Quem entra na sede da Everything is New, a promotora do NOS Alive, dificilmente deixa de reparar nas paredes do hall e da sala de reuniões. Há um caixão em miniatura oferecido pelos Metallica e fotos de gente bem conhecida: está lá a Beyoncé, Noel Gallagher, Ben Harper, Leonard Cohen entre muitos outros.
Álvaro Covões, 55 anos, tem um quadro nas costas da sua secretária que faz justiça ao título: um stencil ao estilo do célebre “hope” de Obama, desenhado por Shepard Fairey, onde se lê “The Boss”. A poucas semanas do arranque do NOS Alive’18, a NiT falou com o patrão do festival mais internacional português.
Viu a Eurovisão? O que achou?
Não, não estava cá. Estava no Brasil com a EDP Live bands. Fazemos este concurso em Portugal, Espanha e Brasil, um dos prémios é tocar NOS Alive’18, o outro é gravar um disco por uma editora major. Só no Brasil tivemos 1600 bandas concorrentes, de todos os estados. A final portuguesa é sexta-feira, dia 25 de maio, no LX Factory.
Mas tem opinião sobre a Eurovisão?
[risos] Não tenho… acho que para Portugal foi muito bom, nem que seja por ser um dos programas mais vistos em todo o mundo, acima da audiência do Superball. Fala-se em 200 milhões de lares, o que é muito bom para o País.
E musicalmente, o que acha?
Não assisti a nada, aquilo é muito pop. Mas nunca podemos deixar de referir que passaram por ali grandes nomes, como os ABBA ou a Celine Dion. Isso é incontornável.
Um dos dias do NOS Alive’18 (Pearl Jam) esgotou em dezembro. Alguma vez tinha acontecido tão cedo?
Não, talvez não. O dia dos Pearl Jam esgotou a 5 de dezembro, julgo que nunca tinha acontecido com tanta antecedência. Temos menos de mil bilhetes para o dia 13, o resto está esgotado. E é a 3.º edição consecutiva que esgotamos os bilhetes.
Alguns destes nomes já tinham passado pelo festival, como Pearl Jam, Jack White (na altura com White Stripes). Isso é uma vantagem na hora de negociar?
Curiosamente vieram ambos na primeira edição. Não podemos escolher, não é dizer “vem cá a Portugal fazer uma perninha”. O objetivo é conseguir trazer os artistas que estão na estrada e fazem sentido. A maior parte destas bandas decide fazer uma tour por grandes festivais. Tudo isto começa quando conseguimos posicionar o NOS Alive na rota dos melhores do mundo, onde os artistas querem tocar.
É a terceira vez que traz os Pearl Jam a Portugal.
Por isso é que este festival se chama Alive, por causa da música (“Alive” do “Ten”, primeiro disco dos Pearl Jam). Foram os grandes inspiradores, e os cabeça de cartaz nesse primeiro ano, ao lado de Linkin Park e Beastie Boys, que também se estreavam em Portugal.
Mas não há bandas mais difíceis de trazer do que outras?
A mais difícil será a que custa mais dinheiro.
É esse o critério?
Não, não. Uma banda difícil é, por exemplo, uma que tenha mau feeling com a cidade ou com o País. Já aconteceu ter dificuldades em contratar uma banda – e não vou dizer nomes – porque o baterista tinha apanhado uma intoxicação alimentar no ano anterior. Depois percebemos que nem sequer tinha sido cá em Portugal. E a banda acabou por vir.
E se um artista fica doente na véspera?
É um problema, tem imensas implicações. Um artista quase não pode ficar doente, não é como no futebol que pode ser substituído.
Já lhe aconteceu?
Florence and the Machine cancelou um concerto com uma semana de antecedência. Outra vez uma banda estava a tocar em Espanha e recebi uma mensagem a dizer assim: o baterista foi para o hospital, prepara-te. Tinha enfiado uma baqueta no olho a meio do concerto. Tocou de óculos escuros e ninguém percebeu. Mas foi de coração nas mãos. Uma vez os Deftones vinham da Noruega, o avião teve um problema e teve de voltar para trás. Recebi uma chamada a avisar-me.
De quem?
O Tour Manager, vinham de Oslo, e já não havia ligação para Lisboa. Acabámos por ter de fretar um avião. Chegaram mesmo em cima da hora do espetáculo. Num orçamento de milhões, não é por um avião. Custou uma data de massa, talvez umas dezenas de milhares de euros.
Faz questão de ir cumprimentar os artistas ao camarim?
Não, nada disso. Zero. Não me envolvo a esse nível. Damos espaço. Uma das coisas que os artistas sentem é que em Portugal lhes é dado espaço, ninguém interfere. Conheço festivais onde o backstage é uma confusão, até bar para convidados existe. O nosso parece uma casa de repouso, o espaço é deles e para quem está a trabalhar.
E as bandas nunca vos procuram?
Acontece. Quando trouxemos os Pearl Jam ao Pavilhão Atlântico, na altura ainda se chamava assim, no segundo dia o Eddie Vedder entrou no nosso gabinete de produção e diz-me: “desculpa lá, amanhã tenho um dia de folga em Lisboa, sugeres alguma coisa?”. “Queres ir surfar?”, respondi-lhe. “Are you joking?”. E lá contactamos o surf camp da Ericeira. Os Green Day e os Metallica também ficavam no Estoril para surfar.
A praia é sempre um belo pretexto para quem vem de fora.
Tem a ver com termos começado a vender Lisboa de outra forma. As cidades sempre foram mais coisa de negócios, o destino Portugal era sobretudo praia. Hoje é ao contrário. Mas a capital tem tudo: serra, mar, praia, cidade, história, gastronomia. Em Paris está calor onde é que se dá um mergulho? Isto é uma coisa única.
A Madonna deu uma ajuda.
Já tínhamos muita gente importante a viver cá que nem se sabia. O Philip Starr, por exemplo, que é de outro campeonato. Claro que os artistas gostam de Lisboa. Uma das coisas que melhor resultou no NOS Alive foi quando começámos a promover Lisboa como destino de praia. E quando explicámos que quem viesse ao festival podia ir para a praia de manhã, nadar ou fazer surf. Comecei a sentir isto com os artistas.
Investe muito a promover o NOS Alive no estrangeiro?
Acho que somos a único produto português que faz campanhas no Metro de Londres. Todos os espectáculos vendemos lá fora.
Os Arcade Fire, por exemplo, deram um dos concertos mais elogiados recentemente, no Campo Pequeno. Havia público estrangeiro?
Sim, perto de 800 pessoas.
Gostou do concerto? É uma banda que não lhe deve trazer boas recordações. (em 2009 o Governo obrigou ao cancelamento do espectáculo no MEO Arena devido à Cimeira da NATO, quando os bilhetes já estavam à venda)
Foi o primeiro concerto proibido em Portugal depois do 25 de Abril.
Considera que foi isso?
Claro, o espectáculo já estava marcado e os bilhetes à venda.
Depois, no ano seguinte perdeu os Arcade Fire para o seu rival.
Sim, mas isso teve a ver com datas. Não se perde. Há uma logística, um artista não anda com uma mochila as costas. Anda com cinco camiões atrás e eles têm de chegar. Obedece a uma lógica. Mas não foi simpático. Eu não sou supersticioso mas às vezes acontecem-nos coisas do caraças: tenho um quadro no meu gabinete, uma foto do Coliseu, de um espetáculo, em 1966, em que o artista espanhol terminou o espetáculo a falar sobre o Vietname. Nem sequer foi contra a guerra colonial, mas no dia seguinte foi escoltado pela polícia até a fronteira com Espanha. E não é que no dia em que pendurei o quadro dessa foto foi o mesmo dia em que recebi a carta registada a ser informado de que não ia mesmo haver espetáculo dos Arcade Fire.
Na altura com o Governo de José Sócrates.
Já estava na fase da arrogância.
Por falar nisso, tem seguido a novela do ex-primeiro-ministro?
Não me surpreende. Estamos a vender os anéis todos, a PT, os bancos. E o pior é que somos nós a pagar. Ou seja, qualquer espertalhão percebe que o crime compensa. Vou pedir dinheiro emprestado, não vou pagar e alguém paga, não é? 17 mil milhões que pusemos nos bancos? Onde é que foi parar esse dinheiro?
Trocou uma vida nos mercados financeiros para ser promotor de espectáculos. Porquê?
Porque já trabalhava nos espectáculos. Acabei a tropa em 90, começo nos mercados em dezembro desse ano, e a Música no Coração é fundada em 1991. Portanto, o primeiro Super Bock Super Rock foi em 1995, ainda estava nos mercados. Com Morphine, Young Gods, The Cure, Faith No More. Foi o célebre concerto em que as pessoas viraram as costas aos GNR, não sei bem porquê. Eu adoro os GNR. E o Reininho despede-se a dizer “boa noite, Viseu” [risos].
Os Young Gods vieram a Vilar de Mouros logo no ano seguinte, eram uma banda com muitos fãs em Portugal.
Foi o único Vilar de Mouros que correu bem, com Stone Roses e Madredeus, que foi o último concerto da formação original. Correu bem em termos de pagar as despesas. Lembro-me do Maestro Vitorino de Almeida, numa entrevista na altura ao Expresso, a criticar porque tínhamos transformado aquilo num centro comercial. Ele que até tinha participado nas edições anteriores, nos anos 70, organizado por um médico local, e não perdoou um centavo do seu salário.
Tudo isto começa com o seu trabalho no bar do Coliseu, propriedade da sua família. Era este o seu plano? Quanto tempo esteve a trabalhar no bar?
Comecei a lavar chávenas aos 12 e estive lá até ao segundo ano da faculdade. Não conhecia os artistas mas ouvia muitas conversas. Lembro-me de ouvir o Zeca Afonso, complicado, muito radical de esquerda. E fui uma das três pessoas presentes quando o Secretariado do PS pegou no bar do Coliseu, no congresso do partido, com o Mário Soares à estalada. Vi muita coisa, vê-se muita coisa atrás de um balcão.
Ao fim de 10 anos de NOS Alive para onde é que o festival pode crescer?
O desafio é manter, porque já temos uma dimensão muito grande e não perseguimos objectivos como o Coachella fez, de passar de 80 mil para 110 ou 120 mil pessoas. E isto permite-nos ter outros projectos, realizamos o Festival do Fado todos os anos em dez cidades do mundo, além da programação nas salas portuguesas.
Costuma ter problemas com bilhetes falsos no NOS Alive?
Há uns anos, no dia de Depeche Mode, apareceram-nos 300 estrangeiros com bilhetes falsos comprados na Viago. Viajaram para Portugal com um bilhete inválido e não conseguiram entrar, a lotação estava esgotada. Por muito boa vontade que tivéssemos. Comprar num ponto não oficial acaba por ser sempre um risco. No Google basta escrever NOS Alive para nos aparecer uma série de sites de venda de bilhetes no estrangeiro. As autoridades deviam ir atrás destas plataformas que fazem publicidade de um negócio ilegal. Mas é mais fácil andar atrás do Zé Manel do que do Mr. Smith.
Para saber mais curiosidades de bandas que já passaram pelo festival, carregue na foto da galeria.