Depois da peça de teatro “Variações, de António”, Sérgio Praia brilhou ao interpretar o músico português no filme “Variações”, que estreou em 2019 e foi um tremendo sucesso. A partir daí, continuou a interpretar o ícone musical em concertos de norte a sul do País, uma espécie de digressão que pandemia interrompeu e que agora tem direito a uma etapa muito especial: “Há Uma Noite P’ra Passar”.
Pela primeira vez em Portugal, a tecnologia dos hologramas será utilizada para fazer com que um músico regresse aos palcos. 38 anos depois da sua morte, António Variações irá voltar de alguma forma ao seu habitat natural, neste caso ao palco do Capitólio, em Lisboa, nesta terça-feira, 5 de julho. Trata-se de uma parceria com a Samsung, que desenvolveu o projeto para promover a gama de telemóveis Galaxy S22, que tem uma câmara especializada na captação de imagens à noite ou em ambientes escuros.
Na prática, será um concerto normal da banda Variações — que inclui o ator Sérgio Praia como vocalista e os músicos Duarte Cabaça, David Silva, Vasco Duarte e Armando Teixeira na formação — que culmina com o tal momento inédito em que um holograma de António Variações (para o qual Sérgio Praia serviu de molde) interpreta “Canção de Engate”, ao lado do ator que o interpreta. O espetáculo, que poderá ser irrepetível, esgotou rapidamente. Leia a entrevista da NiT com Sérgio Praia sobre esta iniciativa.
Como reagiu quando lhe propuseram voltar a assumir o papel de António Variações, mas desta vez numa atuação inédita, em holograma?
Pensei que talvez não fosse boa ideia. Gostei muito de fazer o António, evidentemente, mas gosto muito de ser ator e de fazer papéis variados. Portanto, a minha ideia já há algum tempo é deixar o António seguir o seu caminho. Quando me falaram do holograma e percebi o que poderia significar, o que poderia ser para as pessoas que viveram aquela época — ou as que não viveram e que podem tentar perceber um bocadinho como seria um concerto dele — achei que poderia ser emocionante. Para mim, para a família e para as pessoas que gostam do António, que são muitas. Sabia que, com a Samsung, evidentemente seria um trabalho com qualidade. E quando pensei na fanbase do António, que é imensa e tenho percebido isso nos concertos pelo País todo, percebi que tinha de fazer isto também — por mim e por toda a gente que gosta do António ou dos vários Antónios que cada um tem dentro de si.
Já deu quantos concertos a interpretar as músicas de António Variações?
Pelo menos uns 50. Quando veio a pandemia, já tínhamos o ano de 2020 todo preenchido. Houve muita coisa que foi abaixo, houve outros que voltaram agora e alguns que desistiram. Porque isto também tem um timing: nós somos uma banda, mas é de um filme. Eu não sou cantor, sou ator. Propus-me a fazer isto, mas este tipo de trabalhos tem um tempo de duração. Mas isto teve que se estender, e agora ficamos a fazer concertos pelo menos até ao final deste ano.
Em termos práticos, a atuação do holograma está a acontecer naquele momento ou foi gravada?
Aquilo é um concerto da banda do filme e tem um convidado, o António, que vem cantar uma música: a “Canção de Engate”, no final do concerto. Essa parte foi gravada, eu como António, e depois o que eles fazem é porem em cima da minha cara as feições do António. Os olhos, a boca, as maçãs do rosto, eles fazem uma fusão. É um processo demorado, estou nisto há quase quatro meses. Estava rodeado de grandes profissionais e foi uma experiência fantástica poder, de repente, ver-me e, sabendo que era eu por baixo, por cima existe ali uma possibilidade de António. Ele vem cantar uma música e interagir um bocadinho com as pessoas. Temos estado a ensaiar — eu comigo próprio [risos]. Canto com ele, mas aquele momento é dele, claro.
Enquanto ator, obviamente o processo de preparar e encarnar uma personagem é fascinante. Mas, desta vez, deve ser bastante diferente.
Cada vez mais tento não complicar muito. Acho que não é assim tão diferente daquilo que já tenho andado a fazer. Também tive muito tempo neste projeto, e aqui não pensei que iria fazer algo totalmente diferente. Fiz exatamente o mesmo no percurso que fiz: tanto na peça, como no filme e nos concertos. É evidente que já há alguma distância, mas tenho mantido os concertos, portanto ainda resta qualquer coisa ali, e é uma questão de trabalhar intensamente durante algum tempo e voltar a relembrar o lado físico, a maneira de falar, tendo sempre o maior respeito pelo trabalho e legado do António, claro. Mas tentei não complicar. Tentei fazer exatamente o mesmo.
Enquanto consumidor de música, esta tecnologia que permite que um artista que já nem se encontra vivo seja reproduzido num palco em holograma — e que tem sido testada internacionalmente — já era algo pelo qual tinha curiosidade?
Confesso que nunca me passou pela cabeça. Lembro-me de ter visto um trabalho que penso que foi a Christina Aguilera que fez com a Whitney Houston em holograma. Há pouco tempo, o Tom Cruise também fez. Mas nunca me passou pela cabeça. Quando comecei a perceber o que poderia significar para muita gente que gosta dele, fiquei mais interessado, porque acho que pode ser emocionante para quem estiver lá. É qualquer coisa mágica. Acho que o António significa isso, é quase como se fosse um deus que estivesse no Olimpo, e é como ele vir cá, deixando o Olimpo durante um tempo [risos], para agradecer às pessoas. Pelo menos é essa a minha intenção e foi sempre a minha perspetiva. É como se viesse agradecer o carinho que mantém ao longo dos anos, porque não é fácil manter, com tanta coisa que aparece e desaparece, haver pessoas que são marcos e que vão ficando, de geração em geração. Ou seja, nunca tinha imaginado, mas isto nunca foi feito com um músico português, e o António é a pessoa certa para ser o primeiro, já que foi o primeiro em muita coisa.
Também se perguntou sobre o que é que o António acharia disto tudo?
Completamente, ando nisso há 15 anos [risos]. Como é que será que ele está a ver isto tudo? Mas acredito que o esteja a ver com bons olhos, principalmente porque tentamos sempre ser sinceros e fazer isto com amor. Foi mesmo feito com carinho e acho que, quando é verdadeiro, isso passa para as pessoas. Por isso é que tenho sido tão bem recebido nos concertos e esta personagem tem sido fantástica. É a minha tentativa de perceber o que foi a vida deste homem fantástico. Existem muitos pelo mundo, mas nós temos este, e temos que o amar.
Este será um espetáculo único? Ou há alguma intenção de fazerem mais atuações com o holograma?
À partida, é um espetáculo único, sim. Aliás, a campanha é “Há Uma Noite P’ra Passar”, portanto… Quando vi o holograma, disse logo que deveria haver mais do que uma noite. Mas, pronto, isso já não passa por mim. Mas como o concerto esgotou tão rápido, pode ser que eles pensem melhor [risos].
Mas vai ter concertos normais até ao final do ano. Depois, planeia então distanciar-se da personagem?
No fundo já comecei isso, também não faço disso um problema, só que o nosso País às vezes com os atores, quem nos dá trabalho tem esta tendência de nos fechar em determinados papéis que são marcantes e temos de ter cuidado ou pelo menos manter os olhos abertos em relação a isso. Desde que acabei o filme fiz várias coisas: novela, série, filme, já comecei esse processo. Agora, quando as coisas aparecem… É evidente que já rejeitei muitas coisas relacionadas com este tema, mas quando acho que vale a pena e que não vai ser só para me promover, é para promover aquela pessoa e aquela forma de viver em determinada época, acho que faz sentido e o trabalho como ator também tem essa função. Não posso só pensar em mim quando penso no distanciamento. Estou a fazer um trabalho, esse trabalho tem consequências e ainda bem que as tem — neste caso estão a ser muito boas. É ir fazendo e naturalmente há-de chegar o momento em que o ciclo fecha.
Não há mais nada que lhe apeteça fazer dentro deste universo?
Neste universo acho que já esgotei as hipóteses. Já estou a preparar outras coisas, outros filmes, portanto acho que naturalmente quando tiver de parar hei-de parar. Se houver alguma coisa que ache que vá acrescentar, farei com todo o gosto, não tenho qualquer problema com isso e tenho todo o orgulho em ser tão bem recebido enquanto ator que interpreta esta personagem.
O momento da “Canção de Engate”, em que está ainda mais na pele de António Variações do que tem estado, é diferente para si?
É diferente e a primeira vez que vi o holograma, estava a ensaiar e é sempre emocionante. Nem sempre temos a oportunidade de fazer este tipo de trabalhos. Só posso agradecer, enquanto ator não estava a ver o Sérgio a fazer o holograma, trabalho como se fosse mesmo outra pessoa, que está ali e estou a cantar com ele e a ter esse privilégio. Tenho a certeza de que será um momento emocionante, com todas as frases que ele vai poder dizer ao público. Lá estarei enquanto Sérgio a fazer a minha parte também.