Sobreviveu a duas guerras mundiais, à Guerra Civil Espanhola e à ditadura de Franco. Ao mesmo tempo, acompanhou as radicais mudanças no bairro do Raval, uma zona de Barcelona em tempos famosa pelo perigo e pelas rixas constantes entre grupos que se debatiam de facas e pistolas nas mãos. Mais de um século depois, a discoteca La Paloma ainda está viva e após um interregno desde 2007 — provocada pelas constantes queixas de ruído —, prepara-se para reabrir este sábado, 19 de outubro, recuperando o título de discoteca mais antiga da Europa. E, claro, agora completamente insonorizada.
Foi fundada no início do século XX por três amigos que sonhavam em ser os donos de um salão de bailes. Em 1903, conseguiram tornar a ambição em realidade, mas rapidamente se depararam com as primeiras dificuldades. Em 1907, Jaume Daura, fornecedor de bebidas do espaço, tornou-se no proprietário único. O filho Ramón, que na altura tinha apenas 15 anos, sugeriu que o pai o deixasse administrar o estabelecimento — e foi ele quem conduziu a transformação radical da La Paloma.
Nas primeiras décadas, ninguém (nem a polícia) tinha coragem de intervir durante as violentas rixas que afastavam potenciais visitantes. O cenário estabilizou quando Ramon Daura tomou controlo do salão de bailes e criou uma equipa de segurança que ajudou a acabar com a atmosfera de medo e a criar um clima de alegria e paz.
O conceito do La Paloma mudou com o tempo. Era, originalmente, um ponto de encontro para a burguesia de Barcelona, que atraía multidões para bailes e eventos sociais. Nos primeiros anos, vivia-se ali o espírito da Belle Époque, numa combinação de elegância e diversão, com o tango e a valsa a dominarem o ambiente ao som de orquestras ao vivo.
Chegados aos tempos da ditadura Franquista (1939-1975), o ambiente na pista mudou. Os clientes eram vigiados por um homem contratado pela discoteca, conhecido como La Moral. Tinha apenas uma tarefa: garantir que os casais não dançavam demasiado juntos e que as mulheres não dançassem entre si. Era o fiscal das “manifestações pecaminosas”.
Hoje, quem visitar o espaço não terá de se preocupar com polícias da moral, nem tão pouco dançará ao som dos ritmos do início do século XX. A La Paloma sempre acompanhou as tendências: do tango e valsa passou ao jazz nos Loucos Anos 20, e, na segunda metade do século XX, foi pioneira na introdução de ritmos latinos.
Com a chegada da música eletrónica nos anos 90, a discoteca reinventou-se mais uma vez, oferecendo noites de house e techno, para atrair uma nova geração de clientes. O conceito mantém-se até hoje, com noites dedicadas à música eletrónica, espanhola, comercial e concertos ao vivo.
Apesar da importância da música, é a arquitetura e decoração do La Paloma que realmente se destaca. A fachada discreta esconde um interior deslumbrante que sobrevive há décadas. No salão principal, uma cúpula central ornamentada com candelabros vintage e detalhes dourados remete ao luxo do início do século XX. O estilo mistura art nouveau com elementos barrocos, criando uma atmosfera grandiosa e nostálgica.
As paredes são decoradas com espelhos antigos — numa referência à Sala dos Espelhos de Versalhes, na qual se inspira a decoração — e murais que retratam a história da vida noturna de Barcelona. A pista de dança ampla, cercada por mesas e cadeiras de madeira, evoca os antigos salões de baile europeus.
O palco, que em tempos recebeu orquestras e agora acolhe DJ sets e artistas internacionais, destaca-se pela tribuna com duas musas de cada lado. Nos próximos meses, o cartaz inclui nomes como Blaumut, Myles Sanko, Bombino, Manuel García e a fadista portuguesa Sara Correia, que atuará a 5 de março.
Os preços de entrada variam conforme o dia e o espetáculo, com valores a partir de 17€, incluindo uma bebida.