Música

Não, o MEO Kalorama não foi um desastre. Mas há coisas a melhorar

A NiT faz o balanço do novo festival. Já há datas para o próximo ano, mas não está confirmado se fica no Parque da Bela Vista.
O MEO Kalorama regressa em 2023.

Três dias e dezenas de concertos depois, chega a hora do balanço. A primeira edição do MEO Kalorama encerrou este sábado, 3 de setembro, no Parque da Bela Vista, em Lisboa. Em geral, podemos dizer que foi um sucesso — o que contradiz muitos daqueles que, nas redes sociais, desacreditavam um festival novo, sem credibilidade firmada, talvez demasiado à boleia de documentários sobre o Fyre Festival e o Woodstock de 1999. Apesar de, claro, haver espaço para diversas melhorias. 

As comparações com o Rock in Rio Lisboa são inevitáveis. No que diz respeito a festivais de música, o Parque da Bela Vista é sinónimo de Rock in Rio. De dois em dois anos, dezenas e dezenas de milhares de pessoas passam por aquele recinto que já se tornou familiar — falta apenas mais um par de anos para o 20.º aniversário.

Por isso, até nos habituarmos à ideia, foi algo estranho experienciar ali outro grande festival de música. Especialmente com moldes tão distintos. Uma das principais diferenças foi a dimensão do recinto. O MEO Kalorama utilizou bastante menos espaço do Parque da Bela Vista, sem toda a área que habitualmente é ocupada pelo palco secundário do Rock in Rio. Isso fez com que fosse um recinto mais curto e bastante mais confortável, sem necessidade de travessias tão longas entre as diferentes zonas do festival.

Por isso mesmo, a capacidade também ficou bastante reduzida — apesar de não terem sido divulgados números oficiais diários, não terão sido ultrapassadas as 40 mil pessoas por dia, um pouco menos de metade da lotação do Rock in Rio Lisboa, que nos dias mais concorridos recebe mais de 80 mil pessoas. Também isso tornou a experiência mais confortável e a circulação mais ágil e menos cansativa.

Nesta primeira edição, o MEO Kalorama contou com três palcos. O Palco MEO, o principal, ficou exatamente no mesmo sítio que o Palco Mundo do Rock in Rio ocupa sempre. Desenhado pelo artista português Aka Corleone, e recheado de cores vivas, diga-se de passagem que era  bastante mais apelativo do que o seu congénere. O terceiro, o Palco Futura, ficou na colina onde este ano o Rock in Rio instalou a sua área dedicada aos chefs — é um local espetacular para concertos menos concorridos.

O mais problemático terá sido mesmo o palco secundário, o Colina, situado na zona ampla em frente do local onde todos os anos o Rock in Rio monta a sua enorme zona VIP. Dada à sua proximidade com o palco principal, inviabilizou que existissem atuações em simultâneo, o que deverá ter sido um grande desafio para definir o alinhamento do festival. Na única ocasião em que se experimentou de facto essa sobreposição, os 2ManyDJs e Tiga tiveram de interromper a sua performance passados poucos minutos porque as condições não eram as melhores enquanto os Kraftwerk tocavam no palco secundário.

Este palco foi instalado numa área desnivelada do Parque da Bela Vista, o que também provocou um efeito estranho junto de quem assistia aos concertos — a visibilidade e a apetência para dançar, por exemplo, foram fortemente influenciadas por isto. Por outro lado, a colina em frente, onde estavam instaladas mesas de refeição junto das bancas de street food, foi um local privilegiado e confortável para se assistir às performances. As condições de som também não foram as melhores neste palco, com muitas vezes a música a soar dispersa, demasiado grave e não muito alta. Muitas pessoas queixaram-se desse problema nas redes sociais ao longo dos últimos dias.

Uma das outras diferenças mais visíveis em relação ao Rock in Rio foi a presença das marcas. Claro que também houve stands promocionais no MEO Kalorama. Mas foi algo muito mais subtil e menos invasivo, sem enormes filas para brindes, estímulos visuais e sonoros de todos os lados, numa explosão caótica de experiências complementares de entretenimento que tornam o evento cada vez mais num parque de diversões e menos num festival de música. Não que isso seja um problema, o Rock in Rio cumpre (e bem) exatamente aquilo a que se propõe fazer. Mas o MEO Kalorama foca-se realmente na música.

Outra questão importante em qualquer festival tem a ver com a quantidade de infraestruturas. Se no primeiro dia, o mais vazio dos três, tudo pareceu correr da melhor forma; no segundo, o único esgotado, verificaram-se enormes filas nas bancas de comida, nos bares e no acesso a algumas casas de banho. Não foi um enorme problema — no Rock in Rio deste ano o drama foi bastante maior — mas talvez fosse benéfico aumentarem deste tipo de serviços. Um ponto muito positivo é que foram instaladas mesas de refeição no Parque da Bela Vista, que tanta falta fizeram no Rock in Rio, onde o único sítio onde as pessoas se podiam sentar para comer uma refeição era mesmo no chão.

Por falar em solo, tal como aconteceu no Rock in Rio deste ano, o MEO Kalorama padeceu de um problema de pó. O relvado outrora verde do Parque da Bela Vista, talvez por causa do período intenso de seca que se vive na Europa, esteve completamente seco — em muitos locais o chão era apenas terra. Isso forma, claro, grandes nuvens de pó que são inconvenientes, originam sujidade e até podem ser algo prejudiciais para a saúde. Talvez seja necessário investir mais nesta componente para futuras edições de eventos no Parque da Bela Vista.

De resto, há que ressalvar a pontualidade irrepreensível de todo o MEO Kalorama — praticamente todos os concertos começaram à hora certa durante três dias. No geral, as performances decorreram sem qualquer problema e a programação coesa foi bem pensada e delineada. O facto de também ser relativamente diversa abre espaço para que outros géneros de música ou tipos de artistas possam atuar numa próxima edição — acreditamos que o Kalorama poderia ter as condições ideais para se aproximar de um Primavera Sound em termos programáticos, apostando em música alternativa diversa e nas grandes tendências, se estivesse disposto a expandir o seu leque.

Em suma, o primeiro MEO Kalorama correu bem. Mesmo que possa ter ficado aquém das expetativas de algumas pessoas, a organização conseguiu mostrar que havia espaço para mais um festival de grande dimensão que se afirmasse como o último do verão em Lisboa. Setembro é um mês de regresso à cidade e o MEO Kalorama encaixou-se bem nessa narrativa. Este ano houve ainda os desafios extras dos inúmeros eventos que aconteceram nos últimos meses, depois de dois anos de pandemia, e o facto de quase todos os portugueses estarem com menos poder de compra. 

Aprendendo com as eventuais falhas e apostando nas melhorias que podem ser implementadas, o MEO Kalorama tem condições para levar uma vida longa e próspera. Mas terá de definir melhor uma identidade — uma vez que é semelhante a diversos festivais que já existem — e encontrar o seu espaço. Tanto conceptual como físico. Isto porque, apesar de regressar a 31 de agosto, 1 e 2 de setembro de 2023, ainda não está confirmado se se irá manter no Parque da Bela Vista. De qualquer forma, está prometido que os bilhetes serão colocados à venda a qualquer instante.

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