Durante três temporadas, Logan Roy foi a âncora de “Succession”. O eixo sobre o qual toda a narrativa se desenrolava. O patriarca era todo-poderoso, influenciador de milhões através do seu império de comunicação social.
Assim que os Roy se apresentaram como as novas estrelas da HBO, por altura da estreia em 2018, os paralelismos que ligavam a família fictícia ao mundo real foram sendo traçados. Não era necessária demasiada ginástica mental para chegar à figura que mais se aproximava de Logan Roy no mundo real.
Rupert Murdoch, o magnata australiano de 92 é, naturalmente, a resposta certa. Ao longo de mais de sete décadas, foi criando um império que hoje conta com dezenas de estações e jornais um pouco por todo o mundo. Do “The Sun” ao “The Wall Street Journal”, do “The Times” ao “New York Post”.
O criador da série, Jesse Armstrong, em conjunto com o ator que dá vida a Roy, Brian Cox, foram desmentindo as semelhanças, até que se tornou impossível de negar. O showrunner haveria de se desculpar com o facto de os Roy serem, na verdade, uma amálgama de vários exemplos reais, “das mais famosas famílias dos media como os Hearsts, uns Redstone dos dias modernos, John Malone, Robert Fitz, os Murdoch ou os Mercer”, explicou.
Cena a cena, as intenções foram-se desvendando. No episódio dois da quarta temporada, precisamente o que antecede a chocante morte de Logan Roy, o patriarca aproveita uma visita aos estúdios do seu canal ATN para fazer um discurso épico. A decisão improvisada obriga a que se monte um pequeno palco feito com caixas de resmas de papel, onde Cox exibe todo o seu talento.
A cena tornou-se imediatamente reconhecível para todos os que ainda se recordam das manobras de Rupert Murdoch. Em 2007, o magnata australiano aproveitou uma visita à redação do “The Wall Street Journal” para fazer exatamente o mesmo. E esse foi apenas o culminar de uma série de pontos que ligam a série à família Murdoch.
Tal como na série, Murdoch começou com um pequeno jornal que herdou do pai na década de 50. Um negócio modesto que se transformou numa das empresas de media mais poderosas da história. E tal como Roy, Murdoch parece tentado a deixar o seu legado nas mãos da família, isto é, dos filhos. Mas até hoje, nenhum sucessor foi diretamente nomeado.
Murdoch, tal como Roy, passou por vários casamentos. No início deste mês, cancelou mesmo o seu quinto casamento, anunciado apenas duas semanas antes. Murdoch tem seis filhos com três mulheres diferentes.
A mais velha é Prudence, habitualmente associada a Connor, já que se tem mantido ao largo das grandes decisões e movimentos dentro da News Corp. Chegou a trabalhar no “News of the World” — que haveria de fechar após um escândalo de escutas telefónicas — mas rapidamente se afastou, sobretudo depois de uma zanga com o pai que se tornou pública. Murdoch ousou falar apenas sobre os seus três filhos, omitindo Prudence. “Liguei-lhe, gritei e ele desligou. Ficou muito chateado”, revelou a filha. “Depois enviou dos ramos gigantes de flores — maiores do que um sofá — e duas laranjeiras.”
Lachlan é o filho seguinte, o primeiro nascido de um segundo casamento. Tal como Kendall, manteve-se sempre próximo do pai e em 1997 era já o presidente de uma das empresas do grupo. Segundo Murdoch, Lachlan era o seu aparente herdeiro, “o primeiro entre pares”. O escândalo sexual que abalou a “Fox News” e envolveu o braço direito de Murdoch, Roger Ailes, culminou na demissão repentina do filho em 2005. Acabaria por voltar em 2014 e hoje ocupa os cargos da presidência conjunta da News Corp e CEO da Fox Corporation.
Nessa janela de ausência de Lachlan, foi James, o outro filho, quem se apresentou como grande candidato à sucessão. Ainda jovem, estudou em Harvard, mas deixou os estudos para criar a sua própria editora discográfica virada para o hip-hop.
O irreverente James, habitualmente comparado a Roman Roy, ascendeu ao principal cargo de chefia na “Sky”, antes de ser apanhado no meio de um escândalo de escutas telefónicas ilegais que o forçou a demitir-se. Mas tal como Lachlan, a saída foi temporária e haveria de voltar — antes de voltar a demitir-se em 2020, em “desacordo com vários conteúdos editoriais publicados pelos canais da empresa e outras decisões estratégicas”.
Por fim, sobra Elisabeth Murdoch, que começou também a dar os primeiros passos na News Corp, antes de decidir demitir-se e procurar a sua sorte a solo. Descrita como “muito inteligente e astuta”, criou uma empresa de produção independente, que haveria de se tornar numa das maiores de todo o mundo — e que seria comprada pelo grupo do próprio pai, numa ação que o deixou em apuros com os acionistas da News Corp.
As semelhanças não terminam na estrutura familiar. Se durante anos, a conservadora “Fox News” de Murdoch comandou os esforços republicanos no plano político norte-americano, na série esse papel cabe à “ATN” de Logan Roy, que usa a sua influência para chegar à fala com o presidente e deixar ameaças veladas.
Vale também a pena recordar os acontecimentos explosivos da segunda temporada de “Succession”, onde um escândalo abala a divisão de cruzeiros da empresa, acusada de abafar diversas controvérsias. Um incidente que emula o que aconteceu em 2011, quando o jornal “News of the World” foi acusado de pagar para ter acesso a escutas ilegais de membros da família real, celebridades e vítimas de crimes. Era através dessas escutas que os jornalistas tinham acesso aos pormenores mais sórdidos de todas as histórias. O jornal acabaria por ser extinto.
À frente da divisão britânica da News Corp estava nem mais nem menos do que James Murdoch, que foi deixado cair pelo seu pai. Um pouco à imagem do que Logan Roy tentou fazer com Kendall.
Em 2018, mais outro cenário que acabaria por ser replicado na série. Rupert Murdoch decidiu então vender parte do seu império, ao entregar grande parte da 21st Century Fox à Disney e, entre o espólio estava precisamente a “Fox News”. Segundo vários especialistas, o gesto foi visto como uma demonstração de falta de confiança de Rupert nos seus filhos.
Aparentemente, a família Murdoch não perde um episódio da série da HBO. Ainda em 2022, o “The Sydney Morning Herald” relatava que a festa de aniversário de Rupert contou com um vídeo feito por Elisabeth e que mostrava os filhos e algumas das mais proeminentes figuras políticas auastralianas. O tema escolhido como banda sonora? Precisamente o tema principal de “Succession”. E nem aí faltou o drama típico do calculismo à moda da série: Elisabeth fez questão de deixar de fora das imagens um dos seus irmãos, James.