Cinema

“Promising Young Woman” é o filme super original e provocador que todos devíamos ver

Ganhou o Óscar de Melhor Argumento Original mas podia ter vencido vários outros.
Carey Mulligan é a protagonista.
78

O movimento #MeToo abalou a indústria de Hollywood e provocou algumas mudanças estruturais. Mas nem sempre isso se tem traduzido — ou da melhor forma, pelo menos — nas histórias que vemos nos cinemas. Pois bem, “Promising Young Woman” conseguiu a proeza de ser um filme totalmente relevante no cenário atual — enquanto também é, em si mesmo, independentemente do tema, um ótimo filme.

A produção realizada e escrita pela estreante Emerald Fennell (que é mais conhecida como atriz e venceu este domingo o Óscar de Melhor Argumento Original) estreou em Portugal a 29 de abril. Em português, o título é “Uma Miúda com Potencial”.

Esta é a história de Cassandra (interpretada pela talentosa e carismática Carey Mulligan). Ela é uma mulher nos seus 30 anos, ainda a morar em casa dos pais — para irritação deles — que durante o dia leva uma vida aborrecida e monótona a trabalhar num café.

À noite, porém, Cassandra transforma-se e assume o seu fato de super-heroína vigilante para cumprir a sua missão — isso inclui maquilhar-se, vestir-se de forma apelativa e ir sozinha para bares onde finge estar completamente bêbeda.

Ela é uma predadora a fingir-se de presa para os homens que a vão abordar, pensando que é uma oportunidade fácil de levarem alguém para casa naquela noite. Melhor, vamos corrigir: ela é uma mulher numa sociedade machista que culpa as vítimas, que sofre de traumas do passado, mas que se cansou de ser presa para passar a caçar os predadores — os tais homens que a vão abordar, achando que uma rapariga bêbeda e solitária é um alvo fácil.

Uma das coisas mais inteligentes que “Promising Young Woman” faz é que não coloca estes homens como pacóvios retrógrados estereotipados. Nada disso. Muitas vezes, como o filme demonstra, os verdadeiros predadores são homens arranjados e simpáticos, aparentemente atenciosos e modernos, que até parecem ter boas intenções, mas que se revelam no momento da verdade.

O modus operandi de Cassandra é simples. Quando chega o momento em que os homens tentam ir longe de mais para se aproveitarem de uma rapariga vulnerável — ela deixa cair a máscara e mostra-lhes como não está de todo embriagada, apontando que aquilo que estão a fazer é totalmente errado, e, basicamente, dando-lhes uma grande (e inesperada) lição. Mais uma vez, estes homens não estão a ser os violadores ou assediadores mais convencionais que, obviamente, toda a sociedade condena.

“Promising Young Woman” está mais interessado em explorar as nuances, as pequenas atitudes que o homem comum pode ter no dia a dia e que nem se apercebe de que podem ser completamente erradas — e que podem originar grandes danos. É o filme a ser inteligente, a fazer com que todos nos possamos identificar de alguma forma.

Esta é a base de partida do enredo. Ao longo de uma hora e 53 minutos de filme, vamos descobrindo o que está por trás deste modo de vida de Cassandra — qual é o trauma do seu passado que a tornou no que é hoje —, enquanto também acompanhamos uma relação a formar-se entre a protagonista e um velho colega de faculdade que reencontrou por acaso. Carey Mulligan foi a escolha perfeita para o papel.

À superfície parece um filme leve — é bastante divertido e empolgante —, mas tem várias camadas de conteúdo por baixo de cada frase ou pormenor de realização. “Promising Young Woman” é mesmo um dos melhores filmes do último ano, um trabalho super original e (bom) provocador, que, acima de tudo, todos os homens deviam ver.

O final, além de surpreendente, é explosivo — um clímax ideal para tudo o que se passou até então. Há comédia, drama profundo e momentos de alta tensão neste filme que contorce os géneros de cinema para nos dar um tom muito próprio. É uma vingança saborosa e refrescante que nos deixa a refletir. Venham mais, Emerald Fennell.

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