“Que se foda Israel. Palestina livre.” As palavras preencheram o gigante ecrã de Coachella e incendiaram a plateia. E apesar do choque da imprensa, o trio de hip-hop da Irlanda do Norte voltou a repetir o apelo no fim de semana seguinte.
O apoio aos palestinianos não é tema novo para o grupo irlandês, habitualmente polémico, sobretudo pela sua postura anti-britânica e anti-colonialista, refletida nas letras que misturam irlandês e inglês. Um espírito rebelde que foi representado no filme homónimo, de 2024, e que levou a sua história ao cinema – e a fama global.
A prestação nos palcos norte-americanos deu origem a uma onda de controvérsia e algumas das afirmações mais polémicas dos Kneecap têm provocado, por estes dias, manifestações de repúdio, cancelamento de concertos e até um manifesto a seu favor, assinado por centenas de músicos famosos.
Mas esta história começa sobretudo nas duas atuações em Coachella. Durante o espetáculo, Mo Chara, um dos elementos, também falou diretamente com o público. “Não há muito tempo, os irlandeses foram perseguidos pelos britânicos, mas nunca nos bombardearam dos céus, sem que tivéssemos para onde ir. Os palestinianos não têm para onde ir. Estão em sua casa, a serem bombardeados dos céus. Se não lhe chamam genocídio, chamam-lhe o quê?” As afirmações no Coachella foram mais contidas do que muitas que fizeram no passado, mas foram o suficiente para provocar uma onda de indignação.
Uma das vozes mais ativas contra o grupo foi Sharon Osbourne, mulher de Ozzy Osbourne. Nas redes sociais, escreveu que os concertos da banda incluíram “projeções de mensagens anti-Israel e discurso de ódio”. “Esta banda apoia abertamente organizações terroristas”, disse em referência ao Hamas.
A apresentadora também criticou a Goldenvoice, organização do Coachella, pelo facto de terem deixado os Kneecap subir ao palco no segundo fim de semana “depois de assistirem à sua atuação inicial”. “Este comportamento levanta preocupações sobre a adequação da sua participação num festival deste tipo e demonstra ainda que estão agendados para atuar nos EUA. Sei, com toda a certeza, que certas pessoas da indústria escreveram à Goldenvoice e expressaram as suas preocupações relativamente à contratação dos Kneecap”, afirmou.
Nas redes sociais, vários apoiantes de Israel, incluindo Sharon Osbourne, pediram que o governo norte-americano cancelasse os vistos dos artistas. Os Kneecap não demoraram a responder e aconselharam a mulher de Osbourne a ouvir o clássico tema da sua banda, os Black Sabbath, “War Pigs”, conhecido pelo seu teor anti-guerra.
E enquanto uns atacavam o grupo, outros manifestavam apoio, nomeadamente os Massive Attack, conhecidos críticos de Israel e defensores da Palestina. Para a banda britânica, a polémica que se gerou à volta do espetáculo dos irlandeses em Coachella é apenas uma “forma de desviar as atenções dos conflitos em Gaza”. “A história aqui não são Kneecap, mas sim Gaza e o genocídio. Todos os artistas que falam sobre os crimes de guerra de Israel têm a nossa solidariedade”, afirmaram num comunicado.
A 1 de maio, também foi lançado um manifesto de apoio ao grupo, assinado por centenas de artistas como os Massive Attack, Pulp, Fontaines DC, Annie Mac, Damien Dempsey, The Pogues, Lankum, Blindboy e Mary Wallopers.
Esta união surge após os Kneecap terem visto muito dos seus concertos serem cancelados devido à apresentação nos EUA. Mas a polémica não se ficou por aí. Esta onda de críticas fez ressurgir um vídeo de um concerto em 2023, onde o grupo apelava à “morte dos membros do Parlamento britânico”.
Acabariam por pedir desculpa pelos comentários, embora afirmem que as imagens divulgadas “não estavam contextualizadas”. Apesar de estarem arrependidos, a polícia antiterrorista do Reino Unido abriu uma investigação e muitas salas de espetáculos começaram a desmarcar os próximos concertos.
A 4 de julho, tinham atuação marcada no Eden Sessions, um festival que decorre anualmente na Cornualha, e que este ano inclui atuações de Biffy Clyro, The Script e Texas. Quando se soube que o espetáculo já não aconteceria, os Kneecap revelaram que, no mesmo dia, iriam subir ao palco do Plymouth Pavilions, mas os planos rapidamente desabaram.
“Após termos consultado as autoridades e entidades competentes, foi decidido que a atuação dos Kneecap no nosso espaço já não se irá realizar”, disse a organização em comunicado. “A segurança dos nossos estimados visitantes é sempre a nossa principal prioridade e, como tal, sentimos confiança nesta decisão. Não serão prestados mais esclarecimentos.”
No verão, iriam dar três concertos na Alemanha, mas também estes foram cancelados sem qualquer explicação. Por enquanto, mantém-se agendado o espetáculo em Glastonbury, o mais prestigiado festival britânico, a 28 de junho, embora haja quem peça desde já o cancelamento.
Os elementos do conjunto já falaram sobre o caso, mas pouco disseram. À “BBC News NI”, afirmaram que “mensagens não são agressivas” e que “matar 20 mil crianças é que é terrorismo”. Dan Lambert, o manager, abordou o assunto mais detalhadamente.
“Se alguém se sente magoado pela verdade, isso é algo com que essa pessoa terá de lidar, mas é realmente importante dizer a verdade”, comentou com a “RTÉ”. “Felizmente, os rapazes não têm medo de falar.” Segundo o empresário, a banda recebeu ameaças de morte após a atuação em Coachella, descrevendo-as como sendo “demasiado graves para detalhar”.
A rebeldia e os problemas com o governo — não só dos EUA, mas também de outros países — têm marcado o percurso do grupo irlandês na indústria da música. No início de 2024, por exemplo, receberam um subsídio de 18 mil euros do Music Export Growth Scheme, uma iniciativa pública que apoia artistas britânicos no mercado internacional. No entanto, o então governo dos conservadores bloqueou o financiamento, alegando que o conjunto se opõe regularmente ao governo britânico.
“Apoiamos totalmente a liberdade de expressão, mas não é surpreendente que não queiramos dar dinheiro dos contribuintes britânicos a pessoas que se opõem ao próprio Reino Unido”, disse Kemi Badenoch, uma porta-voz da secretária de Negócios, à “BBC”. Como resposta, os Kneecap iniciaram um processo judicial e afirmaram que a decisão era ilegal e que representava uma censura política às artes. “Eles estão zangados com as pessoas erradas”, contou DJ Próvaí ao “The Guardian”. O caso ainda está em tribunal.
Ao longo dos anos, também se envolveram em polémicas devido às canções controversas, como “Get Your Brits Out”, onde contam a história de uma noite imaginária repleta de drogas com figuras proeminentes do Partido Unionista Democrático.
As atuações são igualmente ousadas e uma das mais comentadas aconteceu em Melbourne, em março deste ano. Durante o espetáculo, a cabeça de bronze decapitada do rei George V, roubada de uma estátua uns meses antes, apareceu misteriosamente no palco. “Algum louco apareceu aqui com a cabeça do rei para que ele pudesse ouvir algumas das nossas canções. Lembrem-se que todas as colónias podem ruir”, disseram Móglaí Bap, Mo Chara e DJ Próvaí, os membros do grupo.
O percurso da banda foi contado num filme, “O Trio de Belfast”, que chegou aos cinemas nacionais a 3 de abril — e onde os artistas são os próprios atores, num elenco que também conta com Josie Walker e Michael Fassbender. Esta abordagem recebeu centenas de elogios e, no Rotten Tomatoes, tem uma pontuação de 96 por cento dos críticos. “Não apresenta apenas uma estreia triunfante na música, como também é muito maior do que um filme biográfico convencional”, descreve o “The Independent”. Leia este artigo da NiT e conheça melhor a história dos Kneecap.