Mariana Monteiro e João Cachola estão parados e inclinados — suspensos nalgum tipo de dispositivo que está coberto pelos respetivos figurinos. Dali não saem até ao fim da peça, que se prolonga durante 1h30. O texto é o clássico de “Romeu e Julieta”, mas esse é o elemento do espetáculo mais próximo da base original, criada por William Shakespeare.
Esta encenação e versão alternativa do português John Romão — que estreou a 14 de fevereiro, na sala principal do Teatro D. Maria II, em Lisboa — usa os efeitos de luz e outras manobras de palco para tornar as cenas mais dinâmicas, embora os atores estejam permanentemente imóveis.
A peça fica em cena até 1 de março, às quarta-feiras e sábados, às 19 horas, às quintas e sextas-feiras, pelas 21 horas, ou aos domingos, a partir das 16 horas. Os bilhetes estão à venda entre os 9€ e os 16€. E o elenco inclui ainda João Arrais, João Jesus, Mariana Tengner Barros, Matamba Joaquim, Rui Paixão ou Rodrigo Tomás, entre outros.
Mariana Monteiro começou a carreira, como tantos outros atores famosos em Portugal, na escola que foi “Morangos com Açúcar”, série juvenil da TVI. Era uma das protagonistas da terceira temporada, em 2005, onde interpretava Bia.
Desde então tem feito um percurso sobretudo ligado às novelas ou a projetos televisivos, tanto na TVI como na RTP e, mais recentemente, na SIC. Atualmente é a protagonista de “Terra Brava” — projeto que tem sido particularmente difícil de conciliar com esta peça de teatro.
Entre ensaios e entrevistas, Mariana Monteiro falou com a NiT sobre como tem sido (e vai ser) interpretar Julieta nesta versão alternativa em teatro, além de outros temas.
Mariana, como surgiu a oportunidade para fazer esta peça?
Surgiu com um telefonema do John Romão, a fazer-me o convite. Fiquei em êxtase, fiquei mesmo muito contente. Emocionada até, quando desliguei a chamada, porque ambicionava há muito tempo o teatro: ter uma oportunidade que artisticamente correspondesse àquilo que eu desejava. Já conheço o trabalho do John há bastantes anos e portanto é uma pessoa que admiro e sabia que tinha uma mais-valia em poder trabalhar com ele. Foi logo um “sim” redondo, ainda que eu lhe tivesse dito: se eu fosse mentalmente sã dizia-te que não, porque estou a trabalhar 12 horas por dia numa novela — a qual protagonizo — mas como não sou mentalmente sã vou dizer que sim porque não vou perder esta oportunidade. Fui buscar forças e vitaminas para conseguir conciliar os dois projetos.
O que pensou desta versão de “Romeu e Julieta”?
O John disse-me que queria trazer para o D. Maria o “Romeu e Julieta” numa versão própria e que onde ele iria falar bastante sobre velocidade e transgressão. Todo o processo assentaria nestes dois pilares.
Os atores ficam nesta posição, imóveis, até ao final da peça.
Quase toda a gente conhece esta história.
Quanto mais não seja, sabem que é um amor proibido e que vão morrer no final [risos].
Neste caso, se tivesse que descrever a peça para pessoas que não sabem o que esperar — mesmo conhecendo a história original — o que lhes diria?
Eu acho que a própria peça é essa transgressão. Ou seja, não corresponde àquilo que se espera. Não há varanda, não há sequer pais nem para o Romeu nem para a Julieta — essas personagens não existem nesta versão. Portanto eu diria que vão ver uma adaptação de “Romeu e Julieta” veloz, transgressora, e consegue haver aqui um cruzamento com a modernidade. Nos dias de hoje é tudo muito rápido, mas ao mesmo tempo parece que não estamos em lugar nenhum. Porque nos comunicamos através de uma série de redes, a tecnologia ajuda-nos muito, mas ao mesmo tempo não temos conversas cara a cara, olho no olho. Estamos a correr de um lado para outro e na verdade não estamos em lugar nenhum. Aqui também: estamos muitas vezes em lugar nenhum. Estamos com um dispositivo onde temos uma suspensão, entre o céu e a Terra, não estamos de facto a habitar nem um nem o outro, é uma peça disruptiva. Estamos a correr para o amor ao mesmo tempo que estamos a correr para a morte, sendo que a morte não é vista como a tragédia, mas como lugar, uma segunda opção. Se não der para viver como queremos, preferimos a morte. Não é a pior opção. A pior opção é viver aprisionada, numa forma que não quero: casar com o Páris, ser mãe. Não quero nada disso que me estão a impor, então prefiro morrer.
Pessoalmente, qual tem sido o grande desafio em fazer esta peça?
Há vários, mas claro que a questão da imobilidade será o maior de todos. Claro que nos ensaios fomos criando uma série de coisas que ficam registadas no corpo, e só por isso é que conseguimos chegar à imobilidade. Mas não deixa de ser muito mais difícil trazer toda a interioridade da personagem.
Como é que se preparou para interpretar Julieta, mesmo sendo uma Julieta, lá está, imóvel?
Claro que lemos a obra na íntegra, para termos noção da base de onde se estava a partir, vi um filme, mas de resto não mergulhei muito porque sabia que isto ia ser um processo muito próprio. E quando é assim prefiro mergulhar já no que é. A construção da personagem foi sendo, não foi uma coisa que tivesse logo de imediato uma ideia, de todo. Fui construindo a partir de uma imagem que o John me deu, que foi a Julieta dentro de um caixão. Ou seja, alguém que está vivo, mas que foi enterrado vivo. E isso é muito forte.
Quais são os truques para aguentar tanto tempo naquela posição suspensa e de imobilidade?
[risos]Hoje em dia fala-se muito em meditação, aquilo é um grande exercício meditativo, apesar de que o texto tem que sair, não é? Mas eu penso que é ter uma concentração muito grande, mesmo, e usar a força das pernas.
Mariana Monteiro é Julieta nesta versão “transgressora” de John Romão.
Estava a dizer que o teatro era algo que queria explorar há bastante tempo…
Sim, teatro e cinema são duas áreas que quero poder desbravar mais porque o meu percurso é sobretudo televisivo. Ao trabalhar tantos anos consecutivamente em televisão, acaba por ser uma montra e muitas vezes pode ser uma montra positiva, mas também pode não acontecer nesse sentido, pode ser menos positivo. Porque também pode criar um rótulo, de ser uma atriz de televisão. Acaba por ser uma ideia errada e que limita. Aqui falamos disso: o que é um nome? O que é um rótulo? Às vezes pode não ser tão positivo ter essa exposição.
E está a tentar romper com esse rótulo.
Sim, e é insano por isso, porque é uma oportunidade que sinto que tenho de agarrar, não sendo o timing perfeito.
Exato, estava a dizer que tem sido exigente conciliar a novela com o teatro. É algo que se vê a fazer no futuro?
Honestamente, se for protagonista, não. Agora, conciliar novela com peça, é possível. A protagonizar é que acho muito difícil. Nunca digas nunca, mas acho difícil. É uma questão de saúde, quase, são mesmo muitas horas a trabalhar e poucas de descanso. Terá que ser uma vez por outra — ou uma vez e depois logo se vê como se encaminha. Mas preferia conciliar de outra forma, que fosse mais saudável e prazeroso.
E, curiosamente, a peça também está relacionada com isso, de tudo hoje em dia ser tão rápido e acelerado.
Ainda no outro dia disse isso, estou a vivenciar aquilo que transmitimos aqui, é a velocidade, de facto. Apesar de tudo, estou feliz nessa velocidade porque neste momento fui eu que a escolhi. E às vezes não escolhemos.
Na atualidade em que vivemos, as atrizes de televisão acabam muitas vezes por trabalhar a sua vertente de instagramers ou influencers — ou como lhe queiramos chamar enquanto figuras públicas digitais. Isso é bom porque permite ter mais visibilidade e contacto com o público, ou por outro lado significa mais trabalho e uma exposição maior?
Acho que, como tudo na vida, o ideal é ter conta, peso e medida. Mas cada pessoa também é livre de artisticamente decidir o que é que lhe faz sentido. O que aconteceu é que a publicidade se transferiu — antigamente acontecia tudo na televisão, e agora é maioritariamente na Internet. E portanto temos de nos adaptar a isso. Eu não sou nada radical, acho que se de facto me identificar com uma marca não vejo porque não fazer publicidade dessa marca no meu Instagram ou Facebook. Agora, temos sempre de ter consciência de que estamos a passar uma imagem que estamos a vender — portanto, até onde é que queremos ir com isso? Isso cabe a cada pessoa decidir. Não é uma coisa que eu julgue, acho que é uma decisão muito própria.
A Mariana também tem um podcast, “Grandes Primas”, com a Teresa Tavares. Era algo que queria fazer também para estar noutra área, além da televisão?
Sim, também. Acabámos agora a primeira temporada. Nós é que trouxemos este projeto ao de cima, eu e a Teresa estávamos com muita vontade de explorar mais o tema. Somos voluntárias na [associação] Corações com Coroa e gostávamos de trazer mais o tema do feminino, e falar mais sobre mulheres que tenham sido grandes figuras, porque é uma lacuna que temos. Na nossa história não se fala tanto das mulheres, do que representaram, quer seja na literatura, na ciência ou na política. E gostávamos de trazer grandes mulheres, neste caso escolhemos a literatura, e com o contributo da Revista Prima conseguimos criar o podcast. A ideia é continuar, mas quando a agenda permitir [risos].
São muitos os efeitos de luz que ajudam a dar dinâmica à imobilidade.
A ideia era mais valorizar o lado positivo, das grandes figuras femininas, ou também combater a discriminação?
Nós divulgámo-lo como um podcast sobre igualdade do género, para também podermos trazer ao de cima uma série de figuras que são completamente desconhecidas — de mim também eram. E é importante combater essa lacuna.
Sente que na indústria da televisão ainda existe bastante discriminação ou falta de igualdade de género?
Não, a nível televisivo nem por isso. Acho que há outros setores onde é mais visível. E o cinema, por exemplo… pelos números ainda agora dos Óscares, dos realizadores nomeados que eram todos homens, já são 90 e tal anos de Óscares e só houve três nomeações de realizadoras — e apenas uma a vencer. Depende das áreas e do país, tem que se ir contextualizando, mas que a desigualdade de género ainda existe é um facto.
No dia a dia não o sente?
Não, não, isso não sinto. E se o sentisse tentaria combater.
Tinha dito que gostava de entrar mais no mundo do cinema enquanto atriz. Que tipo de filme é que gostaria de fazer?
É curioso que, mesmo em teatro, eu sabia que queria muito fazer, e sei que quero muito explorar o cinema, mas não consigo definir o que é que eu queria… sinto sempre apelo pelo desafio. Portanto, o que me coloque fora da minha zona de conforto. A partir daí, se for uma personagem realmente desafiante, é por aí que começo, por o aceitar e por me entusiasmar.
Como o teatro não é a área em que tem mais experiência, nestes dias antes do espetáculo há muito nervosismo e ansiedade?
O que me está a assustar é que eu nem tenho tempo para estar nervosa, e não quero que me caia tudo em cima de uma vez. Estou estranhamente calma, confesso, mas acho que é mesmo porque não tive tempo [risos]. Na estreia logo saberei, mas faço figas para que seja com conta, peso e medida, porque acho importante usufruir e acima de tudo dividir isto com o público de forma mais leve.
A peça fica em cena até 1 de março.