Entre o teatro imersivo e a experiência interativa virtual, vai nascer “A Gala”. É uma criação feita durante a quarentena que vai estrear a 30 de julho, pensada por Michel Simeão — o ator e encenador responsável pelo Projeto Casa Assombrada, que tem tido imenso sucesso — e Luísa Fidalgo e Miguel Mateus.
“Não lhe chamamos de peça de teatro, porque as pessoas remetem imediatamente para uma imagem de palco e teatro filmado, e isto não é isso. Isto surge durante a pandemia, comigo e com mais dois colegas que, como eu, também são atores, autores e encenadores”, explica Michel Simeão à NiT. “Os três cada um na sua casa: bora fazer qualquer coisa que seja possível levar para o mundo virtual, mas sem ser aquilo que toda a gente estava a fazer — algo já realizado, já filmado, editado e posto online. Nós queríamos fazer algo que tivesse uma pulsação live.”
Assim, e ao longo de dois meses e de forma remota, criaram “A Gala”. É uma narrativa que vai ser transmitida em direto num site criado de propósito chamado A Matriz, que foi desenvolvido em colaboração com a Pixel Studio. Seis amigos estão a preparar-se nas suas casas para uma gala que vai acontecer algumas horas mais tarde.
O público que estiver a assistir vai ver as seis salas ao mesmo tempo — onde acontecerão três conversas — e vai selecionar que conversa vai ouvir. Irá sempre perder parte do texto mas a ideia é mesmo ir saltando de cenário em cenário.
O elenco vai estar mesmo nas respetivas casas. Além dos três criadores do projeto, Isabela Valadeiro, José Mata e Carolina Carvalho também participam nesta iniciativa.
Carolina Carvalho interpreta uma agente imobiliária chamada Carmo. É descrita como misteriosa, cuidadosa, atenta e submissa, uma mulher exótica e indecifrável. Já Luísa Fidalgo interpreta uma enfermeira chamada Joana. É decidida e apaixonada, festiva e impulsiva, criativa e simpática — sempre teve tudo aquilo que quis.
Michel Simeão faz de João, um agente imobiliário introvertido, reservado e sensível, que se vitimiza e não consegue enfrentar as dificuldades — é consumido por uma crise de consciência que o torna uma pessoa incoerente. Isabela Valadeiro é Maria, que também é agente imobiliária. É extrovertida, vibrante, segura e protetora. Mas também é egoísta, presunçosa e vaidosa, com uma “bússola moral desnorteada”.
Miguel Mateus interpreta Paulo, um hacker introvertido, enigmático e até mesmo sombrio. É incapaz de sentir empatia ou felicidade pelos outros — tem uma ambição desmedida e uma moral duvidosa. Por fim, José Mata tem o papel de outro agente imobiliário, Rui, carismático e íntegro, trabalhador e bon-vivant. Justo e leal — embora tenha “o coração no sítio certo mas demasiado perto da boca”, o que faz com que por vezes seja inconveniente e impetuoso.
“Criámos uma narrativa, uma rede de intrigas e mistérios entre seis amigos, que se estão a preparar para ir a um evento umas horas mais tarde. E vai haver uma anfitriã que vai guiar as pessoas ao longo da experiência, fazendo perguntas, fornecendo pistas e depois o público vai ter uma caixa de diálogo através da qual vai poder responder às perguntas que são feitas. ‘Quem vai morrer?’ ou ‘Quem é que matou?’ e este tipo de coisas. É uma espécie de Cluedo de mistério. Se as pessoas forem bem sucedidas têm direito a assistir a um desfecho especial que só acertando nas várias perguntas poderão assistir. Tem este lado interativo. A linguagem é muito cinematográfica, muito oral.”
A experiência dura uma hora e existe este constante poder de escolha, em que o público — que está em casa — decide a quem quer ouvir a cada momento e vai tentando desvendar os mistérios do enredo.
“Não foi fácil, foi um trabalho feito remotamente, foram cerca de dois meses para o construir. Mas tínhamos muito tempo [risos], toda uma quarentena para podermos estar a trabalhar e criar passo a passo esta narrativa que tem de ser muito intricada. Estamos a ouvir várias conversas em paralelo e tudo aquilo tem de fazer sentido. Temos que ir dando pistas e as pessoas têm que poder ter elementos do seu lado. Não foi fácil mas como tenho este background do teatro imersivo… Isto até podia ser feito num armazém com três salas diferentes em que as pessoas pudessem andar de sala em sala para ver que conversas estavam a acontecer ali. No lado físico podia acontecer como se fosse mais um dos meus espetáculos do Projeto Casa Assombrada.”
Michel Simeão diz que criar espetáculos disruptivos e inovadores sempre foi o seu objetivo. “Foi sempre aquilo que procurei desde que comecei a escrever os meus primeiros espetáculos com 16 anos: tentar fazer algo que nunca tinha sido feito. Tentar romper, pegar na representação e no teatro mas tentar transformar noutra coisa qualquer. A minha ideia é sempre tentar pensar no teatro de outra maneira, de outro prisma, sacudi-lo, virá-lo do avesso, fazer qualquer coisa diferente. E foi isso que aconteceu agora com a pandemia, que acaba por abrir um espaço novo nas nossas mentes, na nossa criatividade. És mesmo obrigado a adaptar-te. Ou paralisas ou então: o que é posso fazer com aquilo que tenho?”
A plataforma digital foi criada de propósito e deverá continuar a ser usada — é possível que “A Gala” tenha mais datas. “Nós não temos nada programado de novas datas, queremos que as pessoas venham todas ver nesta data única. Se isto correr bem, se estiver aqui qualquer coisa nova — mesmo enquanto plataforma, porque no nosso entender é algo que pode continuar depois da pandemia, um espaço online que pudesse acolher outro tipo de espetáculos e iniciativas, correndo bem claro que a nossa ideia é voltar. Não estamos a construir toda uma plataforma para um único dia. Mas agora o nosso compromisso é fazermos este dia e vermos qual é a recetibilidade do público, perceber como é que a coisa vai funcionar.”
Os bilhetes para assistir a “A Gala” custam 5€ e estão à venda online. A experiência é aconselhada para maiores de 16 anos.
Quanto ao Projeto Casa Assombrada, que começou uma nova peça de teatro imersivo este ano — “O Matadouro”, nos arredores de Leiria — os espetáculos vão recomeçar no último fim de semana de setembro.
A partir de 1 de agosto, a organização vai começar a remarcar todas as datas que tiveram de ser canceladas por causa da pandemia. E serão colocados à venda novos bilhetes. Não vai mudar muita coisa n’“O Matadouro”, que já tem um espaço grande e onde o distanciamento social é acessível. Contudo, será obrigatório usar máscara, medir-se a temperatura à entrada e desinfetar as mãos ao longo da experiência.