Música

Tvorchi, a dupla ucraniana que quer fazer história na Eurovisão

Ensaiaram sob as bombas russas, animaram as tropas e levam à final um tema que homenageia os resistentes de Azovstal.

Entre sintetizadores e batidas, num palco pintado com as duas cores da bandeira ucraniana, os Tvorchi entraram de rompante na final do Festival Eurovisão da Canção. A atuação poderia ter sido um momento apoteótico na Ucrânia, que ainda mergulhada em guerra não pôde receber o evento, após ter conquistado o direito com a vitória da Kalush Orchestra em 2022.

Ainda assim, a dupla que faz da música eletrónica agarra-se ao orgulho e apresenta “Heart of Steel”, literalmente, coração de aço. Um tema composto sob ameaça de bombardeamentos e com constantes falhas de energia.

Em palco, recorrem a uma coreografia complexa que obriga a uma coordenação perfeita com os ecrãs, sempre pintados a azul e amarelo. A dupla é composta por Andrii Hutsuliak, 27, e Jimoh Augustus Kehinde, 26.

A chegada à Eurovisão obrigou à organização de um festival da canção ucraniano sob enormes medidas restritivas. Teve lugar nos protegidos túneis do metro de Kiev, recordam ao “The New York Times”, em entrevista antes da partida para Liverpool, a cidade escolhida para substituir a capital ucraniana.

“Ainda é algo surreal”, revela Hutsuliak sobre a guerra, mas também sobre a sua participação no festival no meio de todo o caos vivido no último ano. Até para irem a Liverpool precisaram de fintar toda a burocracia.

Com o exército a necessitar de todas as mãos possíveis para combater a invasão russa, Hustuliak e Kehinde tiveram de assegurar todos os papéis exigidos para poderem abandonar o país. Não pretendem fugir, pelo contrário, querem angariar ainda mais solidariedade e fortalecer os laços com os restantes países europeus.

O tema, “Heart of Steel”, inspira-se na sangrenta e difícil defesa ucraniana da cidade de Mariupol, arrasada pelas forças russas. Centenas de soldados mantiveram-se isolados, durante meses, no complexo de Azovstal, onde acabariam por ser derrotados — não sem antes oferecer uma resistência considerada heroica pelos ucranianos.

“Quando vi os vídeos [dos militares em Azovstal] vi pessoas cheias de força, a manterem-se firmes apesar das condições terríveis”, explica a dupla. Não combateram, mas estão a dar a sua contribuição, apesar de muitos dos seus familiares terem-lhes pedido que deixassem o país.

“Recebi 25 a 30 telefonemas de familiares a pedirem que saísse”, explica Kehinde ao jornal norte-americano, cantor de raízes nigerianas. Mudou-se para a Ucrânia em 2013 para estudar farmácia e foi aí que conheceu o colega dos Tvorchi.

Pelo caminho, enveredaram por uma música marcadamente eletrónica e já lançaram quatro discos de originais. Não pegaram nas armas, mas usaram a música para animarem as tropas e angariarem dinheiro para o apoio militar e humanitário.

Sem grandes esperanças, participaram no festival nacional que iria eleger o representante na Eurovisão — e acabaram mesmo por ganhar. O tema que era habitualmente cantado inteiramente em inglês foi modificado para conter um excerto em ucraniano, uma homenagem que sentem ser necessária.

Agora, no sábado, 13 de maio, competem por mais uma vitória ucraniana na Eurovisão. Seria uma impressionante quarta vitória do país que só começou a participar em 2003 e, ao que indicam as casas de apostas, isso pode mesmo acontecer: fazem parte do lote de três favoritos à vitória final.

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