Nuno Aparício tinha 13 anos quando fez o seu primeiro mural. Foi quase como uma espécie de brincadeira e a tela escolhida foi a parede de casa do avô, onde o artista escreveu apenas o seu nome. A técnica evoluiu e, 15 anos depois, criou o Melhor Mural do Mundo. A distinção foi atribuída pelos Street Art Cities Awards, uma das mais prestigiadas entregas de prémios de arte urbana do mundo, no sábado, 1 de fevereiro.
A obra foi pintada na aldeia de Alfaiates, no município do Sabugal, no distrito da Guarda, onde o português também conhecido como Nuno Miles cresceu. Foi ali que, com seis anos, começou a pintar após o pai lhe ter dado um cavalete no Natal.
A paixão pela arte, porém, surgiu antes. “Quando o meu avô morreu, uma tia fez um museu com algumas peças que ele esculpia em madeira. Eu nunca conheci bem o meu avô, mas quando visitava aquele espaço, sempre com alguma curiosidade, percebia quem ele era. Ele quis deixar algo para trás que vai além daquilo que as pessoas conhecem de nós”, conta o artista de 28 anos à NiT. Esta filosofia também é partilhada por Nuno.
Toda a educação foi depois dedicada ao aprimoramento das suas técnicas. Entre o 10.º e o 12.º frequentou o curso de artes e, depois, tirou uma licenciatura, mestrado e doutoramento na área. Mesmo assim, considera-se autodidata. “Maior parte do que sei fui aprendendo sozinho. Diariamente explorava novas técnicas”, recorda.
Primeiro, começou por pintar paisagens e depois passou a fazer rostos, algo que adora até hoje. “Gosto muito de pintar rostos femininos que tragam alguma serenidade a quem olha para eles. Através das feições transmitimos algumas mensagens que não são literais, mas que despertam emoções.”
Quando o objetivo da peça é homenagear alguém, cria uma cara verdadeira. Quando pretende passar alguma mensagem mais abstrata, imagina as feições. Em 2024, por exemplo, pintou o avô numa tela à escala real, pouco antes da sua morte. “Ele falava bastante sobre o medo de ser esquecido. Decidi pintá-lo para que isso não acontecesse e dei-lhe a tela.”
O estilo de Miles inspira-se no realismo, hiper-realismo e, em alguns casos, no surrealismo. Esta abordagem permite tornar a arte mais acessível a todos os que não a estudaram e que não são peritos no assunto. “É uma das mais-valias do meu trabalho. Tanto funciona numa galeria, como na rua”, descreve. Uma das suas grandes influências é Rebelo, um artista da Guarda que “foi quase como um mestre”.
O Melhor Mural do Mundo
“The Bull” foi inaugurado na aldeia de Alfaiates em julho do ano passado. No entanto, a ideia já tinha sido pensada em 2023, mas Nuno deixou-a perdida numa gaveta. Uns meses depois, o presidente da Junta de Freguesia falou com o artista porque queria dar uma nova vida a uma parede da localidade. Curiosamente, o pintor já a observava desde que era miúdo e sempre pensou que faltava ali alguma coisa. “O potencial era quase infinito.”
Para a criação do mural, que tem cerca de nove metros de altura, recorreu a spray, trincha e rolo. O trabalho ficou concluída em apenas três dias. “Gosto de estar a trabalhar de forma pouco saudável e meio obcecada, daí ter sido rápido”, brinca.
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Optou por pintar um touro para representar as pessoas de Alfaiatas e das redondezas — ou seja, os espanhóis, não estivesse a aldeia na fronteira com o país vizinho. “A ideia foi pegar neste animal e utilizá-lo como metáfora visual para mostrar aquilo que é o povo da Raia. São fortes, indomáveis e imponentes.”
Após estar concluído, o trabalho começou a chamar a atenção nacional e internacionalmente. Até hoje, Nuno não sabe exatamente como surgiu a nomeação para os Street Art Cities Awards, visto que não foi ele que fez a candidatura. “Acho que alguém o decidiu levar a concurso. Foi uma surpresa enorme estar no meio de tantos outros artistas que respeito muito”, confessa.
A vitória foi mais uma prova do seu talento e, agora que já tem o galardão, não pretende parar. Enquanto conversava com a NiT, o artista preparava a sua próxima obra, que também será um mural, mas de menor dimensão. “Já estou a desenvolver muitos projetos e vou avançar quando o tempo permitir.”
Carregue na galeria e veja algumas das obras de Nuno Miles.