Ninguém na plateia poderia imaginar, mas Nuno Guerreiro deu os últimos concertos da sua vida a 30 e 31 de março, no Cineteatro Louletano, em Loulé, precisamente a sua terra natal. Agora, depois de se saber que o artista morreu aos 52 anos, esta quinta-feira, 17 de abril, as atuações tornaram-se ainda mais emblemáticas.
“Houve projeções da vida dele e contou histórias de alguns dos momentos mais importantes do percurso profissional”, conta à NiT, José Branco, maestro da Banda da Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva de Loulé, com quem o cantor subiu ao palco da sala algarvia.
Antes de começar o espetáculo, Nuno Guerreiro apenas pediu uma coisa: que as apresentações fossem filmadas, “um sonho que já tinha há muito tempo”.
“O Nuno lançou esse desafio e nós aceitámos. Ele dizia-me muitas vezes que queria mesmo dar este concerto na terra dele com músicas que nunca tinha gravado antes.”
“Profissional” é o melhor adjetivo que José Branco se lembra para descrever o vocalista dos Ala dos Namorados, que se mudou aos 16 anos de Loulé para Lisboa. Apesar de ter uma rotina atarefada, Nuno fez sempre questão de estar a horas nos quatro ensaios que marcou com a banda filarmónica. Enquanto ensaiavam, ia crescendo o sentimento de admiração entre todos os artistas, desde miúdos a adultos.
“As crianças gostavam muito dele. Quando sabiam que ele ia estar num ensaio, nunca faltavam“, recorda o maestro.
Outro adjetivo que pode ser utilizado para representar o cantor é “perfecionista”. Mesmo depois de ter ensaiado durante horas, continuava a sentir-se nervoso e a pensar que o resultado final não seria o melhor.
“Ele era assim para garantir que o público tinha a melhor experiência possível”, explica.
Apesar da insegurança, o objetivo do cantor foi alcançado com estes dois espetáculos memoráveis. No final, foi ovacionado de pé pelos fãs que esgotaram o Cineteatro Louletano — cuja capacidade é de 375 espectadores. A sala composta contava ainda com os 77 músicos em palco e, no centro de tudo, Nuno Guerreiro. “Ele sempre valorizou o talento dos miúdos da banda e tratava-os com todo o respeito. O Nuno via-se como um todo e qualquer um em palco era importante, desde o guitarrista ao trompetista. No final, fazia questão de agradecer a toda a gente.”
O entusiasmo dos algarvios em relação ao concerto era evidente. Os bilhetes esgotaram 15 dias antes das datas. “O concerto não era tão intimista como se fosse apenas o cantor e esse é um conceito que cativou as pessoas.”
Inicialmente, estava previsto que os espetáculos durassem cerca de uma hora e 15 minutos, “mas bateram nas duas horas”.
“O Nuno estava na terra dele e gostava de mostrar ao público o que estava a sentir. Ele estava mesmo muito feliz naqueles dois dias e disse que estava de coração cheio.”
Apesar de ter passado vários anos em Lisboa, o seu coração sempre pertenceu a Loulé. Nos últimos anos, até começou a trabalhar na cidade — não a gravar novas canções, mas sim na produção do Cineteatro Louletano.
“Ele trabalhava junto ao palco e dizia que era aquilo que realmente gostava de fazer. Gostava de estar em movimento e de ter contacto com os artistas.”
Mas não foi apenas com os artistas que Nuno Guerreiro criou uma relação de proximidade. No dia a dia, era comum os conterrâneos verem-no nas esplanadas — e nunca tinham medo de ir falar com ele. Muitas vezes, falavam durante longos minutos e até se sentavam juntos à mesa.
Mesmo assim, havia algumas circunstâncias em que o cantor se isolava de todo o mundo, mas, mais uma vez, era para garantir que todos os fãs teriam uma boa experiência nos seus espetáculos. “Quando ele aquecia a voz, fechava-se no camarim com a assistente dele que lhe dava água.”
Quando já estava pronto a subir ao palco, “não parava quieto e andava sempre de um lado para o outro”. No entanto, fazia questão de arranjar tempo para desejar boa sorte — ou “boa merda”, como dizia — a todos os artistas presentes. “Em 34 anos como maestro, nunca tinha conhecido uma pessoa como ele e o concerto vai ficar na memória. Já se passaram semanas e as pessoas ainda falam comigo sobre isso. Há muitos anos que Loulé não via um espetáculo assim.”
Nuno Guerreiro, porém, não era apenas um artista capaz de esgotar salas de espetáculos. “O Nuno era uma pessoa doce, sem maldade e com uma voz espetacular. Só quem fosse maldoso é que não via isso”, afirma José. Em poucas palavras, “Ele era um exemplo a seguir.”
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