Na manhã desta terça-feira, 16 de fevereiro, a polícia espanhola entrou na reitoria da Universidade de Lérida para prender o rapper Pablo Rivadulla Duró, que assina os seus trabalhos artísticos como Pablo Hasél. O músico foi condenado a nove meses de prisão por injúrias à monarquia e por glorificação de terrorismo. Ao mesmo tempo está a tornar-se um símbolo pela liberdade de expressão numa Espanha dividida.
Pablo Hasél tinha até sexta-feira, dia 12, para se entregar às autoridades. Mas garantiu no Twitter que não o iria fazer. “Seria uma humilhação indigna ir pelo meu próprio pé perante uma sentença tão injusta. Terão que vir sequestrar-me. Ainda falta solidariedade para travar este ataque tão grave às nossas liberdades.” Assim, barricou-se com dezenas de ativistas naquela universidade.
Os atos pelo qual foi condenado foram cometidos entre 2014 e 2016 — em causa estão 64 tweets e uma canção que está disponível no YouTube. A publicação que terá sido considerada mais grave incluía uma fotografia de um membro do grupo político terrorista Grapo. “As manifestações são necessárias, mas não suficientes. Apoiemos aqueles que foram mais longe”, escreveu o rapper.
Outros tweets incluíam referências ao rei emérito Juan Carlos, a quem Pablo Hasél chamou de “chefe da máfia”. O músico foi condenado em 2018 a dois anos de prisão por isto — sendo que a pena foi depois reduzida para os atuais nove meses, com a justificação de que as suas mensagens “não representavam perigo real”. Em maio de 2020, o supremo tribunal confirmou a decisão — e o prazo para Pablo Hasél se entregar terminou agora.
No início de fevereiro, o rapper já tinha dito que não iria pedir nenhum indulto e descartou a hipótese de rumar ao exílio. “Se o que procuram é silenciar a mensagem e que outros não a reproduzam, prenderem-me vai resultar no oposto e pode ser mais útil para a causa do que estar exilado.”
O independentismo da Catalunha é uma corrente forte, que se tem expressado nos últimos anos pela classe política local e pelos cidadãos nas ruas. Nos últimos tempos, várias personalidades de toda a Espanha demonstraram a sua solidariedade para com Pablo Hasél — ainda que seja uma questão fraturante e que divide a opinião pública no país.
Así ha sido el momento de la detención de Pablo Hasel en la Universidad de Lleidapic.twitter.com/iqMoxrByMS
— El HuffPost (@ElHuffPost) February 16, 2021
Centenas de figuras do meio cultural espanhol, entre as quais o ator Javier Bardem; as estrelas de “La Casa de Papel” Álvaro Morte, Alba Flores e Itziar Ituño; e o realizador Pedro Almodóvar, assinaram um manifesto onde defendiam a liberdade do rapper.
“O estado espanhol passou a encabeçar a lista de países que mais artistas condenou pelos conteúdos das suas canções”, pode ler-se no texto que foi amplamente divulgado. “A detenção de Pablo Hasél faz com que a espada de Dâmocles que paira sobre a cabeça de todas as figuras públicas que ousem criticar publicamente a atuação de alguma das instituições do estado se torne ainda mais evidente.”
Várias horas depois da divulgação do manifesto, o governo espanhol revelou estar a preparar alterações ao código penal para este tipo de casos — sem nunca se referir ao caso concreto de Pablo Hasél. O executivo quer que este tipo de delitos deixe de ter como sentença uma pena de prisão.
O ministério da Justiça espanhol vai fazer alterações “para que apenas se castiguem condutas que suponham claramente um risco para a ordem pública ou a provocação de algum tipo de conduta violenta, com penas dissuasórias mas não privativas da liberdade”.
A imprensa espanhola cita ainda que o comunicado do governo realça que “o ministério, na sua proposta, vai considerar que aqueles excessos verbais cometidos no contexto de manifestações artísticas, culturais ou intelectuais permaneçam à margem do código penal”.
Estas alterações poderão incluir ainda a revisão do crime de sedição — vários ex-governantes da Catalunha estão neste momento presos por este crime definido como subversão contra as instituições do estado, ao terem promovido a independência da região espanhola. Estão a cumprir penas entre os nove e os 13 anos de prisão.
Depois destas notícias por parte do governo, Pablo Hasél reagiu nas redes sociais. “O governo está nervoso perante as imensas mobilizações (várias que proibiu) e demonstrações de desagrado, por isso tenta lavar a cara dizendo que vai mandar abaixo os pontos do código penal que nos condenam. Se não fosse pela mobilização nem tinham dito isso, mas sem mais mobilização não vão cumprir, como não cumprem tantas outras promessas. Estas declarações tentam travar a solidariedade e desmobilizar a minha prisão sem que tenham feito nada para o evitar quando o podiam ter feito.”
Este não é o primeiro encontro de Pablo Hasél com a justiça espanhola. O rapper já tinha sido condenado a uma pena de dois anos de prisão em 2015, por ter sido considerado que tinha escrito canções onde glorificava ataques cometidos por grupos terroristas. Nunca chegou a cumprir essa pena.
No ano seguinte, foi acusado de agredir um jornalista numa conferência de imprensa. Um juiz deu por provado que o rapper empurrou, insultou e borrifou com um líquido de limpeza um repórter no local.
Hasél também estará a ser investigado por ter participado numa manifestação em março de 2018 na qual houve uma tentativa de invasão a uma subdelegação do governo de Lérida, após a detenção de Carles Puigdemont (o ex-presidente do Parlamento da Catalunha, pró-independência, que está auto-exilado na Bélgica, por não poder regressar a Espanha sem ser preso).
Nascido em 1988, Pablo Hasél começou a fazer música no início dos anos 2000. Tem dezenas de discos editados, a solo e em colaboração com outros artistas. É um dos nomes principais da sua geração que contribuíram para o ressurgimento do rap político no meio underground do género musical. O espanhol também escreveu livros de poesia. O seu pai é Ignacio Rivadulla, ex-presidente do clube de futebol Unió Esportiva Lleida, que já está extinto.
Depois de ter sido condenado e detido esta manhã, Pablo Hasél torna-se num dos primeiros — se não o primeiro — músico da União Europeia a ser preso pelo conteúdo das suas canções. Há outro caso semelhante (e recente) em Espanha. Outro rapper catalão, Valtonyc, foi condenado a três anos de prisão por delito de opinião, em 2018. Mas no dia antes de ser preso, o músico mudou-se para a Bélgica, onde vive em auto-exílio. Valtonyc é o primeiro músico espanhol a ser condenado por este tipo de crimes desde o fim da ditadura, em 1977.