O palco do Hulu Theater no Madison Square Garden ficou momentaneamente às escuras. Ao som de “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan, Louis C.K. emerge do escuro. Atrás de si, um painel luminoso com a palavra “desculpem”. As mais de cinco mil pessoas que esgotaram os bilhetes receberam o comediante com uma ovação em pé.
O regresso às grandes digressões foi anunciado no início de agosto e provocou reações de delírio e de raiva, sobretudo porque representa a tentativa do comediante de 53 anos ultrapassar as polémicas recentes que o afastaram da ribalta durante os últimos três anos.
Os dois espetáculos em Nova Iorque, a 13 e 14 de agosto, foram os primeiros de uma digressão que irá passar por 30 cidades norte-americanas — e com uma extensão europeia agendada para fevereiro e março, que o levarão à Ucrânia, Roménia, Dinamarca e Alemanha.
Considerado como um dos maiores talentos da comédia, C.K. viu a sua carreira implodir quando, em 2017, foi publicamente acusado de conduta sexual imprópria. Cinco mulheres prestaram os seus relatos e acusaram-no, por exemplo, de se masturbar à sua frente ou através do telefone.
“As histórias são verdadeiras. À época, disse a mim próprio que o que eu fazia não tinha mal nenhum porque nunca mostrei o meu pénis a nenhuma mulher sem antes lhe perguntar se o podia fazer, isso também é verdade”, revelou publicamente num pedido de desculpas que foi, também ele, muito criticado.
O caso virou do avesso a carreira bem-sucedida de Louis C.K., que acabaria por ficar sozinho, depois da demissão dos seus agentes e relações públicas. Perdeu também quase todos os projetos em que estava a trabalhar. Produtoras e plataformas de streaming como a Netflix preferiram manter a distância do comediante que passava a ser um ativo tóxico.
Acusado de nunca ter feito um pedido de desculpas sincero — e de nunca ter revelado uma postura de verdadeiro arrependimento —, foram várias as estrelas que tentaram dar-lhe a mão. Em 2019, ensaiou uma digressão mundial, mas em locais mais pequenos e em países pelos quais dificilmente teria passado no pico da carreira. Foi o caso de Portugal, onde atuou no Maxime Comedy Club — recorde a crítica da NiT ao espetáculo.
Dave Chapelle e Chris Rock, outras lendas da comédia, foram manifestando-se publicamente pelo direito de C.K. voltar a fazer aquilo que sabe. E, em 2020, arriscou lançar por sua própria conta um especial de comédia no seu site, “Sincerely Louis C.K.”.
A nova digressão é a tentativa final de voltar a capturar o seu lugar no trono da comédia. Mesmo sob fogo dos críticos — cujas crónicas dos primeiros espetáculos são arrasadoras —, C.K. parece ter ainda um fervoroso clube de fãs.
“Uma coisa é certa: o Louis C.K. continua a ser objeto de adoração absoluta”, escreveu a jornalista do “The Daily Beast”, que esteve presente num dos espetáculos. No artigo de opinião, revela como a multidão entoava cânticos a Louis mesmo antes da entrada em palco. Quando chegou, foi recebido com “aplausos e gritos”.
“Todas as pessoas à minha volta entravam num estado de histeria a cada piada. Na plateia havia imensos homens, uma boa dose de mulheres e um par de casais nas minhas imediações”, revela. “E apesar de ter atuado à frente de um sinal que dizia ‘Desculpem’ durante toda a noite, ninguém na plateia acreditou que isso era sentido. Era apenas mais uma das suas piadas.”
A verdade é que, segundo quem assistiu ao espetáculo, à exceção do painel, o escândalo sexual nunca é tema de conversa ou sequer alvo de uma das muitas piadas de C.K. que, em 2020, tinha tocado no assunto no seu especial de stand-up.
“Algumas pessoas gostam quando o sexo é meio esquisito”, diz entre risos, antes de apontar para si próprio. “Ora bem, querem falar sobre isso? (…) Vou dar-vos um conselho que só eu posso dar. Se alguma vez perguntarem a alguém se se podem masturbar à frente deles, e disserem que sim, perguntem sempre: ‘Tens a certeza?’. E se disserem que sim, não o façam!”
Fiel ao seu estilo provocador, o novo material do comediante parece evitar o escândalo, mas tocar em todas as outras áreas habituais — vernáculo e termos polémicos incluídos. Para surpresa de muitos críticos, visivelmente à espera de alguma contenção de C.K., o sexo foi um dos grandes temas do espetáculo.
“O novo material do comediante não é para os mais sensíveis. Tem de tudo. Piadas de ‘fodilhões de miúdos’ que envolvem uma história sobre cuecas de miudinhas, piadas de pedofilia que envolvem escuteiros, piadas sobre a Covid-19, sobre o 11 de setembro, piadas sobre gays, judeus, sobre o cancro e uma dose substancial de piadas sobre transgénero, com uma pitada de piadas racistas. E muito sexo”, escreve o “The Daily Beast”.
Os fãs mais acérrimos do comediante continuarão a segui-lo, os mais impressionáveis provavelmente não conseguirão digerir as piadas do costume, depois de revelada a sua faceta mais negra; e os restantes irão certamente mostrar o desagrado, como se verificou em espetáculos no início do ano, recebidos com vigílias à entrada das salas.
Entretanto — e porque os espectadores são obrigados a guardar o telemóvel em pequenos sacos invioláveis —, as únicas novidades sobre a nova rotina de stand-up de Louis C.K. vão chegar pelas mãos dos críticos. E pela amostra, o comediante vai ter outra batalha dura pela frente.
“Mais do que qualquer outra coisa, o espetáculo no Hulu Theater mostrou-me que Louis C.K. não tem qualquer arrependimento genuíno por aquilo que fez. E a sua digressão de redenção vai ser um longo encolher de ombros e uma breve e rude gargalhada.”