A Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, celebrou 13 anos de existência este sábado, 13 de junho, o mesmo dia em que os lisboetas foram impedidos de festejar o seu santo padroeiro. Por causa da pandemia do novo coronavírus, os arraiais foram proibidos e com eles as marchas, as sardinhadas e as noivas de Santo António.
Na Fábrica Braço de Prata, a festa fez-se da forma controlada a que estes tempos obrigam e com um cariz de manifestação. Na sexta-feira, o espaço anunciava nas suas redes sociais que, apesar da proibição, iria manter o seu “gigantesco festival de celebração e protesto, Manifesto pela Libertação dos Artistas”. Em tom desafiador, mas também humorístico, a organização garantia que os concertos começariam às 19 horas e continuariam até: “Que as forças policiais anti-arraial nos venham prender.”
A NiT chegou ao local pouco antes das 18 horas, ao mesmo tempo que um carro da PSP passava na Rua Fábrica de Material de Guerra. Pensámos que seria logo ali o fim da festa, antes mesmo de começar. O carro abrandou, o condutor olhou para o portão verde de correr da Fábrica Braço de Prata, e seguiu.
A NiT, pelo contrário, entrou e foi recebida por Nuno Nabais, o fundador e diretor do espaço.
“Eu cumpri a quarentena e continuei a trabalhar, sou professor universitário e estou em teletrabalho. A minha ansiedade com a pandemia advém do facto de eu ser diretor deste espaço que tem 26 funcionários e cerca de 200 músicos a tocar aqui todos os meses”, explica o diretor, de 63 anos.
E continua: “Há dois tipos de músicos, os de elite, que estão nos top’s e que têm auditórios cheios e ganham 30 mil euros por concerto – podem fazer dez concertos por ano e vivem bem. E há aqueles que têm de trabalhar todas as semanas, andam nas salas de música ao vivo, recebem 50/60 euros por concerto e esses entraram na miséria com a pandemia”.
Desde março que a Fábrica criou live streamings com possibilidade de doações diretas para os músicos, bem como serviço de take-away em formato drive-in, para ganhar receitas com refeições — uma percentagem desse valor é dada aos artistas.
“Estes músicos querem voltar a tocar e as regras sanitárias permitem que os músicos que toquem em grandes auditórios possam tocar, como aconteceu com o famoso concerto no Campo Pequeno com a presença do primeiro ministro e do Presidente da República. Mas as regras sanitárias não permitem que pequenos auditórios recebam concertos.”
O professor universitário do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras indicou ainda que a polícia esteve presente no espaço nos períodos da manhã e da tarde, aquando das preparações. Uma vez que todas as medidas de segurança estavam a ser respeitadas, no recinto ao ar livre, não existiram razões para a sua proibição.
“Estamos preparados para tudo. É possível que mesmo assim nos venham obrigar a interromper a música e a festa, mas esperamos que não.”
O recinto exterior da Fábrica Braço de Prata é realmente grande. Ao entrar, do lado esquerdo, encontrava-se uma ampla tenda transparente e com várias aberturas para a circulação do ar. As mesas no interior estavam bastante espaçadas e, ao fundo, o palco.
Ao lado da tenda, alguns casais ou pequenos grupos ocupavam mesas previamente reservadas. O sentido de circulação estava bem definido e a forma de fazer os pedidos era peculiar.
Espalhado pelo recinto vimos um número de telemóvel e rapidamente no explicaram que os pedidos funcionavam via WhatsApp. Uma simples mensagem a pedir a ementa, era respondida com uma imagem. De seguida, bastava fazer o pedido e aguardar a indicação de quando estivesse pronto para levantar. Assim, a sala fechada que dava para a cozinha tinha muito pouca ocupação e desfasada.
Às 19h30, Michel William, artista que participou no programa “The Voice Portugal”, em 2019, começou a primeira de várias atuações que juntaram 30 músicos ao longo da noite. A esta hora, o recinto estava longe de esgotar, com apenas oito pessoas que tinham feito reserva, mais algumas que chegaram, rondando as três dezenas.
Uma hora depois, ainda com o espaço aparentemente longe de estar cheio, Nuno Nabais confirma que está esgotado. “Para mostrar às autoridades que estamos empenhados em implementar as regras sanitárias, nós impusemo-nos uma limitação da lotação [94 pessoas]. Apesar de isto estar às moscas, estamos a impedir mais entradas, já proibimos a entrada a algumas pessoas”, explica à NiT, junto ao portão de entrada.
À mesma hora, Michel William termina o seu concerto. O artista moçambicano que vive em Portugal há cinco anos é, além de músico, designer na área do marketing. “Nessa área estou a ter mais trabalho agora, do que antes da pandemia. Enquanto músico, o meu rendimento é zero desde março”, diz Michel William. “Tinha uma tournée por Portugal e Moçambique este ano, para divulgar o meu álbum e foi tudo adiado para o próximo ano.”
“A Fábrica está de parabéns, não só pelo aniversário, mas por esta iniciativa que pode servir de exemplo para outras casas e mostrar que é possível contornar a pandemia de forma pró-ativa”, remata o músico. “Acho que já está na hora de acabar com o pânico que se está a criar e reintegrarmos a cultura, não como era, mas desta nova forma.”
A Fábrica Braço de Prata tem quatro salas, com capacidade para 60 pessoas cada. O espaço garante que pode reduzir a lotação de cada sala para metade e, pelo menos, cobrir os custos. “Deixem os músicos tocar. Não estamos a pedir dinheiro”, conclui Nuno Nabais.
De seguida, carregue na galeria para ver como foi a festa de aniversário da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa.