Música

Pedro Branco: aqui está o próximo grande guitarrista da música portuguesa

O finalista do concurso New Talent dá aulas, toca com Tiago Bettencourt e faz parte dos You Can’t Win Charlie Brown.
O guitarrista tem 27 anos.

Tinha apenas um ano e meio de vida, mas já pegava numa pá das limpezas para fingir que era uma guitarra — esses momentos de brincadeira na casa da família, em Rio de Mouro, ficaram eternizados em cassetes de VHS gravadas pelos pais. Hoje, Pedro Branco é um dos guitarristas portugueses com um percurso mais entusiasmante (e com uma perspetiva de futuro mais empolgante). Além disso, é um dos dez finalistas do concurso New Talent, organizado pela NiT e pela Santa Casa da Misericórdia, que escolheu os dez jovens com menos de 27 anos que se têm destacado na área de lifestyle. O vencedor poderá vencer um prémio de dez mil euros. Pedro Branco nasceu em 1992.

Apesar de ninguém da sua família ter ligação à música (a mãe é professora e o pai era desenhador projetista), cresceu a ouvir discos em casa de José Mário Branco, Sérgio Godinho, Jorge Palma ou do francês Jacques Brel. Na escola teve outras influências, desta vez dos amigos. “Eu tive uma grande fase de grunge, com os Nirvana — eu era obcecado com o Kurt Cobain —, mas também colecionava bootlegs dos Pearl Jam.”

Inspirado pela música que ouvia, e depois de vários pedidos desesperados, a mãe ofereceu-lhe uma guitarra quando tinha nove ou dez anos. “Não aprendi músicas, comecei logo a fazer as minhas próprias músicas, tinha esse objetivo. Nunca foi premeditado, mas lembro-me perfeitamente de escrever à minha maneira.”

Na escola secundária, onde estudou Artes, mergulhou no universo do post-rock — que acabou por ser uma ponte para o jazz, o estilo em que se formou. “Era o que a malta um bocadinho diferente na escola — não era bem alternativa — ouvia. Não era o que a maior parte dos gajos ouviam, tipo kizomba. Nada contra, mas nunca fui muito por aí.”

Nunca teve vontade de tocar outro instrumento, embora recentemente tenha explorado um pouco o piano e esteja interessado em tocar sintetizadores e descobrir sonoridades mais eletrónicas.

Pedro Branco diz que o facto de ter crescido nos subúrbios de Lisboa sempre o influenciou muito, mesmo que não tenha sido de uma forma consciente — e apesar de durante muito tempo ter alguma resistência à ideia.

“Morar nos subúrbios influencia um bocado a cabeça de um gajo, é a forma de estar na vida. Houve uma fase em que estava um bocado chateado, passas os dias inteiros em Lisboa e tens de apanhar aquele comboio — ainda por cima não tenho carta —, vives quase no comboio ou no metro. Quando cresces e vês outras coisas, começas a perceber de que forma é que isso te moldou ou como influenciou a tua arte.”

Começou a ter aulas particulares de guitarra aos 12 anos, em Mem-Martins, próximo de casa. Tinha tido a ideia de ser cartoonista de profissão porque sempre adorara desenhar e tinha jeito, mas a música acabou por prevalecer — embora nunca tenha estudado num conservatório ou numa escola especializada até chegar à faculdade.

Isso só aconteceu aos 18 anos, quando foi estudar Jazz e Música Moderna para a Universidade Lusíada, em Lisboa. “Foi lá que conheci os buddys com que toco, comecei a ir às jam sessions, aos concertos, a conhecer pessoas dentro do meio.” Os pais sempre o apoiaram, mas ao mesmo tempo “houve muita preocupação”. 

“O que é normal, existem sempre aquelas dúvidas: será que ele é bom? Será que ele vai conseguir fazer alguma coisa? Ele pode querer seguir música mas se calhar é um grande nabo. E depois, o que vai fazer? A minha mãe sempre me disse para, mesmo que estudasse música, tirar outro curso. Eu sempre disse que não, que não era assim que funcionava, e ela sempre disse que sim. Mas nunca me disse para não tocar. Tive colegas com que aconteceu o contrário mas a mim sempre me apoiaram a 100 por cento, mesmo financeiramente, quando ainda precisava.”

As escolas estão muito presentes na história recente do jazz, mas Pedro Branco considera que, apesar de serem fulcrais, não são o único elemento importante na formação de uma identidade artística. “Eu acredito que o trabalho árduo dá frutos, mas só o trabalho não. Dentro do jazz há muito a cena da escola. E eu acho que a escola não é o que te vai fazer tocar bem. Não foi por eu ter tirado duas licenciaturas e um mestrado que agora se calhar toco com quem toco ou faço o que faço. Não é por aí, é pelas tuas vivências, de onde é que vens, as pessoas com quem tocas, as noites de copos, as namoradas. É tudo isso que influencia. A tua visão do mundo, o que tu lês, os filmes… é tudo um bocado cliché, mas é o que acho mesmo. E acho que isso se está a perder um bocadinho com a escola.”

Pedro Branco sempre teve uma paixão especial pelo jazz improvisado — uma vertente do género musical, e que se pode aplicar a outros estilos, em que o concerto é totalmente improvisado, como pode acontecer numa jam session. Durante a primeira licenciatura, foi tocando em trios, quartetos, conheceu as pessoas do meio e envolveu-se bastante na comunidade jazzística.

“Lembro-me de ir ao Hot Clube todas as semanas, a todas as jams e a todos os concertos. Eu não sabia o que ia ver, mas pagava o bilhete e ia ver. O meu dia a dia era estudar todo o dia e à noite ir à jam session tocar com outra malta. Os profs se for preciso vão beber copos contigo e estão na mesma jam session que tu e eu gosto disso. Aprendi imenso assim.”

Depois, seguiu-se Amesterdão, na Holanda. Pedro Branco foi estudar para o conservatório local e foi a primeira vez que viveu sozinho. Esteve lá quatro anos. Era um passo natural — muitos músicos portugueses de jazz ou clássica vão estudar para o reputado conservatório de Amesterdão. “Aquilo estava cheio de tugas, na verdade. Era horrível [risos]. Ouvias bué tugas na cantina.”

As experiências em Amesterdão foram importantes sobretudo para o crescimento pessoal. Foi a primeira vez que morou com uma namorada e estava quase sozinho num país estrangeiro. “Aconteceram-me cenas tipo cair de bicicleta e partir os dentes todos. De repente estás sozinho num país e que como é que me safo desta? As propinas são bué caras, foi difícil sobreviver com rendas altíssimas.” 

Trabalhava como músico em bares e salas de espetáculo — foi lá que começou uma banda de rock chamada Oh! Calcutta!. “Tanto fazíamos venues a cair de podre, ou um bar punk, ou uma cena mais clubbing à noite. Tinha muitos concertos de restaurante, que é um bocado horrível. A malta a jantar e tu a tocar umas coisas, vem alguém pedir-te os parabéns [risos]. A vida de músico não é fácil. Não estive a lavar pratos mas estive um bocado a lavar pratos [risos], metaforicamente.”

Pedro até tinha a ideia de talvez seguir uma carreira em Amesterdão, mas depois de viver lá durante alguns meses percebeu que não era isso que queria. “É uma cidade lixada, eu nunca fui a Nova Iorque mas tenho sempre a ideia de ser uma cidade muito difícil de se viver. Tens de ter um struggle máximo. Amesterdão é um bocado assim. Nunca te sentes mesmo em casa e já falei com muita gente e dizem-me todos o mesmo.”

Nessa altura, o guitarrista começou a tocar cada vez mais em Portugal — quase todos os meses vinha cá para dar concertos. Um convite que foi crucial foi o de gravar para o álbum de João Hasselberg, contrabaixista amigo que toca em muitas bandas e que levou Pedro Branco a ter mais projeção dentro do meio, a relacionar-se com outros músicos também fora do jazz. “Acho que esse foi o momento de viragem. A malta começou a reconhecer-me mais por causa disso, e foi graças ao João. O disco correu bem nesse sentido, claro que não ficámos ricos e na verdade ninguém conhece o disco [risos], mas dentro do meio correu bem e sem dúvida que deu um bocado a volta. Começaram a convidar-me para tocar e foi um bocado o efeito bola de neve.”

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