lembrei que os tinha guardado numa gaveta qualquer e não fazia a mínima ideia qual. Após algumas horas de desespero e uma tablete de Memofantes no bucho, lá consegui resolver o mistério e sair da escape room em que, entretanto, se transformou a minha casa.
Não foi fácil ver os Coldplay ao vivo. O Benfica jogava com o Sporting e o dérbi podia ditar o 38.º título para o meu clube, precisamente à mesma hora em que Chris Martin e companhia subiriam ao palco do Estádio Cidade de Coimbra. Não tendo o dom da ubiquidade e querendo muito ver o jogo mas também o concerto, o próximo desafio era tentar trocar os meus dois bilhetes de domingo para sábado.
OLX, Whatsapp, Facebook, Telegram, Classificados XXX do Correio da Manhã, muitos tentaram comprar os meus bilhetes, — infelizmente ninguém quis trocar. E assim, no domingo, lá rumámos a Coimbra, para aquele que seria o último concerto desta tournée em Portugal. Seguindo a sugestão de amigos que tinham ido em dias anteriores, estacionámos a meia hora a pé do recinto para poder evitar congestionamentos na saída e tentar chegar a Lisboa ainda em 2023. Boa dica, esta do Dr. António Costa, não só porque funcionou, como também permitiu dar um passeio pelas margens do rio Mondego e ficar a conhecer uma Coimbra moderna e que tem tanto encanto na hora da despedida como à chegada.
Fomos com tempo e, por isso, na nossa peregrinação pelas ruas da cidade, tentámos escolher um local onde pudéssemos comer qualquer coisa. E, eis senão quando, nos deparámos com a Salatina Pastelaria e Brunch, que se revelou uma agradável surpresa. Estava a contar comer uma bifana gordurosa ou um prego bubblicious (daqueles que ficamos a mastigar meia hora), mas acabámos por partilhar um bagel de salmão e um ovo Benedict de se lhe tirar o chapéu, além de umas sobremesas gostosas, — fundamentais, porque ainda nos esperavam umas belas horas pela frente.
Contentes pelo sucesso do repasto coimbrense, mas também por perceber que já não apanhávamos a atuação da Bárbara Bandeira (calma fãs, não tenho nada contra, só não é para mim), seguimos para o estádio que ficava a poucos metros dali. Depois da primeira barreira de seguranças recebemos a tão falada pulseira de LED que os Coldplay pediam encarecidamente que devolvêssemos no final, já que há muitas pessoas que a levam como “recuerdo”.
Acedemos obviamente ao pedido, mas ainda assim percebo o fascínio. As pessoas adoram coisas grátis, e uma pulseira que fora do recinto do concerto não serve absolutamente para nada é uma pechincha irresistível. E, os tugas então, pelam-se por um bom brinde. O que nós fazemos para ganhar uma merdinha que nunca vamos usar… Uma fita porta-chaves amarela e rosa? Sim, a minha vida não é nada sem isto! Uns óculos escuros de plástico que se usar duas vezes vou ficar com cancro dos olhos? Dá cá! Parece que estamos a juntar mantimentos para o dia do holocausto nuclear.
Há pessoas que, na época dos festivais, nem vão ao supermercado. Não precisam, é só receber e meter no saco: champôs, desodorizantes, preservativos, um filho passado 9 meses porque não usaram os preservativos… (guilty!). Não foi fácil ver os Coldplay ao vivo. Com a pulseira em riste, lá seguimos para a última etapa que era validar o bilhete na porta de entrada do estádio.
Primeiro as senhoras, a Rita entrega ao segurança, a máquina dá sinal verde, “bom concerto”. Logo a seguir o Miguel entrega ao segurança, a máquina dá sinal vermelho, “o seu bilhete deu entrada uma hora atrás”. Expliquei que isso era impossível, na medida em que tinha acabado de chegar e, além disso, há uma hora estava em palco a Bárbara Bandeira e posso garantir que nem obrigado entraria nessa altura (nada contra, a sério, cantou muito bem a “Balada da Despedida” e tudo).
O senhor foi muito simpático e disse que alguns bilhetes físicos da Ticketline deram problemas e que poderia dirigir-me à bilheteira para tentarem resolver o problema. Sendo que aquilo que ouvi foi: “O que tu queres sei eu pá, este bilhete é claramente falso e eu não nasci ontem, por isso, desampara-me a loja e não me chateies mais, ó aldrabão”.
Era isto que eu ouvia na minha cabeça, em eco, durante o percurso de poucos metros até à bilheteira, que pareceu uma eternidade. Estava já a olhar à minha volta para tentar descobrir o melhor tasco para assistir ao Sporting-Benfica, quando a senhora da bilheteira diz: “Isto às vezes dá erro, mas tome lá, agora já vai funcionar”. Não sei quem é a senhora, mas, juro que naquele momento a vi rodeada de uma aura de luz reluzente, enquanto pequenos anjos entoavam cânticos celestiais — mas também podiam ser os No Name Boys, porque ao meu lado estava um senhor a ouvir a TSF no telemóvel.
Disseram-nos: “Desta é que é”. E lá fomos, diretos ao mesmo segurança, só para poder ver a luzinha verde e dizer na cara dele: “Quem é que é aldrabão aqui, ãn, vá, diga lá?” Na verdade, o que lhe disse foi: “Já consegui comprar outro bilhete na candonga, ora veja lá se este funciona”.
Funcionou, e foi assim que entrámos, finalmente, no relvado do estádio, pedimos uma cerveja, escolhemos o nosso spot e deixámo-nos contagiar pelo ambiente familiar. Ao nosso lado estava um grupo de portistas que celebrou efusivamente os dois golos do Sporting com mesma naturalidade e desportivismo que um grupo de benfiquistas connosco gritou “Glo-ri-o-so éselbêêê”, aquando do golo do João Neves. Tudo isto ao mesmo tempo que balões coloridos e confetis voavam sobre as nossas cabeças e as tais pulseiras transformavam o estádio numa árvore de Natal orgânica. Nesse momento, pensei para mim que “Music of the Spheres” não é uma tour de Coldplay, é a Disneyland dos concertos. Uma experiência de partilha e unidade que transcende o gosto, maior ou menor, pela música criada por Chris, Jonny, Guy e Will. Mas sobre isso já toda a gente escreveu.
A seguir, carregue na galeria para ver alguns dos melhores momentos do concerto. E, já agora, leia ainda a opinião do cronista Nuno Bento sobre toda a loucura que se gerou à volta da vinda da banda a Portugal.