Tudo começou em 2013. Avelino Vaz Maia — que todos tratam por Nininho desde pequeno — estava em prisão domiciliária durante um ano e 15 dias, após ter estado envolvido numa rixa entre dois grupos de pessoas numa noite de copos. Como tinha antecedentes criminais, ficou a cumprir uma pena em casa.
O tédio — e também a paixão — levaram-no a explorar a música, que sempre esteve presente na sua vida e à sua volta. Naquele período, decidiu gravar um vídeo a interpretar uma música para enviar à irmã. A irmã passou à prima. A prima gostou tanto que colocou no YouTube.
Sentado no sofá da sala, sem camisola e com uma pulseira eletrónica no tornozelo, Nininho Vaz Maia tocava guitarra enquanto cantava num momento intimista e privado. Chegado ao YouTube, o seu talento começou a atrair cada vez mais fãs — neste momento, passado oito anos, o vídeo soma mais de três milhões de visualizações.
Atualmente, Nininho Vaz Maia é um músico reconhecido e profissional, com uma enorme legião de fãs, cujo primeiro álbum, “Raízes”, foi lançado a 2 de julho. Mistura a tradição cigana e o flamenco com música pop e é um autêntico fenómeno de popularidade nas plataformas digitais.
O seu canal de YouTube, por exemplo, tem 169 mil subscritores — no total, as suas músicas têm mais de 41 milhões de visualizações. O disco tem 11 faixas e todas elas vão ter direito a videoclip. “Bailando” é o mais recente single. “Raízes”, como o título indica, é um cartão de visita — representa a sua essência, com muitos vídeos gravados na sua comunidade e com a família.
À NiT, Nininho Vaz Maia confirma que foi um álbum feito de forma perfecionista e a pensar na sua total profissionalização. “É um disco que decidi fazer para que as pessoas olhassem para mim de forma diferente e que respeitassem mais o meu estilo musical. As pessoas estão a reagir muito bem, porque é algo novo, e a música está tão viciada em Portugal que é bom haver algo fresco.”
O músico explica que procurou ter uma grande diversidade no álbum — e que está sempre disposto a explorar novas sonoridades. “Ainda hoje falei com um rapaz que sacou o álbum e estava em viagem com os filhos e com a mulher a ouvir. E disse que o interessante é mesmo isso: teres um pouco de tudo. Tens músicas mexidas, músicas calmas, um pouco de tudo.”
Contudo, não gosta de dar um rótulo à sua música, que funde vários estilos. “Não me defino, não consigo, e tenho-me adaptado a cada estilo que acontece. Tanto sai uma rumba como uma balada ou algo mais surpreendente. Eu também sou pop: e muito. É o que sair.”
Quem é Nininho Vaz Maia?
Nasceu em 1988 na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Filho de pai cigano (que também se chama Avelino) e de mãe não cigana, cresceu no antigo Bairro da Curraleira, nas Olaias, em Lisboa, e deixou a escola quando tinha 16 anos. Começou a trabalhar em negócios da família.
“Desde novo que trabalhei e sempre tive a ajuda das minhas tias como mães, e sempre trabalhei, sempre fiz alguma coisa. Trabalhei como monitor de jovens, antes disso trabalhei no IKEA — pouco tempo, mas trabalhei nos armazéns —, e comprava e vendia carros.”
Hoje tem uma empresa de táxis com o tio. Nininho nunca foi taxista, apenas gestor — e é um negócio que pretende continuar em paralelo com a música, sobretudo nesta fase tão difícil para o setor dos eventos e das artes, em que os artistas têm poucos concertos para conseguir obter rendimentos.
“Por agora, consigo conjugar as duas vidas [risos]. Sou uma pessoa de arriscar e de investir, agora com cuidado e mais experiência. Depende, claro, mas sou uma pessoa com mente para isso [continuar a ter negócios]. Claro que a música é o meu trabalho, onde vou sempre dar tudo, mas depois claro que podem surgir outros investimentos.”
Se não fosse aquele vídeo partilhado pela prima no YouTube, assume, provavelmente não estaria aqui hoje. “Se não fosse esse vídeo provavelmente não tinha seguido este caminho. Não tinha despertado em mim… A música sempre cantei, não é? Mas não tinha despertado em mim escrever e acreditar que conseguia fazer outra música. Se não fosse o vídeo, essa brincadeira que depois andei a cantar em muitos palcos… Mas sempre em mente que era uma brincadeira, não levava ainda a sério, não conhecia o que era um estúdio. Fazia umas músicas, cantava apenas e escrevia, mas tinha cada vez mais seguidores e pessoas a adorarem-me. Mas ainda era algo muito fechado, claro, era no Alentejo e quem gostava deste estilo musical.”
E acrescenta: “Nunca pensei que ia chegar onde estou e cada vez com mais público e com pessoas a ver-me como um excelente profissional, nunca imaginei. Estar a ser tão respeitado, o meu trabalho estar a ser tão louvado… nunca pensei mesmo”.
“Só em 2019 é que cantei e produzi as minhas músicas e correu muito bem, fiquei muito conhecido, e já com muitos milhões em cada música. E sem ninguém por trás, sem nenhuma label, sem nada, apenas sozinho. E acho que isso tem muito mais sabor. Sem dúvida que fazia falta a Portugal algo inovador, diferente, mas que acaba por ser sempre português. Isso deixa-me feliz. E o meu foco, e cada vez mais, é fazer história fora de Portugal. Não é só no desporto que temos de sentir orgulho. Espero conseguir e vou conseguir.”
Foi esta notoriedade que o levou a ser convidado a participar numa novela da TVI e, mais tarde, a ser jurado do programa “All Together Now”, apresentado por Cristina Ferreira, que terminou recentemente.
A elevação e representação da cultura cigana
Tal como deixou bem claro em “Soy Gitano”, uma das músicas lançadas na primeira fase do seu percurso, Nininho Vaz Maia tem orgulho nas suas raízes ciganas. O seu objetivo na música também passa por desmistificar os preconceitos em relação à comunidade cigana e trazer uma maior abertura.
“É, sem dúvida, uma missão, mas com muito cuidado a cada passo que estou a dar. Sei que já abri muitas portas, que já mudei muitas mentalidades. A minha música acho que já fez mudar muita coisa. Mas não quero estar à frente da minha etnia, da minha cultura. Eu sou eu, e somos pessoas completamente normais, não é esse o meu objetivo, mas sim mudar mentalidades, com a música e a minha forma de ser, que sei que é uma das coisas que as pessoas mais admiram em mim.”
Enquanto músico cigano, e apesar de todo o apoio que tem, já sentiu episódios de discriminação ao longo da sua carreira. Por exemplo, gravou em estúdios que lhe disseram para não usar tanto o estilo de canto cigano. Teve uma atuação marcada para uma discoteca no Porto, cujos bilhetes esgotaram em poucas horas, mas que foi cancelada porque os organizadores tinham receio de que atraísse muito público cigano e que o espaço ficasse mal conotado.
Espanha no horizonte
Além de ser um nome conhecido em Portugal, Nininho Vaz Maia tem a ambição de crescer cada vez mais no nosso país vizinho, Espanha — que tem uma grande ligação à cultura cigana e, claro, ao flamenco. Aliás, a mulher de Nininho, Triana Marin, é espanhola. Juntos têm dois filhos — o rapaz, Cristiano, já participou numa música com o pai, “Gosto de Ti”. Nininho tanto canta em português como em castelhano.
“Espero aos poucos, e agora com o próximo projeto, estar com muito mais força em Espanha. Gostam do meu estilo, da minha forma de cantar. Vai tudo correr bem.”
O seu objetivo máximo é, como diz, “ficar histórico”. “Deixar cada vez mais a minha marca. O meu sonho é exatamente isso. Ficar consagrado em Portugal como um dos maiores artistas para mim era incrível. É trabalhar. Mas a música tem isso: por outras palavras, agora estou na moda. Mas estou com os pés assentes na terra e focado que agora é trabalhar e não parar. Para o que quero conquistar, o ponto é não parar e espremer bem este álbum. Espero que a pandemia me deixe terminar este projeto com concertos, grandes salas que virão, se deus quiser. Quero ser um artista único em Portugal e para isso preciso de trabalhar e valorizar-me.”
Entre o trabalho e a família, nos tempos livres tem um hobby que nunca deixa: o treino.