Televisão

Os segredos (e as mentiras) das renovações dos Property Brothers

Obras apressadas, reações fingidas e finais inventados. Isto é tudo o que não vemos, mas acontece nos bastidores.
Nem tudo é o que parece

Parece tudo saído de um sonho: uma casa modesta de orçamento simpático é trabalhada e transformada em tudo aquilo com que os novos donos sonharam. Pelo meio ultrapassam-se obstáculos, burocracias, defeitos de construção — e o final é sempre feliz.

Os programas de renovações tornaram-se num sucesso absoluto na televisão. Por cá, existe o “Querido, Mudei a Casa”, mas nos Estados Unidos, o mundo do reality shows é um autêntico parque de diversões com formatos de todas as formas e feitios.

Os irmãos Scott são, provavelmente, o nome mais reconhecível por parte do público português. Donos de um império, são as caras mais conhecidas deste género televisivo e autores de mais de uma dezena de versões. Embora o formato vá sendo moldado, o essencial não muda: há sempre uma casa para renovar e transformar num palacete.

A verdade é que estamos dentro do mundo dos reality shows. O que vemos não é um documentário. É um programa de entretenimento pensado para ser empolgante, mesmo que isso seja feito à custa dos concorrentes. Pode parecer um paradoxo, mas nestes reality shows, parece não haver muita realidade.

Ao longo dos anos, muitas dúvidas sobre os métodos usados foram sendo levantadas por espectadores e, mais tarde, por concorrentes dos “Property Brothers”, mas também dos conhecidos “Love It or List It” e “Fixer Upper”.

Se encontrar a casa perfeita em três ou quatro visitas parece irreal, é porque talvez seja. Concluir uma renovação quase total em meia-dúzia de semanas? É complicado.

No caso dos irmãos Scott, os próprios foram deixando pequenas pistas sobre os bastidores dos programas. “Obviamente que não vou instalar 400 metros quadrados de soalho. Temos empresas para fazer isso tudo”, revelou Jonathan Scott à “Popsugar”

Sabe-se também que muitos dos casais que participam no programa já compraram a sua casa nova — e, portanto, todo o processo de procura pelo lar ideal coordenado por Drew Scott é um embuste para manter intacto o formato.

“Por vezes há concorrentes que já identificaram uma casa de que gostam. E porque no programa tudo acontece tão rapidamente, percebemos que fazê-lo com pessoas que nem sequer começaram a procurar uma casa não funciona lá muito bem”, justifica Jonathan.

Jonathan e Drew tornaram-se milionários

Este não é o único entrave colocado pela produção a potenciais concorrentes. No caso dos irmãos Scott, também está vedado o acesso a pessoas singulares. A preferência é dada a recém-casados, casais noivos ou famílias. A exceção só se abre quando é possível envolver amigos ou familiares no programa — e se os produtores acharem que são capazes de gerar bons momentos televisivos.

Foi também revelado que aos concorrentes é exigido um orçamento de contingência no mínimo de 70 mil euros, para acautelar quaisquer imprevistos nas obras.

Parte do apelo dos irmãos é a relação aparentemente próxima que vão criando com os concorrentes e as famílias e amigos. Acontece que os encontros entre Jonathan e Drew e os participantes são raros e normalmente muito rápidos. Durante todo o processo de renovação, que costuma durar nunca menos de seis semanas, pede-se que estejam disponíveis para oito sessões de filmagens — as alturas em que partilham o ecrã com os apresentadores.

Foi a um fórum do Reddit que muitos antigos concorrentes acorreram para descrever as suas experiências neste tipo de programas. Houve quem testemunhasse que nenhum dos diálogos era sequer genuíno, com apresentadores e concorrentes a lerem as suas deixas durante as gravações. 

Em 2017, o “The New York Times” relatava um dia nas filmagens do programa. O vento do dia anterior havia arrancado uma placa de metal do telhado que acabou por cair na entrada da casa. O que havia a fazer? Recriar o momento no dia seguinte, fingindo que tudo tinha acabado de acontecer. 

Os trabalhadores foram estrategicamente colocados no enquadramento, simulou-se o ruido da queda e a câmara acompanhou a corrida de Drew, que fingiu o espanto de ver o estrago pela primeira vez. “Vamos repetir essa corrida”, gritou o realizador. Foram precisos três takes para concluir a cena. “Ao fim do dia, temos que fazer um programa de televisão interessante”, confessou Drew.

Feita a obra, talvez também já tenha reparado que raramente são mostradas todas as divisões. Isso acontece porque só parte da casa é remodelada. Os participantes têm que escolher quatro divisões que serão alvo de transformação.

Essa é a parte mais difícil, certo? Depois das obras, vem a parte divertida da decoração, que é o que coloca as novas casas a brilhar. Bem, talvez não seja bem assim. É que segundo vários relatos — e que envolvem não só os Property Brothers mas também o conhecido “Fixer Upper” —, as peças decorativas são apenas colocadas para o programa. Assim que as câmaras se desligam, é tudo retirado.

No caso do “Fixer Upper”, o catálogo das peças compradas é entregue aos donos da casa, que podem optar por manter tudo tal e qual ficou gravado, mediante um pagamento extra no valor que foi gasto pela produtora.

Esta é uma longa lista de pequenos truques usados pelas produções para criarem a ilusão de que estas equipas de renovação fazem acontecer o impensável. Na verdade, é tudo uma forma de entreter os telespetadores.

O último episódio de “Fixer Upper” foi emitido em 2018 — mas o programa vai voltar

O HGTV, o canal que transmitem todos estes programas nos Estados Unidos, revelou que tende a “ajustar e editar os calendários das obras para ajudar a produção”, isto porque seria impossível fazer renovações totais em tão curtos espaços de tempo. Sobretudo quando percebemos que numa temporada são gravados muitos episódios em simultâneo.

A conclusão de obras tão profundas em tão pouco tempo acabam por ter um custo. No melhor dos casos, são os acabamentos que sofrem; no pior, as casas acabam por apresentar problemas graves de construção.

Um dos relatos descreve uma renovação do programa “Changing Rooms” que ficou bem aquém do esperado: “Ficou bonito (…) mas aguentou-se muito mal. Os murais na parede começaram a descolar e rapidamente ficou com mau ar”, conta um dos testemunhos.

Noutro caso, num programa mais conhecido, o “Extreme Makeover”, uma das obras ficou completa no espaço de uma semana com a ajuda de voluntários. “Construíram tudo sob uma chuva intensa e a casa ficou cheia de problemas. O dono reclamou com a produção e eles disseram-lhe que teve tudo de borla, agora ele que reparasse as coisas.”

Um dos relatos chegou diretamente de um membro da equipa de construção de um programa da HGTV. Numa das obras, os apresentadores optaram por usar azulejos marroquinos e pediram para que não usassem argamassa nas juntas. “Isso correu tão bem quanto seria de esperar. As filmagens terminaram e fomos chamados ao local umas semanas depois para substituir os azulejos que já tinham começado a lascar e a tornar-se perigosos.”

Um dos relatos, contudo, é bem demonstrativo de que não devemos acreditar em nada do que vemos nestes programas. O sucesso “Love It or List It” levantou suspeitas logo desde o primeiro episódios.

O “Love It or List It Vancouver” foi um dos primeiros da série transmitidos em Portugal

Com edições em vários países, o formato era sempre o mesmo: os concorrentes viam três ou quatro casas; escolhiam uma com um orçamento apertado; um problema de construção obrigava a mais despesas que os forçavam a não renovar uma ou mais divisões; as tensões entre o casal adensam-se; e no fim escolhem se querem ficar com a sua casa renovada ou mudar-se para a nova.

A prova de que tudo é preparado de antemão está naquele que é um dos relatos mais chocantes. Num dos episódios da versão americana, já depois das renovações feitas, a produção pediu aos concorrentes para gravarem duas versões do final: uma em que optavam por ficar na sua casa; e outra em que decidiam vendê-la. 

O casal optou, na realidade, por ficar na sua casa de sempre. Não foi isso que foi transmitido na televisão nacional. “Eles ainda moram na casa que amam, mas o programa mostrou que eles tinham decidido vendê-la.”

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