O impensável aconteceu este ano — e ainda está a acontecer. Um vírus parou o mundo e milhões de vidas ficaram em suspenso. Inês Ventura, portuguesa de 36 anos, foi, como tantos outros, enviada para casa em regime de teletrabalho, onde continuou a trabalhar na área de recursos humanos da sua empresa.
Contudo, teve de interromper os trabalhos part-time que fazia — Inês Ventura é fotógrafa freelancer há cerca de quatro anos. Durante a quarentena, pensou em começar um projeto que retratasse esta realidade e que contasse histórias de pessoas que, de uma forma ou outra, foram afetadas pela pandemia. Assim nasceu o projeto Suspenso, em meados de maio.
“A minha ideia era arranjar uma forma de retratar a situação — se olhares em volta há imensas histórias de pessoas que ficaram em suspenso, e todos nós ficámos de alguma forma, mas uns mais do que outros, principalmente a nível laboral, e então foi aí que pensei nisso. Comecei a fazer alguns contactos, para que quando fosse levantado o estado de emergência eu pudesse ir fotografar as pessoas e contar as suas histórias. Também foi um bocadinho inspirado na página Humans of New York, só que focado na pandemia”, conta Inês Ventura à NiT.
A fotógrafa publica três retratos de cada pessoa que entrevista — e conta a sua história através de três publicações diferentes numa conta de Instagram que criou para o efeito. Tanto encontramos por lá um personal trainer que teve de começar a dar aulas online e que viu todo o seu trabalho normal interrompido, como o dono de um restaurante histórico que teve (e tem) de lidar com todas as dificuldades, ou um jovem treinador de futebol que ficou sem poder trabalhar.
“A minha ideia era demonstrar que isto, realmente, foi a todas as áreas. Teve um impacto muito grande em todas as áreas e a minha ideia foi passar essa mensagem e ainda vai estando em curso porque ainda estou a retratar pessoas, enquanto fizer sentido. Ainda estamos numa fase a adaptar-nos a este novo normal.”
Há histórias de pessoas que ficaram desempregadas ou que tiveram de mudar de área, mas algumas também são mais positivas — em muitos casos foi necessário fazer grandes adaptações, mas, depois, foi possível prosseguir com o trabalho.
“Houve duas histórias que me marcaram um pouco mais”, confessa Inês Ventura. “Uma delas foi mesmo a primeira que lancei, de uma rapariga que é a Carolina, que ficou desempregada no início do ano, ainda antes de se prever que tudo isto ia acontecer. Portanto, a procura de trabalho ficou pendente e julgo que ainda está desempregada. Ela ficou desempregada depois de um despedimento coletivo, mas não estava propriamente preocupada porque trabalhava na área de produção de eventos, tinha alguns contactos, sabia que rapidamente conseguiria voltar ao ativo, só que depois aconteceu isto tudo, não há eventos, portanto ela está um pouco a ver para que área é que se vai meter.”
A outra história é a de Catarina Rogado. “Também acho que foi muito impactante, é de uma rapariga chamada Catarina que é doente oncológica — e na altura que isto despontou teve a notícia de que tinha de iniciar os tratamentos, só que não sabia se tinha tratamentos disponíveis para começar. Foi toda uma história que, felizmente, correu bem. O hospital conseguiu dar resposta, mas é toda aquela incerteza, aquele sem saber o que irá fazer, o que irá acontecer a seguir. Lá está, ficou em suspenso. E essa história também foi uma das que me marcaram.”
Inês Ventura fotografou ainda algumas figuras conhecidas, como Tó Trips, músico dos Dead Combo, que teve de adiar a última tour da banda — e que também falou sobre isso com a NiT. Outro caso foi o ilustrador e tatuador Hugo Makarov, também conhecido por ser um colaborador habitual do chef Ljubomir Stanisic.
“Muitas delas até posso dizer que ficaram minhas amigas. Por exemplo, houve um ilustrador que fotografei, o Makarov, ficámos amigos e mantemos o contacto. Também retratei o Tó Trips, como consequência do manifesto feito por ele que tinha circulado na Internet, ele foi super recetivo e ainda hoje, se lhe enviar um email, ele responde. E eu não tinha ninguém que fizesse a ponte para chegar até ele.”
Entretanto, Inês Ventura — que é formada em psicologia e especializada na área de recursos humanos — também ficou em suspenso em relação aos seus trabalhos de fotografia.
“Todo este trabalho que tenho desenvolvido tem sido fora de horas. Eu andava a fazer eventos, projetos em que andava a retratar pessoas na rua, e essa parte da fotografia parou, basicamente. Desde que o estado de emergência foi levantado que tem sido complicado retomar a parte da fotografia. Por um lado, tem-me permitido focar noutros projetos pessoais dentro da fotografia, mas a nível profissional, de obter rendimentos, ainda não foi possível retomar.”
Carregue na galeria para ver exemplos de fotos tiradas para o projeto Suspenso e ler algumas das histórias — as restantes estão disponíveis no Instagram, que tem conteúdo regular e que promete continuar a ter.