Tania Haddix é real e não é uma personagem. Ela nunca teve dúvidas. O amor que tem pelos primatas é maior do que aquele que tem pelos próprios filhos e a ex-enfermeira não tem medo de admiti-lo. “Quando se adota um macaco, o laço é muito mais profundo”, garante. “É natural, é como o amor por Deus”, acrescenta. Os humanos crescem e seguem com as próprias vidas, mas estes animais continuam a ser dependentes até a morte, justifica.
Em “Chimp Crazy”, a nova série documental que chega à plataforma de streaming Max (antiga HBO Max) na madrugada desta segunda-feira, 19 de agosto, Haddix enfrenta uma batalha judicial contra a People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), uma organização de defesa animal, após o suposto desaparecimento de Tonka, um chimpanzé de 32 anos reformado que já apareceu em vários filmes de Hollywood como “Buddy” (1997) e com que tem uma relação de dependência.
Através das experiências de Tania e de outras “mães de macacos”, como são conhecidas, o documentário de Eric Goode, produtor executivo e co-realizador de “Tiger King”, revela os laços singulares que se formam entre os donos e os seus grandes símios de estimação altamente inteligentes. A série expõe os riscos que os humanos correm quando tentam criar estes animais como membros da sua família, bem como os perigos para o bem-estar dos próprios animais.
Quando começou as filmagens, Goode, de 66 anos, não fazia ideia de quem era Tania Haddix. Mas à medida que se aprofundou no universo das “mães de macaco” nos EUA, deparou-se com esta “personagem”, como a descreve em exclusivo à PiT. Ficou tão fascinado que decidiu focar-se na sua história e a meio da produção, teve de tomar uma das decisões mais importantes da sua vida.
“Chimp Crazy” está dividida em quatro partes, que irão ficar disponíveis todas as segundas-feiras. A PiT já assistiu a todas elas e esteve à conversa com Eric Goode para saber mais sobre a produção e o universo dos primatas tratados como animais de companhia. Leia abaixo a entrevista completa sobre a nova série documental da Max.
Como descrevia Tania Haddix para alguém que não a conhece?
Ela nasceu no Missouri, nos EUA. De certa forma, é um produto do seu meio ambiente. É uma mulher que se apaixonou por primatas e é uma personagem. Gosta de se considerar uma “mãe de macaco” e a “Dolly Parton dos macacos” com as suas perucas loiras e o seu caso de amor com a cor rosa e com os primatas.
No primeiro episódio, diz que teve de contratar um realizador substituto para “Chimp Crazy” por causa das reações após “Tiger King”. Quão más estas foram? Estamos a falar de ameaças de morte, talvez?
Foi a gama completa. Algumas pessoas adoraram como foram retratadas em “Tiger King” e outras, antes de eu aparecer, eram criminosos profissionais. Tinham um longo registo criminal e viram oportunidades comigo, tentaram extorquir-me e todo o tipo de problemas.
Como conheceu Dwayne Cunningham [o diretor substituto] e como foi esta colaboração de realização na prática? Conseguiu dar-lhe instruções à distância, ver e ouvir o que estava a acontecer?
Conheci-o no mundo dos répteis, que é um universo com o qual estou muito familiarizado. Durante toda a minha vida, tive interesse por este animais, especificamente por tartarugas e o Dwayne foi preso por crimes que envolvem contrabando de répteis. Também sabia que ele tinha sido palhaço no circo Ringling Brothers. Trouxemo-lo a pensar que só precisaríamos dele talvez por uma ou duas semanas, especificamente para ter acesso a Connie Casey, que cria chimpanzés em Festus, no Missouri. O nosso objetivo era apenas ter acesso para filmar o confisco ou a remoção dos primatas que ela possuía porque sabíamos que ela não iria falar mais com os jornalistas. O último que falou com ela foi talvez dez anos antes e sabíamos que não falaria com ninguém, certamente não comigo. Trouxemos o Dwayne, mas nunca esperámos conhecer a Tania Haddix, nem sabíamos quem ela era. Portanto, acabou por se tornar um envolvimento muito mais demorado, o que não era a nossa intenção. Com o passar dos dias, começámos a perceber que não atingíamos o objetivo de chegar à Connie Casey. Ela recusou a ser entrevistada, mas descobrimos Tania. Na prática, estava a falar com o Dwayne durante as entrevistas ou estava lá no meu carro. Mais tarde, conseguíamos assistir tudo em tempo real.
Muitas mulheres neste documentário, incluindo Tania Haddix, veem os chimpanzés como os seus próprios bebés, e isso é mencionado várias vezes na obra. Sentiu simpatia por elas quando as coisas não correram como planeado e os animais foram-lhes retirados? Ou acha que isso é algo difícil de sentir neste cenário?
Claro, tenho muita empatia pela Tania. Sei o que é amar um animal. O apego até com um cão é muito profundo e isso foi algo muito difícil de gerir. Mas também tinha empatia pelos chimpanzés e pesar ambos os sentimentos por eles e por ela foi difícil. Ainda mantenho contacto com a Tania e tenho muita esperança de que ela aprenda alguma coisa com este documentário, tal como estou a aprender muito com esta experiência. Muito do que aprendi foi a reconhecer que as coisas não são a preto e branco, há muito cinzento.
No documentário, todas as donas de chimpanzés são mulheres. Mesmo quando vemos um homem no filme, ele é sempre o parceiro dessas mulheres. Acha que os donos de chimpanzés são sempre mulheres ou isso aconteceu por acaso durante as gravações?
Não. Só posso dizer no que diz respeito aos EUA, onde são sobretudo mulheres e alguns homens gays que se auto-intitulam-de mães de macacos. Claro que também há alguns homens, mas normalmente estes chimpanzés estão em jardins zoológicos ou à beira da estrada a serem usados para ganhar dinheiro. Portanto, para além dos jardins zoológicos e das estradas, pelo menos nos EUA, são sobretudo mulheres e penso que provavelmente há muitas razões para isso. Não se trata apenas de género, mas essa é parte pela qual as mulheres gravitam em torno de ter estes primatas que podem vestir e fazer pequenas roupas para eles, comer à mesa e tratá-los como uma criança. Há algo nisso que é muito maternal, penso eu, mas não é o único motivo. Para muitas destas mulheres, e isto também acontece com os homens, é um símbolo de estatuto ter algo como um chimpanzé. Eles tornam-se muito famosos nas comunidades em que vivem porque têm este primata e toda a gente quer conhecer o animal e a sua “mãe”.
Hoje em dia, muitas pessoas começam a perceber que utilizar animais para entretenimento não faz bem ao seu bem-estar. Quão importante acha que é esta mensagem?
Culturalmente, pelo menos nos EUA, tem havido uma consciência muito mais elevada sobre os animais exóticos e a forma como os usamos. Portanto, nos últimos 25 anos, houve uma mudança cultural em que cada vez menos animais são utilizados na produção de filmes de Hollywood e nos circos. O Ringling Brothers e o Barnum & Bailey Circus faliram e estavam no mercado há cem anos ou o que quer que seja. Portanto, há uma mudança cultural e uma consciência que as pessoas têm sobre a utilização e exploração de animais para entretenimento. Nesse caso, a história não está do lado de Tania. Não é por causa do meu julgamento. Tenho os meus sentidos e tentei não mostrar muito a minha opinião ao contar esta história, mas espero que as pessoas no final cheguem à conclusão certa por conta própria.
O documentário é uma bela mistura de coisas totalmente loucas numa história muito humana. Foi difícil ter esse equilíbrio?
A história gira em torno de chimpanzés, não é sobre mulheres que se apaixonam por cobras ou por outro tipo de animal. Acho que porque os chimpanzés estão tão intimamente relacionados connosco, sendo os nossos parentes vivos mais próximos, evolutivamente falando, estão mais próximos de nós do que dos gorilas ou orangotangos. Portanto, acho que são quase como crianças para estas mulheres e é uma história muito humana por causa disso. Acho que em “Tiger King” foi diferente porque não tinham essa ligação com um tigre da mesma forma que a Tania tinha uma ligação com Tonka. Foi muito mais profunda do que a ligação de Joe Exotic com os felinos. Como dizem no documentário, essas pessoas muitas vezes amam os primatas mais do que os seus próprios filhos e acho que há alguma verdade nisso. Depois, tivemos muita sorte em encontrar a Tania e por ela nos ter conduzido ao seu mundo da forma que o fez. Nós apenas a seguimos. Ela dizia “Preciso de ir para a cama de bronzeamento” ou “Tenho um compromisso às três horas”. E eu perguntava se podíamos ir com ela e ela dizia sim. Era muito aberta, o que foi interessante.
Com os regulamentos corretos, acha que é possível cuidar de um chimpanzé de forma responsável e adequada em casa? Ou o fracasso é simplesmente inevitável nesta situação?
Não sou a polícia animal, mas acho que poderia acontecer se alguém tiver recursos incríveis e se as circunstâncias forem adequadas, por exemplo, alguém vive em África e tem alguns primatas que precisavam de ser resgatados e esta pessoa tem o dinheiro para cuidar deles adequadamente, em vez de os sacrificar. Penso que há casos em que as pessoas provavelmente poderiam fazer um bom trabalho. Sei que pessoas muito ricas como Richard Branson têm lémures na sua ilha das Caraíbas e eles têm uma vida muito boa. Mas penso que uma pessoa comum teria dificuldade em dar aos chimpanzés a qualidade de vida que merecem porque eles são como nós e precisam de estar com outros primatas, tal como precisamos de estar com outras pessoas. Não posso manter-te numa gaiola na minha cave e dar-lhe Happy Meal e chantilly e pensar que isso te vai fazer feliz. Por isso, acho que é muito difícil manter um animal em circunstâncias normais e dar-lhe a qualidade de vida certa para uma pessoa comum.
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