A arte e vida de Virginia Woolf sempre fascinaram a atriz brasileira Cláudia Abreu, conhecida pelos seus papéis em “Cheias de Charme” e “Celebridade”. A obsessão pela autora levou-a a escrever um monólogo que foi apresentado no Brasil em 2022 e que esteve em cartaz durante mais de dois anos. Entre 6 e 9 de fevereiro, a peça de sucesso “Virginia” poderá ser vista no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
“A atriz brasileira Cláudia Abreu apresenta o seu primeiro monólogo, idealizado e escrito pela própria, a partir da vida e obra de Virginia Woolf. Em cena, a atriz interpreta a genial escritora inglesa, cuja trajetória foi marcada por tragédias pessoais e uma linha ténue entre a lucidez e a loucura. A estrutura do texto apoia-se no recurso mais característico da literatura da escritora: a alternância de fluxos de consciência, capaz de ‘dar corpo’ às vozes reais ou fictícias, sempre presentes na sua mente”, lê-se na sinopse.
Apresentar o monólogo em Lisboa era um desejo de há muito tempo. Isto porque Cláudia Abreu terminou o texto precisamente na capital, onde morou durante a pandemia. “Gosto de passear por Monsanto. É um lugar muito especial para mim porque os meus filhos estudavam em Alfragide e eu passava sempre por Monsanto na ida e volta. Era um lugar que me inspirava muito e passeávamos muito por lá”, conta à NiT a atriz de 54 anos.
Durante esse período, aproveitou para se inscrever numa pós-graduação de Artes Cénicas na Pontifícia Universidade Católica, uma universidade do Rio de Janeiro, curso que completou remotamente. E foi graças a esse mesmo curso que descobriu outra paixão: a escrita.
Preparar o monólogo não foi tarefa fácil. Começou por ler quase toda a obra, diários, biografias e memórias da infância e juventude de Woolf. Depois, percebeu que não faria sentido focar-se num aspeto só de uma vida que foi tão conturbada. “Poderia falar só sobre um tema, só sobre saúde mental ou só sobre a questão do feminismo, mas depois pensei que queria falar de tudo isso porque é isso que compõe esse mosaico que era a Virginia”, reforça.
Entre 6 e 8 de fevereiro, a peça será apresentada pelas 21 horas. A 9 de fevereiro, começa pelas 17 horas. Os bilhetes podem ser adquiridos online e custam 22€.
Leia agora a entrevista da NiT a Cláudia Abreu.
Pode falar sobre o conceito da peça?
É um inventário íntimo sobre a grande escritora que foi a Virginia Woolf. Ela suicidou-se com pedras nos bolsos e atirou-se ao rio. A minha curiosidade foi perceber o que se passou na cabeça desta pessoa brilhante quando ela percebeu que, de facto, dessa vez tinha conseguido acabar com a própria vida. Ela era uma pessoa muito instável emocionalmente e psicologicamente. Alternava entre momentos de lucidez e de extremo tormento e construiu toda a sua obra com estas crises. Na peça, pergunto-me se também escreveu nos momentos de lucidez ou se a loucura, digamos assim, era até excesso de lucidez.
A peça aborda aprofundadamente a questão da saúde mental.
Sim. É muito fácil você taxar como loucura o que não está dentro de um padrão considerado normal. E o normal, tal como sabemos, varia de tempos em tempos. É óbvio que ela tinha um desequilíbrio importante emocional e psíquico, mas ela também tinha uma hipersensibilidade, uma hiperreflexão, como se ela tivesse uma perceção muito privilegiada, sensível da existência e talvez não tenha dado conta disso. Foi muito interessante fazer este inventário íntimo dela. Ela tornou-se na minha personagem central e os fluxos de consciência acabaram por ser a minha escolha para falar sobre a vida dela, o que ela pensaria nestes últimos instantes de consciência. A partir disso, ela conta a sua vida toda. Recorda-se como se formou, como se tornou numa das maiores escritoras do século XX e como é que foi ali parar. Foram todas estas questões que me nortearam durante a escrita da peça. Queria falar sobre uma grande mulher que é intemporal, porque a obra e a vida dela são absolutamente atuais. A condição da mulher é um tema atual. O que aconteceu com ela há 100 anos continua a acontecer.
Como é que foi feita a pesquisa para a escrita do texto?
Não recorri a ninguém em específico que seja especialista em Virginia Wolf. Segui o meu próprio instinto. Primeiro, li quase toda a obra, li os diários, as biografias e as memórias dela da infância e da juventude, antes de se tornar famosa. Fui lendo tudo sobre ela e depois pensei: “que recorte é esse que eu vou fazer sobre ela?”. Poderia falar só sobre um tema, só sobre saúde mental ou só sobre a questão do feminismo, mas depois pensei que queria falar de tudo isso porque é isso que compõe esse mosaico que era a Virginia.
Como é que surgiu o gosto pela escrita?
Sou formada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e foi nesse curso que ganhei o gosto pela escrita. Foi isso que me levou a querer escrever. Depois da tese comecei a escrever ficção e escrevi uma série chamada “Valentins” que teve duas temporadas. Teve muito sucesso. A partir daí comecei a ganhar gosto para escrever coisas que faria como atriz. Durante a pandemia, quando morei em Portugal, inscrevi-me numa pós-graduação de Artes Cénicas também na Pontifícia Universidade Católica em que as aulas eram online com pessoas de todo o Brasil. Através do curso fui colocando em prática todas as minhas escritas sobre Virginia. O meu trabalho final foi aquilo que, atualmente, é a peça. Comecei a escrevê-la no Brasil e terminei-a em Lisboa.
Lisboa tem um significado especial para a Cláudia e para esta peça, porque foi aqui que a acabou de escrever. Foi graças a isso que a quis apresentar na cidade?
Sim. Na verdade, já era um desejo antigo poder ir para Lisboa e para Portugal como atriz, não só através do meu trabalho em televisão, que é onde eu sou conhecida, porque fiz telenovelas durante toda a minha carreira e também cinema e teatro, sendo que no cinema, porventura, algum filme pode ser exibido em Portugal, mas teatro, realmente, os portugueses nunca tiveram acesso à minha carreira. A minha carreira é mais ampla do que só o que eu faço na televisão. O público português só conhecia uma vertente do meu trabalho e era um desejo antigo que eu pudesse apresentar outras formas de trabalho, de interpretação, e que os portugueses pudessem me conhecer de outra maneira. Já tinha feito outras tentativas de ir com peças anteriores, mas nunca dava certo de alguma maneira porque a peça era cara e não tinha patrocínio. Sempre existia algum impedimento. Esta peça é muito simples porque, na verdade, é um monólogo. Sou a única atriz, sou autora e produtora da peça. Finalmente deu certo e o Teatro Maria Matos combina mais com o estilo da peça do que, por exemplo, um teatro grande como o Tivoli, que é onde normalmente as produções brasileiras costumam ir.
Qual foi o maior obstáculo que encontrou quando estava a escrever a peça?
Complementado a pergunta sobre fazer sentido apresentar a peça em Portugal, não só existia esse desejo de apresentar outras facetas como atriz e, principalmente, no teatro em Portugal, como terminei de a escrever em Lisboa. De facto, o meu desejo era ter estreado a peça aí, mas não consegui. Com a pandemia realmente foi um caos. Toda a gente queria voltar à normalidade, mas foi mais viável que a estreasse no Brasil. Voltar a Portugal tem um sentido especial porque vivenciei muito esta criação. Também tinha muito receio de fazer um monólogo. Mesmo antes de o escrever, sempre achava que não ia gostar de fazer monólogo porque gosto de contracenar com os outros atores. Gosto do jogo cénico e não gosto de estar em cena sozinha. Mas, ao mesmo tempo, os fluxos de consciência estão dentro da cabeça dela. Poderia personificar estes fluxos noutros atores em cena, mas achei que seria muito importante que eu estivesse sozinha no palco para mostrar a solidão dela. Eu sou a mãe, sou o pai e os amigos dela, sempre através da Virginia.
A Cláudia identificou-se com algum episódio em específico da vida de Virginia Woolf?
Acho que a minha vida até aqui tem sido bastante diferente da vida dela. Mas acho que toda a gente tem família, tem relações de família de muito amor e, às vezes, tem as suas questões familiares e tudo mais. Acho que toda a gente, de alguma maneira, se identifica com algum aspeto. Esta questão dela sempre desconfiar de si mesma é uma sensação conhecida também. Ela quase enlouquecia de medo de não ser reconhecida por um trabalho novo. Eu não chego a esse ponto, mas toda a gente tem, de alguma forma, uma insegurança de que vai acertar da próxima vez. Ninguém tem essa certeza, nem o maior génio da sua área tem a certeza de que vai sempre acertar. Também abordo a questão feminina, a opressão moral, sexual ou qualquer outro tipo de desvalorização da mulher em relação ao homem. Toda a mulher já passou por alguma situação assim.
Quando a Cláudia viveu em Lisboa, tinha alguns spots favoritos?
Gosto muito de Lisboa e já me sinto em casa. Vou aí todos os anos em férias, muito antes de ter morado aí. Gosto de passear por Monsanto. É um lugar muito especial para mim porque os meus filhos estudavam em Alfragide e eu passava sempre por Monsanto na ida e volta. Era um lugar que me inspirava muito e passeávamos muito por lá. Os meus filhos também andavam de skate. É um pulmão maravilhoso da cidade. Quando era verão, também gostava muito de ir à praia na Caparica e gostava da vida de bairro. Acho que Lisboa tem uma qualidade de vida espetacular. Gostava de andar de bicicleta na orla, de jogar padel debaixo da Ponte 25 de Abril. Adorava a natureza.
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