Antes de a peça “O Filho” entrar em cena no Teatro Aberto. Muito antes de saber que seria sequer convidado para fazer parte do elenco, já Paulo Pires se tinha sentado na plateia, em Londres, para ver a peça assinada por Florian Zeller, o dramaturgo e realizador francês responsável pela bem conhecida trilogia da família, composta também pelas peças “A Mãe” e “O Pai”.
A primeira e a última tiveram, aliás, direito a adaptações ao cinema, com “O Pai” a vencer dois Óscares em 2021 — um pela prestação de Anthony Hopkins e outro para Melhor Argumento Adaptado. Pires, que interpreta um dos papéis principais na peça portuguesa, também viu os dois.
Desde 15 de abril que “O Filho” tem cativado as plateias no Teatro Aberto, em Lisboa. Paulo Pires, no papel do pai, surge acompanhado de Cleia Almeida, Paulo Oom, Pedro Rovisco, Sara Matos e Rui Pedro Silva, na peça adaptada por João Lourenço e Vera San Payo de Lemos.
“Pedro e Ana separaram-se. Nicolau, o filho adolescente, cai numa profunda tristeza, falta à escola, sente-se perdido, não está bem consigo próprio nem com ninguém. Pedro tem uma nova mulher, Sofia, e um filho bebé. Confrontado com os problemas de Nicolau, Pedro dispõe-se a acolher o filho na nova família e a dar-lhe atenção e apoio. No entanto, a experiência de vida, a boa vontade e os bons conselhos dos adultos não chegam para ajudar Nicolau a sair da depressão em que se encontra”, pode ler-se na sinopse da peça que mergulha nas relações familiares entre pais e filhos, nos problemas da depressão.
Paulo Pires já tem alguma experiência no que toca a textos de Florian Zeller. Esta é a sua terceira peça da autoria do francês, depois de “A Verdade” e “A Mentira”, que estiveram em cena em 2019, também no Teatro Aberto.
À NiT, o ator de 56 fala sobre como o drama o tocou pessoalmente, a forma como chega aos espectadores e também como a peça reflete a sociedade atual em que vivemos. “O Filho” está em cena até 28 de maio, na Sala Azul, quartas e quintas às 19 horas, sextas e sábados às 21h30 e domingos às 16 horas.
As peças de Florian Zeller têm tido imenso sucesso. O que acha que as torna tão especiais?
Acho que são muito bem escritas. Ele tem uma escrita em que não se desperdiça. Não tem grandes rodeios em ir ao que o inquieta. Como alguém já disse, ele tem uma característica que que é pôr as personagens numa espécie de labirinto. E de facto penso que isso é verdade, que há um labirinto ou uma teia na qual as personagens entram. Mas esta peça é muito diferente das outras. É uma peça dramática. As outras peças que fiz dele, procuramos sempre a verdade das situações, mas eram situações engraçadas, não tinham este peso, esta densidade. Até podiam ter densidade, mas não tinham este peso. Tinham mais a ver com questões relativas à traição e à fidelidade no casal. Nesta, a temática é francamente mais dura.
Chegou a ver as adaptações ao cinema de “O Pai” e “O Filho”?
Vi as duas. Gostei bastante mais de “O Pai” como filme do que de “O Filho”. Já estávamos a ensaiar quando fui ver o último e confesso que entrei mais no primeiro, emocionei-me mais. Também vi a peça de teatro em Londres e gostei mais do que do filme. E quando li a peça na versão do João Lourenço e da Vera San Payo de Lemos emocionei-me bastante. Tocou-me. O filme de “O Filho” acabou por não ser um trabalho tão bem conseguido como “O Pai”.

É uma peça que toca facilmente as pessoas?
Embora “O Pai” seja sobre uma relação familiar, sobre um homem, a sua família e os seus filhos, esta é ainda mais… Acho que chega mais às pessoas porque é algo que todos já sentiram. Já todos passamos pela adolescência. É uma temática que todos nós conhecemos, seja porque somos pais ou porque já fomos filhos. Revemo-nos sempre, se não na totalidade da peça, em certos momentos. Chega-nos de forma muito difrente. É um espetáculo muito transversal que toca a todos independentemente da classe social ou faixa etária.
Qual foi o maior desafio para si enquanto ator?
Encontrar um equilíbrio credível. É um pai pragmático, levado pela sua forma de estar na vida, pelo seu trabalho que o absorve. Apesar de gostar do filho, não é um homem demasiado empático na sua relação com ele. Sente muito amor por ele, mas tem falta de empatia. Para ele, este miúdo não está a precisar de um médico. Está a precisar, eventualmente, de dar umas corridas, de se aplicar na escola, de encontrar o seu foco. O que tentámos construir foi um homem que, apesar de ser inteligente, não acredita que o filho precise de um médico. É um homem com muitos vestígios da educação que o próprio pai lhe deu, que não foi necessariamente muito presente. Não foi o pai que gostaria de ter tido. E apesar de ser um homem diferente, herdou algumas dessas características.
É algo que acaba por passar para os pais na plateia?
Por muito que tenhamos muitas teorias sobre a forma como queremos educar os nossos filhos, quando estamos numa situação limite, acabamos por recorrer aos clichês. Os clichês que, quando estamos de fora, achamos que nunca vamos cair neles.
E a personagem cai neles.
Ele é alguém que leu mal os sinais que o filho lhe foi dando. Nunca compreendeu o que havia de errado na sua vida. Sempre achou que ele tinha tudo, que tinha todas as razões para estar bem. Volto ao ponto de partida: é um homem demasiado pragmático, com falta de empatia e sensibilidade para perceber o que verdadeiramente se está a passar com o filho.
Qual é que tem sido a reação do público?
Tem corrido bastante bem e o feedback tem sido positivo. Não é um daqueles espetáculos que se termine a aplaudir efusivamente. Sentimos as pessoas emocionadas, a processar. É um espetáculo que em determinados momentos assusta as pessoas, que as alerta, que dá alguns sinais que nos devem fazer a todos pensar. A mim próprio também. Quando li a peça pela primeira vez, senti um efeito ainda maior do que quando a vi em Londres, talvez porque na minha língua ela seja mais eficaz. Não só me emocionou mas deixou-me a pensar sobre estas questões do que é ser pai, de como ser pai. Acho que tem esse efeito no espectador. Nesse sentido é uma peça forte, mas necessária. Houve uma amiga que me disse uma coisa da qual gostei muito: se esta peça servir para salvar alguém, no sentido de pensar que se calhar, o problema que tem em casa, vai precisar mesmo de ajuda médica, então a peça vai valer a pena. Não estamos aqui para fazer serviço público, mas a peça acaba por servir como um alerta.
É atual, portanto.
São felizmente cada vez mais questões mais faladas abertamente na nossa sociedade. Cada vez se recorre mais a psicólogos e psiquiatras, os pais cada vez mais têm menos problemas em pedir ajuda. Vivemos um momento na nossa sociedade onde a vida e as coisas voam a uma velocidade enorme, nas redes sociais, todas estas solicitações. De tal forma que quando as pessoas se sentem um bocadinho fora, parece que criam uma sensação de distância para os outros. Há algo mais latente. Acho que todas estas questões são muito pertinentes.
