Em 1990, Nick Cave trocara a Austrália pelo mundo. Acabou por aterrar, nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro, onde conheceu a jornalista Viviane Carneiro, com quem casou e teve o primeiro filho. Luke nasceu em 1991. Dez dias antes, na Austrália, nascera Jethro, filho de uma relação curta de Cave com Beau Lazenby.
Foi de tal forma fugaz que, segundo o músico, as notícias de que teria um segundo filho nunca chegaram até si. Conheceu Luke quando tinha apenas sete anos. “Para meu eterno arrependimento, nunca tive muito contacto com o Jethro nos primeiros anos de idade, mas agora tenho uma ótima relação com ele”, explicou Cave em 2008.
A 6 de maio, o corpo de Jethro Lazenby foi encontrado sem vida num motel em Melbourne. Uma notícia trágica que chega apenas sete anos depois da morte de Arthur, de apenas 15 anos — um dos gémeos de quem foi pai em 2000, fruto da relação com Susie Bick, com quem casou em 1999.
A vida de Jethro foi quase sempre atribulada, envolvido regularmente em problemas legais e de consumo de drogas. A morte aos 32 anos surgiu poucos dias depois de ter sido libertado da prisão, após uma detenção na sequência de uma violenta agressão à mãe.
Foi protagonista de uma carreira de sucesso como modelo adolescente e chegou a viajar pelo mundo. As coisas começaram a correr mal a partir de 2012, altura em que começou a preencher o cadastro criminal com pequenos incidentes: roubos, agressões, consumo de droga.
Longe da vida glamorosa que viveu em Londres, onde chegou a desfilar para a Balenciaga, foi diagnosticado com esquizofrenia. Estava sob fiança quando agrediu a mãe e se viu novamente envolvido em problemas com a polícia.
Mesmo em 2012, já Jethro confessava que não tinha tido uma vida fácil. “Havia todas aquelas merdas com o meu pai, que tinham a ver com viver na sombra dele”, confessou ao “Evening Standard”. “Quando alguém acha que sou apenas um menino riquinho e sortudo, apetece-me estrangulá-los.”
Apesar de ter entrado tarde na vida de Jethro, Nick Cave deixou marcas profundas. O livro preferido do rapaz era “Lolita”, o polémico romance de Vladimir Nabokov, que Cave lhe lia quando tinha apenas 15 anos — e que lhe foi apresentado pelo seu próprio pai, Colin Cave, professor de inglês.

Desde então, a atitude rebelde sobressaía a todos os momentos, sobretudo quando trocou a carreira como modelo por uma breve carreira musical. De falhanço em falhanço, a saúde mental e o vício das drogas levaram-no a um caminho problemático que terminou num decrépito motel nos arredores de Melbourne.
Foi Nick quem teve que fazer o anúncio público da morte do filho. “É com imensa tristeza que confirmo que o meu filho mais velho, Jethro Lazenby, faleceu.” Pai de quatro filhos, conta apenas com dois sobreviventes. A experiência traumática repete-se, então, sete anos depois de ter sido forçado a comunicar a morte de Arthur Cave.
Arthur e Earl nasceram no mesmo dia, gémeos, filhos da relação entre Cave e Susie Bick, que ainda perdura. Os dois mantinham-se na casa de família em Brighton, por contraste com Luke, que haveria de se mudar para o Reino Unido e perseguir uma carreira musical, mas também com Jethro.
A morte de Arthur foi totalmente inesperada. Caiu de um desfiladeiro e sofreu de uma lesão cerebral fatal. A história só se começou a compor nos dias seguintes, à medida que novos detalhes foram sendo descobertos. Arthur estaria sob efeito de LSD, uma droga alucinogénica. Várias testemunhas terão visto o rapaz nas redondezas do desfiladeiro, a cambalear na relva, minutos antes da queda fatal.
A tragédia mudou Cave, cujo trabalho musical passou a ser fortemente influenciado pela morte de Arthur. Um ano depois, o australiano lançava “Skeleton Tree”, o 16.º disco, quase exclusivamente focado no luto e na sua relação com a mulher, Susie Bick. Lançou também um documentário sobre a criação do álbum durante esse período negro — uma forma de evitar entrevistas e de se expor ao público.
O mesmo espírito soturno ensombra os dois discos seguintes, “Ghosteen” e “Carnage”, que versam sobre temas como a perda, a morte, a fé, a raiva e a frustração.
Durante vários anos, Cave manteve-se fechado sobre si mesmo. Sem entrevistas e declarações públicas, o que pensava sobre o assunto era apenas percebido através da sua música. Encontrou, contudo, um pequeno escape: um fórum online criado por si onde interage e conversa com os fãs, o The Red Hand Files.
“Parece-me que se amamos, também enlutamos. É esse o acordo. É esse o pacto. O luto e o amor estão para sempre interligados. O luto é a terrível forma que temos de perceber a profundidade do nosso amor e, tal como o amor, o luto é inegociável”, escreveu em resposta a um fã que também tinha perdido o pai, a irmã e a namorada.
Questionado sobre se comunicava com o filho, Cave abriu-se. “Sinto a presença do meu filho em todo o lado, embora ele possa não estar por cá. Ouço-o a falar comigo, a educar-me, a guiar-me embora ele possa não estar aqui. Ele visita a Susie regularmente, enquanto ela dorme. Fala com ela, conforta-a, embora ele possa não estar realmente lá.”

Ao longo dos últimos anos, Cave nunca se esquivou a debater o tema com os fãs. Chegou inclusivamente a falar sobre possíveis sinais do filho após a morte.
“Dois dias depois do nosso filho morrer, eu e a Susie fomos ao desfiladeiro de onde ele caiu”, escreveu. “Quando o Arthur era uma criança pequena, estava sempre, sempre atrás de joaninhas, tinha uma fixação por elas. Adorava-as, desenhava-as, identificava-se com elas. Estava sempre a falar nelas.”
“Enquanto estávamos lá sentados, uma joaninha aterrou na mão da Susie. Ambos a vimos, mas nada dissemos, porque apesar de reconhecermos o seu triste significado, não queríamos menorizar a enormidade da tragédia com uma qualquer ideia de magia sentimentalista. Mas, então, éramos novatos nisto do luto.”
“Desde então”, confessou, “vemos joaninhas por todo o lado”. “Quando o Warren Ellis [da sua banda] e eu estávamos a trabalhar no último disco, uma praga de joaninhas invadiu o estúdio.”
“Não sei o que pensar desse fenómeno, mas sempre que vejo uma joaninha, sinto um abalo de reconhecimento de que algo está a acontecer e de que vai muito além da minha compreensão — mesmo que seja, com toda a probabilidade, apenas o facto de se tratar da época das joaninhas.”
Arthur foi sepultado a poucos minutos da casa da família, em Brighton. Uma proximidade que se tornou rapidamente insuportável — e que levou Cave a decidir mudar-se definitivamente para Los Angeles. “Perdi cerca de um ano, mais ou menos, altura em que fizemos seis bandas sonoras de seguida, no pequeno estúdio de Ovingdean, que tem vista para a igreja onde o Arthur está sepultado”, revelou em 2020.
Confessou igualmente que o tema “Heart That Kills You”, escrita depois da morte de Arthur, explica a tristeza imensa que levou a família a deixar Brighton e a mudar-se para Los Angeles. “Acabámos por regressar, assim que percebemos que, onde quer que vivêssemos, nos limitaríamos a levar connosco a tristeza.”
“Por estes dias, passamos muito do nosso tempo em Londres, numa pequena e secreta casa cor de rosa, onde somos em grande parte felizes”, explicou em novembro de 2021, seis meses antes da chegada da notícia da morte de mais um filho.
Uma vida trágica
Não se pode dizer que Nick Cave seja alheio à tragédia. Enfrentou-a pela primeira vez aos 19 anos, quando o seu pai morreu num desastre de viação. Um incidente que, confessou, ocorreu numa altura da sua vida em que estava “muito confuso”. “A perda do meu pai criou um vácuo na minha vida, um espaço no qual as minhas palavras começaram a flutuar, a juntar-se e a encontrar o seu propósito.”
Discreto, optou sempre por esquivar-se a perguntas dos jornalistas sobre o tema. “Vão ao Google”, retorquia sempre que a conversa abordava a infância e a morte do seu pai.
Acabaria por formar uma banda, os Birthday Party, com quem se mudou para o Reino Unido em busca da fama, apenas para a ver desmembrar-se aos poucos. Cave teria alguma culpa nesse desastre.
Viciado em heroína, tornou-se numa persona non grata entre os membros da banda, que o recordavam como “um tipo psicótico, viciado em droga e com delírios de grandeza”.
Sobre as drogas, falaria anos mais tarde, também nos diálogos com os fãs. Apesar de ter confessado que largar o vício lhe matou a criatividade durante meio ano, refere que recorrer às reuniões dos Narcóticos Anónimos (NA) lhe salvou a vida.
“Percebo que resistam à ideia [de recorrer aos NA]. Eu também era assim. No meu coração, eu nunca o entendi — nunca senti a ligação com os NA que outras pessoas pareciam sentir. Sempre me pareceu uma ideia estranha, sempre me senti um estranho a olhar para dentro. Nunca me comprometi a sério”, disse. “Contudo, acho que é justo dizer que se não fossem os NA, provavelmente não teria sobrevivido ao meu vício da heroína.”