Quando se mudou para Lisboa, tinha apenas 14 anos, os únicos amigos de Iryna Khayetska eram os lápis de cera e as folhas de papel. Numa vida sempre em mudança, a pintura foi uma das poucas coisas constantes na vida da ucraniana. Embora tivesse posto esta paixão em pausa durante vários anos, nunca se esqueceu do refúgio que encontrou na arte. Hoje, vende peças por vários milhares de euros.
Nascida a 2 de janeiro de 1991, na pequena cidade de Buczacz, na Ucrânia, viveu uma infância modesta, numa família quase toda ela dedicada à agricultura. “Foi uma infância razoavelmente aceitável. Sem grandes luxos, mas tivemos um pouco de tudo, especialmente dos valores transmitidos pelos pais a avós”, conta à NiT.
Os dias eram passados com as mãos na terra, a colher batatas e cenouras, a dar de comer aos animais. “Era o dia a dia de uma pessoa comum”, resume. “Também aprendi a ter muita responsabilidade. Ajudou-me a abrir os olhos, a não ser preguiçosa e a ter disciplina.”
Agora com 33 anos, recorda o grande gosto pela pintura que tinha já à época, embora o tempo para se dedicar à arte fosse escasso. Pelo menos em casa. Na escola, o cenário era diferente. “Tínhamos uma disciplina de pintura e a professora era espetacular. Foi por causa dela que desenvolvi este gosto. Ela elogiava-me bastante e eu sentia-me feliz com isso”, confessa.
A vida ficou de pernas para o ar quando se mudou para Lisboa aos 14 anos, obrigada a deixar para trás os amigos e avós com quem vivia, para se reunir com os pais, que haviam feito a viagem dois anos antes. O pai trabalhava nas obras e a mãe nas limpezas. Quando chegou, não falava português e inglês, o que dificultou a integração. O sentimento de solidão também foi influenciado pelas diferenças culturais.
“Aqui as pessoas são mais abertas e falam sobre tudo com menos medo. Lá, éramos mais fechados.” A adaptação acabaria por surgir, com uma ajuda extra do pai. “Ele fez-nos decorar pelo menos dez palavras novas todos os dias. Foi assim que comecei a aprender.” Os colegas “eram simpáticos” a ajudavam-na com as traduções.
Mais importante, neste processo, foi novamente a arte. “Sempre foi uma forma de terapia e desde miúda que gostava de tudo o que tinha a ver com artes, arquitetura, literatura e história. A vida lá não nos proporcionava certas e determinadas coisas, mas quando cheguei cá, como passava bastante tempo em casa, aproveitava para pintar.”
A pintura só começou a ser encarada a sério há cerca de três anos, já no final da pandemia da Covid-19. Um percurso rápido que lhe permite hoje viver inteiramente da arte.
Trocou os lápis de cera pelo óleo, embora também já tinha pintado com carvão e acrílicos. “Não sei bem como descrever o meu estilo, mas misturo figuras humanas com o abstrato.” O que sabe, contudo, é que o sente quando põe as mãos à obra: “O mundo pára à minha volta. Encontrei o meu estilo e consigo dizer que, quando pinto, refugio-me nos sentimentos que tenho dentro de mim e, depois, consigo transpô-los para a tela.”
Há dois anos que vive sobressaltada, como quase todos os ucranianos, com a preocupação pelos avós e restantes familiares que ficaram para trás numa Ucrânia hoje traumatizada pela guerra em curso. Embora vivam perto da fronteira com a Polónia, a cerca de 200 quilómetros, é comum Iryna receber relatos de cortes de água e eletricidade.
“Não há invasão na zona deles, mas tenho alguns colegas de escola que já faleceram durante a guerra, rapazes que estudavam comigo.” Há um ano também perdeu um primo. Nunca soube o que lhes aconteceu. “Eles não dizem os detalhes. Só aparecem os corpos”, lamenta.
A vida continua do outro lado do continente e Iryna continua a pintar. As suas peças estão expostas em duas galerias: na Arca, no hotel The One, e na Arca do Hilton do Saldanha, ambas em Lisboa. Uma oportunidade que surgiu quando, num evento de outro colega, conheceu Gretta, a curadora. “Durante a conversa disse-lhe que também adorava pintar e apresentei-lhe a minha arte. Ela gostou e fez-me o convite para estar nestes locais”, recorda.
Iryna tem várias peças à venda, com preços que variam entre os 900€ e os 1.950€. Para 2025, o objetivo está traçado: “Quero levar a arte a mais pessoas.”
Carregue na galeria e veja algumas das peças de Iryna.