Arthur Brand era um miúdo com sonhos, mas ao contrário dos colegas de escola, sabia que não era nenhum génio. Resignou-se e prosseguiu com a sua vida, acabando por se mudar para Espanha com um amigo, já jovem adulto.
Sem saber falar espanhol, limitava-se a observar. Todas as noites, da varanda, via um grupo de rapazes a carregarem pás em cima de uma carrinha e partirem noite fora. Um dia, ousou perguntar: “Vamos escavar”, responderam. “Escavar o quê?” “Tesouros.”
Brand ficou fascinado e, nessa noite, acompanhou-os. À luz de um par de tochas, escavaram e encontraram três moedas romanas de prata. “Fiquei fascinado. Pela primeira vez na vida percebi que até para pessoas como eu, ainda havia muito por descobrir”, explicou o neerlandês numa Ted Talk em 2015.
Hoje, aos 54 anos, dá-se a conhecer pela alcunha “Indiana Jones”, isto porque é o responsável pela recuperação e resgate de centenas de obras de arte perdidas, roubadas ou desaparecidas sem deixar rasto. Um dos casos mais paradigmáticos aconteceu em 2015, com um tesouro de artefactos ligado ao regime nazi, mas particularmente um par de estátuas de cavalos.
Um dia, uma das suas fontes enviou-lhe uma imagem de duas estátuas enormes de dois possantes cavalos que circulavam pelos mercados ilegais de venda de arte. “Percebi logo do que se tratava. Qualquer um que olhe para aquelas estátuas as reconhece”, contou o neerlandês.
As esculturas de cinco metros de altura foram criadas por Josef Thorak, um dos artistas preferidos de Adolfo Hitler. Foi ele quem recebeu a comissão para a criação das estátuas que adornariam a entrada da chancelaria do Terceiro Reich.
O quartel-general de Hitler recebeu assim os dois cavalos, que permaneceram imponentes, na entrada, a “poucos metros do gabinete de Hitler”. “Assistiram à ascensão e a queda de Hitler”, nota Brand. E, por isso mesmo, as peças tinham um valor incalculável. Só havia um problema: “Tinham sido dadas como destruídas durante a batalha com os soviéticos pelo controlo de Berlim”.
Brand tentou resolver o dilema: seriam apenas réplicas de um vendedor mal-intencionado ou haveria algo mais naquela história? Após algumas semanas de investigação, o neerlandês deparou-se com um vídeo dos últimos dias do regime nazi e aquelas que se creem ser as derradeiras imagens de Hitler com vida.
“Tive que ver o vídeo várias vezes até perceber que a chave para resolver este mistério estava ali mesmo à minha frente. Só então percebi que estas imagens foram captadas no jardim da chancelaria. E no local onde deveriam estar os cavalos, não se via nada”, conta. “Mais: a chancelaria também não estava danificada, o que só podia significar que antes da Batalha de Berlim, Hitler mandara retirar os cavalos.”
E isso significava que os cavalos da fotografia que lhe fora enviada poderiam muito bem ser os originais. Brand sabia que era uma descoberta importantíssima, até porque todas as peças do Terceiro Reich pertencem, por direito, ao estado alemão e qualquer venda seria, dessa forma, ilegal. Com um jornalista do “Der Spiegel”, o neerlandês decidiu morder o isco e tentar ajudar as autoridades a resgatar as peças.

Uma investigação mais profunda revelou que Hitler retirou essa e outras peças de Berlim, antes da chegada das tropas soviéticas. Guardou-as numa localidade próxima que haveria também de ser conquistada pelos soviéticos, que assim tomaram posse das relíquias. Mas tudo foi mantido em segredo, para evitar a vergonha de serem apanhados a admirar obras do regime nazi. Ficaram então escondidas num armazém militar da Alemanha do Leste até à queda do Muro de Berlim.
Os russos desfizeram-se das obras e o paradeiro manteve-se desconhecido, até 2015. Brand decidiu contactar o vendedor e apresentou-se como um intermediário de um norte-americano “muito rico” que coleciona “peças únicas e com histórias interessantes”. “Nesse caso, penso que tenho algo que lhe possa interessar”, respondeu o vendedor.
“Nessa noite ele mandou-me a foto que eu já tinha visto. Encontrei-me várias vezes com ele e percebi que ele representava uma rede de alemães simpatizantes do regime nazi. E para minha surpresa, não só tinham na sua posse os cavalos como muitas outras estátuas que em tempos adornaram a chancelaria.”
Ganha a confiança do vendedor, Brand conseguiu obter a identificação dos detentores das peças, que acabou por entregar à polícia. As autoridades fizeram uma operação de apreensão e resgataram dezenas de valiosas obras de arte.
“Nesse dia, o vendedor ligou-me. Estava de férias na Grécia e tinha acabado de saber da operação e da apreensão dos cavalos. ‘Não vais acreditar. Apanharam os cavalos. Alguém deve ter contado tudo à polícia. Agora não os podemos vender, mas tenho mais material para o teu comprador. Também ilegal. Achas que ele está interessado?’ E eu respondi: ‘Nunca se sabe…’”
As caçadas nem sempre foram assim tão simples ou mediáticas. Quando começou a fazer este tipo de investigações, procurou criar uma rede de contactos entre negociantes de arte e especialistas. Todos se riam das suas intenções.
“Ganhei a alcunha de Inspetor Clouseau, aquele inspetor que não conseguia reconhecer um crime ou uma pista, nem que ela acontecesse mesmo à sua frente”, conta. “Gradualmente, começaram a levar-me mais a sério, à medida que também começava a receber ameaças. Receber ameaças é sempre um bom sinal de que estamos no caminho certo para desvendar algo que alguém acha que deve ficar na sombra.”
Formado em arte e arqueologia, decidiu que este seria o seu mundo. Um mundo que é tudo menos pequeno. “Segundo a CIA, o mercado de arte ilícita é a terceira maior atividade criminal em todo o mundo, atrás apenas da venda de armas e de drogas”, explica.
“Um terço do que encontramos no mercado de arte é falso. Muito provavelmente, 10 por cento do que vemos nos museus é falso”, explica. Decidiu então que queria ser ele a investigar esse submundo. “E mesmo que não descobrisse nada de importante, não fazia mal. O objetivo era o de aprender, o de ser curioso.”

A verdade é que a sua curiosidade ajudou a recuperar muitas obras de arte ao longo dos anos. As 12 de setembro, noticiava-se a sua mais recente descoberta: um original de Van Gogh avaliado em seis milhões de euros, roubado em 2020 e agora devolvido por Brand às autoridades, com a pintura enfiada num saco do IKEA. Só Brand foi capaz de solucionar o mistério, investigado há mais de três anos pelas autoridades neelandesas.
Desta vez, foi a sua fama que fez quase todo o trabalho. “Estava numa festa de aniversário quando um homem, que me esperava debaixo de uma árvore, me tentou explicar porque é que me queria entregar o quadro roubado.” Brand contactou imediatamente a polícia, com quem trabalhou em coordenação.
Acontece que a pintura de 1884 fora roubada por um grupo criminoso, que tencionava usá-la como moeda de troca, caso eventualmente algum dos seus membros fosse apanhado e condenado por algum crime. Só que esconder e guardar um Van Gogh original revelou-se um trabalho árduo e a pintura começou a saltar de mãos, entre criminosos. Um homem decidiu então entregar o quadro, em troca de total confidencialidade e anonimato. Pelo caminho, entregou também os nomes dos ladrões da obra.
Ao longo dos anos, estima-se que Brand tenha ajudado a recuperar mais de duas centenas de obras, entre elas mosaicos com mais de 1600 anos, mas também obras de Salvador Dali e até um anel que pertenceu a Oscar Wilde.