Em meados de março, traçávamos os cenários possíveis para os festivais de música em Portugal num ano assombrado pela pandemia global do novo coronavírus. Os maiores eventos do género em todo o mundo, sobretudo na Europa e nos EUA, já tinham cancelado as suas edições. Por cá, mantinha-se a esperança de que o surto pudesse ser resolvido até ao verão.
Falta um mês para começar a estação mais quente do ano, mas o governo já proibiu a realização de todos os grandes festivais de música até 30 de setembro, a não ser que cumpram com normas de segurança e restrições apertadas — que ainda estão a ser discutidas na especialidade —, mas que tornarão praticamente inviável a sua existência.
Em março, já tinham sido cancelados festivais portugueses de pequena e média dimensão como o MIL (que ocupa as salas do Cais do Sodré, em Lisboa); o Tremor, na ilha de São Miguel, nos Açores; o Westway Lab, em Guimarães, que foi alterado para entre 14 a 17 de outubro; ou o ID No Limits, no Estoril, que adiou a sua edição para 13 e 14 de novembro; além de algumas das maiores festas académicas do País.
Esta semana, mais concretamente na sexta-feira e sábado, 22 e 23 de maio, iria arrancar o primeiro grande festival do ano — ainda que de uma dimensão menor do que muitos dos seus pares —, o North Music Festival, na Alfândega do Porto.
A organização reagiu cedo e no início de abril já tinham anunciado que iriam adiar esta edição para 2021, mantendo os cabeças de cartaz Deftones, The Script, The Waterboys e Lamb. Esta quarta-feira, 20 de maio, foram anunciadas mais novidades.
Todo o restante alinhamento vai manter-se. Ou seja, além dos cabeças de cartaz, os portugueses Moonspell, Bizarra Locomotiva, Paus, Bed Legs, Paraguaii, Sensible Soccers e Keep Razors Sharp vão tocar na edição de 2021, depois de os seus concertos no festival deste ano não terem acontecido.
Além disso, o North Music Festival vai ter mais um dia, à quinta-feira. Ou seja, o festival vai passar a ter três dias — e as novas datas são 20, 21 e 22 de maio de 2021.
“Inicialmente pensávamos que isto nem ia chegar a Portugal. E desde o início estávamos a pensar que o festival seria uma realidade, apostámos num grande cartaz, este ano com a fasquia mais alta. No final de janeiro, início de fevereiro, começa a falar-se do coronavírus em Itália, que depois se viria a alastrar para outros países. Nessa altura, sendo nós o primeiro festival, em maio, dificilmente nós… não queríamos pôr a saúde pública em causa, nem nós nem as autoridades”, conta à NiT o diretor do evento, Jorge Veloso.
“Começámos a falar com as bandas, ainda era muito cedo porque algumas são dos EUA e lá isto chegou muito depois. As bandas ainda não estavam a entender bem o que se estava a passar. E a partir desse momento tentámos reagendar com as bandas para o próximo ano, por motivos de força maior, como todos os festivais e concertos que foram cancelados ou reagendados”, acrescenta.
Apesar de o governo estar a discutir as medidas de segurança e restrições no setor neste momento, o North Music Festival teve que agir antes, de acordo com as medidas excecionais anunciadas num decreto-lei a 26 de março. “É normal que tomem as decisões no momento certo, antes da chegada dos eventos, mas o nosso era esta semana — já tomámos medidas há dois meses. E estamos a anunciar que conseguimos garantir o cartaz, o que é muito bom.”
Jorge Veloso diz que vão anunciar o cartaz para o dia extra “quando isto passar”. “Temos que acreditar que isto se vai resolver nos próximos três ou quatro meses, ou que o vírus desapareça, ou com um anti-vírico, ou com uma vacina. Teremos um headliner forte, vai valer a pena ir aos três dias.”
O nome não está definido, mas a organização já tem várias ideias. “Temos o perfil da banda traçado, temos outros em cima da mesa, mas como é óbvio, mesmo para as bandas, ainda está tudo um bocadinho confuso, com o cancelar das tournées, ainda estão a ver o que vão fazer para o ano. Nós já temos ideias concretas, mas a prioridade deles agora são os reagendamentos dos concertos cancelados, os novos concertos serão tratados depois.”
Por um lado, um dia extra é uma forma de recompensar o público — todos aqueles que este ano compraram o bilhete de dois dias, na próxima edição vão ter acesso aos três. Por outro, Jorge Veloso diz que “as vendas estavam a correr muito bem, com impacto” e que por isso havia condições para aumentar a dimensão do festival. “Nesta altura parece que já se vê uma luz ao fundo do túnel e nesse sentido acreditamos que daqui a um ano vamos ter todas as condições para fazer o melhor North Music Festival de sempre.”
Esta quarta-feira também foi lançado um bilhete especial early bird, com um preço temporário reduzido de 90€, que dará acesso aos três dias do festival no próximo ano. A entrada diária mantém-se nos 50€.
“Isto é quase um preço de um dia de festival qualquer, seja em Portugal ou… se falarmos a nível internacional dos preços que se praticam, 90€ não sei se chega a um dia num festival na Dinamarca ou em Inglaterra. 90€ para três dias com este tipo de bandas não vou dizer que é dado, mas é acessível.”
O cartaz foi mantido e adiado no prazo de um ano, por isso a lei diz que não é necessário fazer devoluções caso alguns dos consumidores quiserem o seu dinheiro de volta. No entanto, a organização salienta que está disponível para ouvir as queixas, ainda que tenha recebido “muito poucas reclamações” até agora.
“É uma questão complicada para pessoas que perderam o emprego, mas é complicado para todas as pessoas e para todos os setores. Sei que há várias pessoas em dificuldades, mas nós temos o evento adiado e já informámos da nossa decisão, e tivemos muito poucas reclamações, ao contrário de outros festivais. Se houver um caso de força maior — de uma pessoa que esteja desempregada, que tenha que viajar por motivos de trabalho, se houver uma justificação credível, nós na altura certa, mediante a apresentação… também não queremos ficar com o dinheiro de pessoas que estejam impossibilitadas de vir ao evento. A lei é a lei, mas cada caso é um caso. Na altura concreta avaliamos, também não somos insensíveis. Primeiro, a lei, que nos protege, depois, os casos super excecionais.”
Apesar de o reagendamento do festival não ter tido custos em relação às bandas, houve um prejuízo inevitável no resto da produção, explica o diretor do North Music Festival. “Tínhamos o festival todo montado há dois meses, era só ir para a estrada montar o espetáculo. É um ano de trabalho para um festival. As pessoas não pensem que é uma semana e depois dois dias de evento, não, é muito mais do que isso.”
E acrescenta: “Há prejuízos, obviamente, e custos de adiamento na comunicação, estrutura, na produção… trabalhar um ano para um festival que depois não acontece claro que tem custos inerentes. Com as bandas não houve prejuízo, mas foi necessário fazer um esforço financeiro, que só não foi maior porque… depois de falarmos com vários médicos quando o coronavírus chegou na forma que chegou a Itália, percebemos que dificilmente iríamos escapar. Parámos tudo nesse momento. Se não, os custos a nível de comunicação, publicidade exterior, seriam ainda maiores.”