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The Prodigy espalharam o caos na Bela Vista com um concerto animal

A banda britânica fechou o palco principal no primeiro dia do MEO Kalorama e continuaram a rave, agora sem Keith Flint.
Maxim Reality actuou para a sua zona VIP, lá em baixo no meio do pó.

Ver The Prodigy ao vivo é especial. Para quem cresceu nos anos 90, os The Prodigy eram o refugio dos proscritos. No fundo do pátio, aquele grupo que recusava o que passava na rádio, espalhava a palavra. Os The Prodigy não passavam nas rádios generalistas e era difícil encontrar os CD nas lojas, mas eles estavam em todas as festas de garagem, todos os pátios das escolas e em todo o lado que havia um Discman com uma cópia pirata do “Music For The Jilted Generation”, “Experience” e “The Fat Of The Land”. Estavam em todo o lado e, no entanto, não podiam ser vistos em lado nenhum. Eram uma espécie de segredo menos bem guardado da música nos 90’s.

Keith Flint, em especial, era uma figura icónica da cena rave. Quando eu era miúdo, nem conseguia olhar para a cara dele, tal era o terror que a sua imagem me causava. Depois acabei por me apaixonar pela figura do Flint e até aprender com o modus vivendi dele. Uma lenda em nome próprio, que viveu toda a vida em alta velocidade, como quem não tem nada a perder. E a verdade é que não temos, não levamos nada daqui. O Flint deixou-nos em 2019 e esta quinta-feira, 31 de agosto, no MEO Kalorama, em Lisboa, foi a primeira vez que vi The Prodigy sem ele. Fui a medo, mas o meu medo não tinha razão de ser.

O cérebro da operação, Liam Howlett, continua lá atrás nos sintetizadores, qual génio louco no seu laboratório, a mandar os beats. Maxim Reality, presença arrebatadora e animal de palco, continua à frente, agora sozinho, a comandar as tropas. Ou os combatentes, como ele diz. No Parque da Bela Vista, lá em baixo, no meio do pó, na verdadeira zona VIP (mais uma vez, palavras do Maxim), estavam os combatentes dos The Prodigy.

E mal a banda irrompe em palco com o atómico “Breathe”, é como se estivesse outra vez na rave em 1999. É um sentimento inexplicável, quasi religioso, sentir o beat de “Breathe” e, logo a seguir, “Omen” (como quem desfere um gancho de esquerda depois de um soco da direita), e desatar aos saltos como quem sofre de um ataque epiléptico . Que saudades disto.

A multidão, agora metade de blur (mas, acreditem, não menos enérgica), salta em dissonância, fazendo o efeito de uma onda no mar. Mas aqui não há água, só areia fina não consolidada. E com isto levanta-se uma nuvem de pó tão densa que, a espaços, mal dava para ver o palco. Essa nuvem de pó manter-se-ia durante todo o concerto, com a banda a passar por malhas arrasadoras como “Voodoo People” (o meu portão de entrada nos The Prodigy), (fuck them and) “Their Law”, “Poison”, “No Good (Start The Dance)” e claro, “Firestarter”, que contou com um digníssimo tributo ao único que faltou à festa de ontem — Keith Flint.

O set entra na reta final com o hino hedonista “Smack My Bitch Up”, que põe os meus níveis de asma no vermelho, tal o tornado de pó que se levantou. Nesta altura, olho para a (outra) zona VIP (não a de Maxim Reality), e lá em cima nas luzes de neon, já restava pouca gente. Foram provavelmente espantados pelo pó, e pelo baixo sísmico, que me arrebitou pêlos onde eu nem sabia que os tinha. A noite terminou com o inevitável e velhinho clássico “Out Of Space” e, se dúvidas houvesse que os The Prodigy podiam continuar a rave sem Flint, elas foram dissipadas. Não tenho dúvidas que ele quereria que a festa continuasse sem ele.

P.S.: A primeira vez que vi The Prodigy, saí do concerto com a t-shirt completamente rasgada e marcas de unhas cravadas nas costas (ainda tenho as cicatrizes). Na segunda vez, pus-me logo em tronco nu para proteger a roupa, mas vi a minha irmã ser cuspida do mosh pit como estilhaços de uma bomba. Mas o pior estava guardado para a terceira vez, quando um crowd surfer caiu em cima de mim e partiu quatro dedos do meu pé direito (à conta disso, hoje sei prever quando vai chover). Ontem, já avisado pela minha larga experiência de mazelas em raves, coloquei-me ligeiramente atrás da zona de conflito (mas só ligeiramente), e folgo em reportar que desta vez saí ileso. Isto se não contarmos com os quilos de pó que eu comi. Desde a Ivete Sangalo que não se levantava tanta poeira no Parque da Bela Vista.

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