Música

Os Coldplay vieram a Coimbra oferecer uma experiência e fazer novos amigos

A banda britânica já deu o primeiro de quatro concertos. Foi uma estreia em alta da tour "Music of the Spheres" na Europa.
Uma estreia memorável em Coimbra.

É assim que fazemos novos amigos.” Não foi com esta frase que Chris Martin começou o concerto desta quarta-feira à noite, 17 de maio, no Estádio Cidade de Coimbra, mas podia ter sido. Os Coldplay já estavam em palco há uns bons 45 minutos (o espetáculo arrancou poucos minutos antes das 21h30 e acabou duas horas depois) — e muita coisa já tinha acontecido — quando o vocalista a pronunciou.

Ouvia-se “Yellow”, as mais de 50 mil vozes do público cantavam em uníssono (Look at stars/ Look how they shine for you), as pulseiras iluminadas de amarelo reluziam no escuro, os olhos de milhares brilhavam. O cenário era — literalmente — dourado, as emoções estavam no auge e Chris resolveu pôr metade do estádio a cantar para a outra metade: “Vocês, que estão aqui na frente, virem-se de costas, para quem está no fundo, e cantem para eles ‘look how they shine for you'”. Afinal, “é assim que fazemos novos amigos”.

Pouco antes, Martin fez um amigo para a vida, o Lourenço. O fã que erguia um sonho em forma de cartaz na plateia: tocar ao piano “The Hardest Part” com a sua banda favorita. Chris mandou-o subir ao palco e fez-lhe a vontade. E não, esta não foi a parte mais difícil. Se há coisa que o espectáculo não teve foi dificuldade: tudo fluía com a cadência de um motor com muita estrada.

Os londrinos andam nisto há mais de 20 anos, e sabem muitíssimo bem o que fazem. Goste-se ou não (incluindo os muitos que adoram odiar), fazem canções pop que se colam aos ouvidos de todos por uma razão. Quem não se lembra do “elogio” de Bono Vox ao génio de Chris Martin? Recapitulando, para quem ainda não seguia as tricas e trocas de galhardetes entre figuras da brit pop. Corria o ano de 2009, os U2 estavam prestes a lançar o álbum “No Line On The Horizon”, e numa entrevista à BBC Radio a propósito da promoção do disco, um Vox ligeiramente despeitado (para dizer o mínimo) lá reconheceu o talento do vocalista dos Coldplay.

“É um bom melodista, mas é um idiota [sendo que não foi exatamente esta a palavra que usou, mas um palavrão]”, respondeu Bono quando questionado se Martin era tão talentoso como Paul McCartney. A resposta chocou os locutores do programa, que o convidaram imediatamente a retratar-se, e o que disse a seguir foi ao melhor estilo “pior a emenda que o soneto”.

“Ele [Martin], é obviamente um personagem completamente disfuncional e um cretino, mas é um grande melodista e está lá em cima com Ray Davis, Noel Gallagher e Paul McCartney”, acrescentou. Na altura, as redes sociais ainda andavam a discutir fotos de gatinhos e a indignação não atingiu as proporções que, certamente, teria atingido nos dias que correm. Bom, mas deixemos o passado lá no sítio dele — até porque Bono acabou por voltar a pedir desculpa, mais tarde fizeram as “pazes” publicamente, e depois disso já cantaram juntos muitas vezes. Voltemos a Coimbra e “à melhor experiência” — uma das palavras da noite.

Os Coldplay não têm só experiência, oferecem “uma experiência”. O que aconteceu em Coimbra não foi (só) um desfile de hits melodiosos (como diria Bono, lá está) de uma banda que os sabe fazer como ninguém. E também não foi (apenas) um espectáculo interativo que deixou os fãs em êxtase. A estreia nacional da digressão “Music of the Spheres”, que arrancou em março de 2022, na Costa Rica, foi uma experiência imersiva — em todos os sentidos. 

Houve de tudo: mensagens em defesa da sustentabilidade e do amor neste “mundo assustador em que vivemos”; confettis, pulseiras com luzes LED de todas as cores, esferas coloridas, foguetes, painéis cinéticos — e muitos apelos para “estarmos verdadeiramente juntos, partilhando um momento bom”.

“Esta é a nossa melhor experiência em Portugal até hoje”, disse Martin. Deles e do público também. Sim, porque a maioria ia em busca de muito mais do que um best of tocado ao vivo ou de um momento bem-passado. Queriam sentir, efetivamente, que participavam de um ritual peculiar, — do qual já haviam visto muitas imagens nas redes sociais, claro — grandioso, cheio de tecnologia (e, por isso mesmo, caro). E não ficaram desiludidos.

Chris Martin é um verdadeiro — e muito generoso — showman. Com estamina para dar e vender ao longo de 120 minutos, dirigiu o alinhamento com mestria, provocando um verdadeiro carrossel de emoções no público. Um exemplo? Com todos lá no alto, num “Sky Full of Stars”, cantado a plenos pulmões, Martin travou a fundo, à beira do precipício. Uns longos segundos de silêncio depois, pediu: “Vamos lá fazer isto outra vez, com uma mão no ar, não, com as duas mãos no ar e o telemóvel no bolso. Só numa canção, para estarmos aqui como grupo, todos juntos”. O que seguiu foi uma queda bem profunda no poço das emoções: o público obedeceu e, por segundos, todo o estádio vibrou no mesmo comprimento de onda.

Este foi o momento mais nostálgico da noite, com Martin a recordar a primeira vez que tocou em Portugal, há 23 anos: “Num festival que já não me lembro o nome [foi em Paredes de Coura]” onde “Don’t Panic” também entrou no alinhamento. Ninguém entrou em pânico, afinal, estavam nas mãos de um timoneiro experiente.

O cantor, de 46 anos, foi alternando explosões de energia, — como a dose que colocou em “Higher Power”, logo a abrir, — com momentos mais calmos, com canções como “The Scientist” que, inevitavelmente, evocaram as recordações mais sensíveis das 52 mil almas presentes.

“Nobody said it was easy”, entoavam — mas foi. Ou, pelo menos, o quarteto fez tudo (incluindo a sincronização de toda a parafernália tecnológica que um cenário tão rico em efeitos visuais exige) parecer muito fácil. Das muitas frases em português de Martin, a um dos momentos altos desta primeira noite na cidade: quando interpretou à guitarra uma versão da “Balada da Despedida”, no minúsculo palco instalado em frente à bancada sul.

O fim (do show) estava próximo e no segundo round do refrão, as vozes emocionadas do público abafaram a de Martin, que as deixou reverberar pelo recinto, sem se sobrepor. Já tinha mudado de figurino, mas a T-shirt que vestiu na primeira parte, com a frase “Everyone is an alien somewhere”, ganhou (ainda) mais sentido naquele momento. 

Dali até ao adeus final (sem direito a encore), foi uma corrida. Literalmente, porque Martin correu para a outra ponta do estádio, para o palco principal, para se despedir devidamente, e à sua maneira. Recordou-nos que “We’re only human / But from another planet / Still they call us humankind” e saiu de cena deixando um apelo — mais um — atrás de si.

“Belive in love”, leu-se no painel gigante atrás da banda composta por Martin, Guy Berryman, William Champion e Jonny Buckland. Antes da saída, vénias, muitas vénias ao público. Um adeus para uns, até já para outros. Afinal, a dose irá repetir-se esta noite, 18, sábado e domingo (20 e 21).

A seguir, carregue na galeria para ver alguns dos melhores momentos do concerto.

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