Teatro e exposições

Jim Jefferies: “Já fui agredido em palco. Ser comediante é um trabalho perigoso”

O australiano de 46 anos traz a sua nova digressão a Lisboa. Atua no Campo Pequeno a 12 de maio.
O australiano atua no Campo Pequeno

Jim Jefferies andava pelos clubes britânicos à procura de um sonho: tornar-se num humorista famoso no Reino Unido. Aos 30 anos, o australiano fazia o que era exigido a um comediante e percorria os clubes, a altas horas da madrugada.

Num desses sets, sem que nada o fizesse prever, um homem saltou para o palco e acabou por agredi-lo a soco. Segundo Jefferies, era algo comum. “Essa foi apenas a única que foi filmada”, conta à NiT numa entrevista telefónica, uma semana antes de viajar para Portugal.

O australiano de 46 anos vai passar pelo Campo Pequeno, em Lisboa, a 12 de maio para apresentar o seu mais recente espetáculo de stand-up comedy, “Give’Em What They Want”. Ao contrário do que é habitual, o comediante revela que deixou para trás o sexo e a política — e que o novo set está mais virado para dentro, para a sua própria vida. E mesmo assim garante ter conseguido fazer um dos seus espetáculos “mais sujos de sempre”.

Jefferies já fez um pouco de tudo. Criou a série “Legit” com a FX e, durante dois anos, alimentou o seu próprio programa na Comedy Central, o “The Jim Jefferies Show”. Estreou-se como ator em 2014 e tem no currículo três especiais lançados na Netflix: “This Is Me Now”, “Intolerant” e High & Dry”.

À NiT, explica como gere os temas mais controversos em palco, mas também como o usa para exorcizar os seus próprios demónios depressivos. E, ao mesmo tempo, tentar passar ao público mais do que uma mera gargalhada.

É a primeira vez que vem a Portugal?
Sim. Já fui a Espanha, a sítios perto, mas nunca estive Portugal. Não sei bem o que esperar da comida. Imagino que seja tudo como o Nando’s [a famosa cadeia de frango].

Podemos esperar que goze um pouco connosco?
Tento sempre fazer algo sobre o sítio onde estou a atuar. O que tem acontecido nos dias anteriores, o que está a dar nas notícias, a política. Normalmente procuro brincar com algo local, a comida, as pessoas. Tento não tocar muito na política, até porque não sei nada sobre isso.

E o que é que está no menu desta digressão?
Falo muito sobre casamento, sobre o facto de ter um bebé pequeno, tomar conta do meu pai agora que ele está a envelhecer. Não há muita política e também não falo muito sobre sexo e, mesmo assim, consegui criar um dos meus sets mais sujos de sempre. Não sei como é que o consegui. (risos) Mas há uma longa história sobre prostitutas, algumas coisas mais sombrias, mas sobretudo falo sobre mim, sobre ser pai, sobre andar por aí.

Escapa à política, mas é um tema habitual no seu trabalho. É algo que é importante para si?
No fundo é o que acontece pelo mundo. Preocupo-me com temas sociais, com coisas que me afetam a mim, à minha família, a quem conheço. Temos que tomar sempre boas decisões quando votamos, isso é importante. Só falo de coisas que me interessam. A questão do controlo das armas, por exemplo, é algo que me preocupa. Mas outras coisas… Não vou fazer piadas sobre coisas que não me interessam minimamente.

Mas quando o faz, sente que é apenas um desabafo ou sente que pode exercer alguma influência sobre as pessoas?
Não sinto qualquer responsabilidade. São, por norma, coisas sobre as quais quero dizer algo, desabafar. É difícil escrever piadas e se vejo algo nas notícias que pode dar uma boa piada, aproveito a oportunidade. A minha real motivação são as gargalhadas do público. Nunca me vou meter nisso de tentar educar as pessoas. É o riso que me move, mais do que qualquer outra coisa.

Começou a atual digressão no Reino Unido onde, em 2007, foi notícia não pelas suas piadas, mas porque foi agredido em palco. É algo que lhe acontece habitualmente?
Já fui efetivamente agredido em várias ocasiões. Essa foi a única que ficou gravada em vídeo. Lidamos com pessoas bêbadas, a altas horas da madrugada. Inevitavelmente, alguém vai ficar furioso. Basta ver o que aconteceu com o Will Smith e o Chris Rock — e acho que ele nem sequer estava bêbado. É um trabalho perigoso. Aproximadamente a cada sete anos acabo por levar ou alguém tenta bater-me. Não sou propriamente um polícia ou um bombeiro, não arrisco a minha vida cada vez que subo ao palco.

Por falar no caso de Will Smith, recordo-me de ter explicado que foi a companheira do homem que não gostou da piada.
Sim, acho que foi a rapariga que estava num encontro com ele que ficou ofendida com uma piada que fiz. É muito semelhante [ao caso de Will Smith e da esposa]. Bem, sejamos honestos, os homens são capazes de fazer coisas muito estúpidas pelas mulheres.

Sente que há algum tema específico que toca nos nervos das pessoas? Que realmente as irrita?
Sempre que falamos sobre política. Recebia sempre imensos comentários quando fazia piadas com o Donald Trump. As pessoas ou amam ou odeiam o tipo. E as pessoas que o amam são mesmo fervorosas, vão até ao fim do mundo para o defender. Foi bom quando ele deixou a presidência, subitamente não tínhamos que falar sobre ele. Era isso e a minha rotina sobre o controlo de armas. Fartava-me de receber emails de ódio.

Vamos ser honestos: uma pessoa que sobe a um palco e agarra num microfone, é uma pessoa que está desesperadamente à procura de atenção

Fala-se muito no cancelamento de comediantes. São aconselhados a evitar determinados temas. Uns acatam-no, outros nem por isso. Os que arriscam, sente que o fazem porque realmente têm algo a dizer sobre o tema ou fazem-no apenas para agitar as águas, pela atenção?
A questão é que não te queres meter em apuros, mas também queres que as pessoas reparem em ti. No meu último especial fiz um trecho sobre pessoas trans. Não tenho qualquer problema com elas, apesar de saber que me traria alguma atenção na imprensa. Quando éramos miúdos e os nossos irmãos nos chateavam, íamos a correr fazer queixas aos nossos pais, e eles diziam-nos sempre para ignorarmos que a coisa passava. Se fizermos um grande alarido sobre um tema, os comediantes vão sempre agarrar nele porque é isso que gera atenção. Vamos ser honestos: uma pessoa que sobe a um palco e agarra num microfone, é uma pessoa que está desesperadamente à procura de atenção.

Tende a abordar também assuntos muitos pessoais em palco. Já falou sobre as suas graves depressões. Fá-lo para exorcizar demónios? É algo que funciona consigo?
Sinto que falar abertamente sobre as coisas faz com que me sinta menos sozinho. Abrir-me sobre os problemas da minha vida, da minha família, também faz com que as pessoas criem uma ligação comigo. Talvez seja uma das razões pelas quais as pessoas vão aos meus espetáculos, por acreditarem que me conhecem um pouco. Já reparei que outros comediantes limitam-se a contar piadas e acabas por sair dos espetáculos com a sensação de que não ficaste a conhecer aquela pessoa. Ironicamente, eu sou uma pessoa que preza muito a privacidade. É um dilema. Passo a vida a contar tudo sobre a minha vida e depois peço a toda a gente para respeitarem a minha privacidade (risos).

Por outro lado, esses desabafos acabam sempre envolvidos numa piada onde se torna difícil distinguir o que é ou não real.
Algumas das histórias que conto em palco são cem por cento verdadeiras, outras só 50 por cento, e depois há tudo o resto. Algumas histórias precisam de um empurrãozinho, outras nem por isso. Mas, bem… (risos) Prefiro não falar mais sobre isso, antes que me meta em sarilhos.

Num dos seus especiais, falava sobre depressão, sobre como estamos quase sempre deprimidos. Estamos sempre à procura de um sonho e, quando o realizamos, em vez de ficarmos felizes, vamos à procura do próximo. Ficamos num estado constante de depressão. Estava a falar de si também?
Sim, eu ainda passo por muitas depressões severas. É algo com o qual tenho que lidar diariamente e tentar controlar tanto quanto me é possível. Mas sim… é isso, devemos estar felizes com o que recebemos da vida, tirar o melhor partido possível da nossa situação. Sempre fui uma pessoa que mergulhava nas coisas más que aconteciam e raramente me focava nas coisas boas que me haviam sido dadas. À medida que fui envelhecendo, começou a ser mais fácil fazê-lo. Hoje, foco-me muito mais nas coisas boas.

Falou também sobre o seu diagnóstico de autismo. Criou uma série televisiva sobre pessoas com deficiência. Sente que existe uma responsabilidade social também na comédia ou, mais especificamente, na sua comédia, para lá das piadas mais vulgares e dos palavrões?
Acho que há uma linha muito ténue entre dizer as coisas de forma maldosa e falar realmente sobre elas como devemos. Tento sempre fazer as rotinas de forma a que possa trazer também alguma sensibilização para uma condição, mas sempre através de gargalhadas. A informação, essa podemos obtê-la nos especialistas. Mas também há espaço para um gajo como eu que faz meia-dúzia de piadas e que com elas torna algo mais humano e mais acessível, algo que faça as pessoas sentirem-se menos sozinhas. Eu não estou aqui para salvar o mundo, mas quando há temas que me dizem algo, sinto que posso falar sobre tudo, e essas são coisas que me dizem muito.

Já teve direito ao seu próprio programa televisivo na Comedy Central, onde regularmente falava sobre atualidade, política. Isso surgiu no seguimento da boa tradição de ter estrangeiros a baterem nos grandes tabus americanos como John Oliver ou Trevor Noah?
Sinto que o meu programa era um pouco diferente. Fazia as minhas peças, mas também sketches. Se sentia que havia um tópico sobre o qual devíamos falar, avançávamos. Nunca me comparei a eles. Sempre senti que eu estava mais ativamente à procura de gargalhadas do que propriamente de passar uma ideia. Acho que era mais um programa de comédia onde se podia aprender algo, do que um programa mais educacional onde ocasionalmente sacas uma gargalhada.

E agora é um cidadão americano. Custou?
Acho que o choque cultural foi bem pior para os americanos que tiveram que levar comigo. Pessoalmente, acho que tinha uma muito boa ideia do que era a América e os americanos. Todos crescemos a ver televisão americana, acho que toda a gente sente que sabe como eles são — e quando chegas lá, realmente não é muito diferente daquilo que achas que vais encontrar.

Esse era um dos seus sonhos? Fazer sucesso na América?
Não. Nunca tive ambições de vir para cá. Nunca pensei nisso. Queria era mesmo ser um comediante popular no Reino Unido e era nesse sentido que estava a ir, até que fiz o Festival de Comédia de Montreal, contratei um agente e acabei por vir tentar a minha sorte. Mas nunca pensei muito nisso.

Agora é um comediante internacionalmente famoso, com especiais na Netflix. Qual é o próximo sonho que o vai deixar deprimido durante os próximos meses?
Ver os meus miúdos crescer. Acho que ficaria muito feliz se fosse um daqueles pais que ficam em casa a tomar conta dos miúdos. Já fiz televisão, já fiz stand-up — adoro fazê-lo —, e não me importava de ter mais alguns trabalhos como ator. Mas como as coisas estão neste momento, tenho dois miúdos pequenos e quero mesmo é vê-los crescer.

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