Teatro e exposições

Protestos antifascistas, casamentos em palco e outras histórias loucas do centenário Tivoli

A icónica casa lisboeta celebrou um século de existência a 30 de novembro com um espetáculo especial e um livro inédito.
Há centenas de histórias para contar.

Tal como muitos outros lisboetas, a jornalista Teresa Ribeiro lembra-se de ir ao Tivoli ainda miúda, para ver os grandes filmes de desenhos animados com os pais. A casa teve um papel importante na mulher que se tornou em adulta e, para celebrar o legado do icónico teatro, escreveu um livro que revisita os 100 anos de história. Uma data que foi celebrada a 30 de novembro.

Quando começou a pesquisa, vários episódios surgiram de forma espontânea. “Lembro-me de ‘Música no Coração’ estar em cartaz mais do que um ano, uma coisa que hoje em dia é impensável”, conta à NiT a autora de 64 anos. E assim sucessivamente, os capítulos surgiam como memórias e vivências. Percebeu rapidamente que não vivia uma situação única e que havia muitos outros que partilhavam esta ligação afetiva com o Tivoli.

“Decidi que o centro da minha narrativa seria a relação das pessoas com a casa. Entrevistei uma série de gente e contaram-me histórias muito engraçadas” explica sobre o trabalho que envolveu uma pesquisa aprofundada.

Entre os muitos episódios recordados no livro, chamado “Tivoli: 100 Anos na Nossa Vida”, a autora destaca a passagem de Almada Negreiros, que passou por lá para fazer a apresentação de “Branca de Neve e os Sete Anões”. “Ele era um artista muito conotado e considerado vanguardista. Na altura, o filme era uma inovação brutal porque era a primeira longa-metragem de desenhos animados a cores. Os gestores acharam que era a pessoa ideal para falar sobre o assunto.”

Claro que no Tivoli também houve momentos mais tensos, tendo em conta que abriu em 1924 e, por isso, passou pelos anos do Estado Novo, entre 1933 e 1974. Durante a ditadura, o Alexandre O’Neill infiltrou-se no teatro durante uma sessão de cinema e, do terceiro balcão, lançou centenas de panfletos anti-regime aos quais deu o nome de “pombas”.

Curiosamente, o poeta português escapou incólume, sobretudo porque conseguiu fugir antes de ser apanhado. “O regime era muito complacente com pessoas que tinham um determinado perfil e que eram consideradas intelectuais, especialmente quando tinham ligações importantes. Acabavam por não fazer grande coisa, mas esta história é realmente muito engraçada”, comenta.

Embora tenha sido palco de alguns protestos, o Tivoli nunca assumiu uma posição política. Um tema que Augusto Lima Mayer, proprietário da altura, preferia evitar. “Não era apoiante do regime, mas também nunca o combateu”, nota a jornalista.

Mesmo assim, abria as portas àqueles que queriam acabar com a ditadura, como Rui Mendes, ator que, nos anos 60, formou um grupo de teatro experimental. “Os artistas que compunham o grupo [Irene Cruz, João Lourenço e Morais e Castro] eram conhecidos por serem contra o regime. Essa era uma informação pública. Mesmo assim, o Augusto não levantou qualquer questão, nunca se intrometeu nos ensaios e eles nunca sentiram pressão.”

Os anos passaram, mas no Tivoli continuam a acontecer episódios caricatos. Um dos mais recentes envolve a fadista Kátia Guerreiro, que se casou em palco. “Não sabia onde é que haveria de o fazer e, quando lhe deram esta dica, ficou encantada porque sentia uma grande ligação à sala. O próprio copo de água foi feito no palco”, recorda.

 
 
 
 
 
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As histórias de amor fazem, então, parte da génese da casa, especialmente quando se fala de amor à arte. Foi ali, em plena Avenida da Liberdade, que vários grandes nomes do entretenimento viram um espetáculo pela primeira vez.

“A primeira vez que o Júlio Isidro foi ao cinema foi no Tivoli, quando ainda era um menino de calções. A Teresa Guilherme começou ali a carreira como atriz. Também foi neste palco que o Ricardo Araújo Pereira enfrentou uma plateia pela primeira vez. O Filipe La Féria ficou completamente fascinado quando viu uma peça de uma companhia brasileira.”

A família Mayer, que fundou a casa, estava bem ciente do impacto que a sala teria na vida dos artistas, que “recebiam de braços abertos”. Durante a gestão de Augusto Lima Mayer, os bilhetes para o terceiro balcão que não eram vendidos eram dados, à borla, para quem estivesse à porta. “Ele gostava muito de artistas e incentivava as pessoas a frequentarem a casa.”

A ideia dos Mayer sempre foi ter um espaço cultural que levasse uma nova riqueza à cidade de Lisboa. A casa foi inaugurada na mesma altura em que a Avenida da Liberdade deixou de ser um passeio público e se tornou numa via inspirada pelos boulevards de Paris. Adolfo Lima Mayer, o primeiro dono do Tivoli e dono do terreno baldio onde o símbolo lisboeta se ergueu, “achou que seria interessante criar uma casa aberta à população”.

Desde os seus primórdios que o espaço também é sinónimo de multiculturalidade, não tivesse ele recebido alguns dos artistas mais impactantes de diferentes áreas da arte — e dos mais variados países. Os pianistas Benno Moiseiwitsch, Arthur Rubinstein, I Nikita Magaloff e Wilhelm Kempff, o violinista Isaac Stern, os compositores Bela Bartok e Igor Stravinsky, a bailarina Alicia Markova, a Companhia de Bailado de Maurice Béjart e o mimo Marcel Marceau são apenas alguns dos talentos que por ali passaram.

No palco também subiram, claro, alguns dos maiores talentos de Portugal. A lista é vasta, mas Teresa destaca os maestros Pedro de Freitas Branco e António Vitorino D’Almeida (que apresentou no Tivoli aos 18 anos o seu primeiro concerto para piano e orquestra), Diogo Infante, Alexandra Lencastre, Bruno Nogueira, Maria Rueff, José Pedro Gomes, António Feio, César Mourão, Simone, Paulo de Carvalho, Jorge Palma, Luís de Matos e Dulce Pontes.

O livro que conta os 100 anos de história do Tivoli pode ser encomendado por e-mail (teatrotivoli100anos@nulluau.pt) e tem um custo de 48€.

Carregue na galeria para ver alguns dos filmes e artistas que passaram pelo Tivoli.

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