Quando Freddie Mercury morreu, em Novembro de 1991, deixou uma fortuna substancial à sua ex-namorada e companheira de vida, Mary Austin. Não só ficou com metade da parte dos Queen que cabia ao artista, como também ficou com a casa em South Kensington (o Garden Lodge), bem como todos os seus pertences. Agora, 32 anos depois do desaparecimento de Freddie, Mary vai vender todo o espólio do artista, numa mega licitação, com mais de 1400 lotes (tão grande que teve que ser dividido em várias partes). O leilão “Freddie Mercury: A World Of His Own” vai decorrer na Sotheby’s, em Londres.
A decisão de vender o espólio do antigo vocalista dos Queen é, na minha opinião, absolutamente trágica. Freddie Mercury é uma figura incontornável do século passado e, com esta venda, o seu filão ficará espalhado por casas de colecionadores em todo o mundo, e os items serão para sempre trancados a sete chaves, longe da vista do público. Um ultraje.
O espólio deveria estar num museu, de preferência no próprio Garden Lodge, onde os fãs de todo o mundo pudessem visitá-lo. Mary Austin ainda vive na antiga casa de Freddie, por isso imagino que tal decisão seria mais difícil. Mas se o objetivo é fazer dinheiro, um pouco de visão teria sugerido um museu que daria um fluxo financeiro estável durante gerações à família de Austin.
Em vez disso, Mary preferiu capitalizar do pico de popularidade e unanimidade que Freddie vive neste momento (e que nunca teve durante vida — quem diria?), e assim gerar dezenas de milhões de libras. E depois? O dinheiro vai para as mãos dos filhos, que podem perder tudo apenas com uma má decisão de investimento. E o espólio de Freddie, esse, esfumar-se-á para sempre. Ficará o Garden Lodge, que deixará de ser o mesmo, despido do legado do Freddie.
O mega leilão irá decorrer em seis partes, sendo que o primeiro grande evento, “The Evening Sale”, terá lugar no dia 6 de setembro. Até lá, a Sotheby’s abriu uma exposição com todos os items no seu edifício em Mayfair, no coração de Londres. Eu, fã para a vida dos Queen que sou, passei lá uma tarde. E tive um sentimento agridoce ao entrar pelas portas do Garden Lodge, transferidas temporariamente para o Sotheby’s (sim, até as portas vão a leilão).
Estava tudo lá. A exposição no Sotheby’s dividia-se em várias salas, cada uma recheada com as diferentes partes da vida e da personalidade de Freddie. Todos sabíamos da sua obsessão pela cultura do Japão, mas só temos a verdadeira noção quando vemos a imensa coleção de arte japonesa e a extensiva decoração, desde utensílios de cozinha, mobiliário e até um piano, tudo do país do sol nascente.

Avançamos para a parte mais interessante, dedicada à música, e é um banquete para a vista. Vemos a famosa coroa e o respetivo manto real que usou no concerto de Wembley em 1986, e em toda a “Magic Tour”. Estamos ao pé dos maiôs mais célebres que Freddie vestiu nos anos 70, incluindo os que usou nos concertos lançados oficialmente, como “Live At The Rainbow ’74”, “A Night At The Odeon” de 1975, ou no concerto de Houston, em 1977 (documentário “American Dream”) — todos os kits completos, incluindo as sabrinas usadas nos concertos.
Para os fãs dos Queen, são constantes os momentos dejà vu, quando vemos os fatos que Freddie usou nos vídeos de “It’s A Hard Life”, “Made In Heaven”, “Headlong”, e até no último de todos, “These Are The Days Of Our Lives”. Mas não são só as roupas de palco e dos vídeos que estão em leilão. Austin também pôs no prego outras roupas de Freddie, das T-shirts mais casuais, a casacos, gravatas, sapatos, sapatilhas — tudo o que vestiu ou calçou. Até a escova do bigode está à venda.
A jóia da coroa, pelo menos para mim, são os manuscritos de Freddie. As letras e os acordes que escreveu, quando compôs originalmente as canções, estão todos lá. De temas de maior nomeada, como “Bohemian Rhapsody”, “Somebody To Love”, e “Don’t Stop Me Now”, a pérolas mais escondidas como “My Melancholy Blues”, ou “You Take My Breath Away” (a melhor composição de sempre de Freddie, na opinião de quem vos escreve). Freddie escrevia no que tinha mais à mão, por isso, vemos as letras gatafunhadas a lápis em listas telefónicas, calendários, ou agendas. Até podemos ver algumas composições abandonadas e letras não usadas. Um deleite.
Os instrumentos que Freddie usava em casa para compor também estarão à venda, incluindo o seu piano Yamaha, onde escreveu “Bohemian Rhapsody”, avaliado em 3 milhões de libras, valor que vai com certeza ser largamente ultrapassado. Outro ponto alto, pessoalmente, foi a reprodução da sala de audição de Freddie, onde ele lia e ouvia música, completa com o sistema de som e a sua coleção de discos. Entre eles, vi várias cópias de prensagens originais dos discos dos Queen em estado imaculado. Uma maravilha.
Esta exposição é a última e única, oportunidade que temos de ver os tesouros que Freddie amealhou durante vida. À data, já visitaram a exposição mais de 60 mil pessoas. A partir de 6 de setembro, acabou.