Não deve haver hospital na história da ficção com maior taxa de mortalidade entre os seus profissionais do que o Seattle Grace Hospital. Não há uma equipa tão azarada como a liderada por Meredith Grey, que teve de lidar com um tiroteio em massa, explosões, um sismo, vários acidentes de viação e uma super tempestade, entre outras catástrofes.
“Anatomia de Grey” não é conhecida apenas pela sua longevidade — a 19.ª temporada de estreia na Disney+ esta quarta-feira, 12 de julho — e pela base de fãs dedicada. As doses generosas de drama são diretamente proporcionais à quantidade de personagens que foram morrendo ao longo dos anos, e tornaram-se uma imagem de marca da produção.
Com a chegada dos derradeiros episódios com Ellen Pompeo no papel da protagonista Meredith Grey, e vale a pena recordar quais foram as mortes mais inesperadas e inusitadas da série. Algumas tiveram por base disputas reais entre os atores e as produtoras de “Anatomia de Grey” — Shonda Rhimes, Krista Vernoff e agora Meg Marinis — forçando a equipa de guionistas a reescrever os destinos das personagens.
007 e a licença para morrer
Quiçá a mais chocante de todas as mortes foi a de George O’Malley, interpretada por T.R. Knight. Começando como um dos estagiários, chegou à posição de médico residente ao longo de seis temporadas e tornou-se numa das personagens favoritas do público pelo seu cariz carinhoso e dedicado. No entanto, a sua história chegou ao fim quando foi atropelado por um autocarro, resultando em lesões tão catastróficas que ficou irreconhecível. Quando chegou ao hospital, os colegas só o identificaram graças a um sinal que tinha na mão e pelo facto de ter escrito “007”(a sua alcunha) na mão de Meredith Grey.
A sua morte foi tão súbita quanto dramática, e isso deve-se em parte ao facto de T.R. Knight ter pedido diretamente a Shonda Rhimes para abandonar a série depois da sua personagem começar a ter cada vez menos tempo de antena. O mal-estar surgiu de uma “quebra de comunicação” entre os responsáveis e o ator, que denunciou publicamente o que se passou.
“A minha experiência de cinco anos foi a prova de que não podia confiar em qualquer resposta que me fosse dada” quanto à personagem, afirmou à “Entertainment Weekly”, sem querer alongar-se e agradecendo pela oportunidade de participar. Outro dado que precipitou a sua saída foi ter a sua homossexualidade revelada devido a um conflito entre os atores Isaiah Washington e Patrick Dempsey. O primeiro terá proferido um insulto homofóbico ao segundo fazendo referência a T.R. Knight e o caso chegou à imprensa, o que o levou a assumir a sua orientação sexual. No entanto, o ator queixa-se de que Rhimes, entre outras pessoas, o tentaram demover de fazer a declaração pública, o que a produtora negou.
Adeus, McDreamy
A propósito de Patrick Dempsey, a sua personagem Derek Shepherd largou o último suspiro na temporada 11. Tratava-se de uma das figuras principais da série, estabelecendo a trama amorosa central com Meredith Grey. Entre aproximações, afastamentos e outras relações, “McDreamy”, como ficou conhecido, manteve-se sempre perto da protagonista que dá o nome à série.
No entanto, Shepherd morreu de forma tão heroica quanto inglória. Após salvar uma família depois de um acidente de carro, ele próprio sofre um acidente de viação que o deixa com danos cerebrais. O seu falecimento é precipitado por ser internado num hospital subfinanciado e sem capacidade de atender às suas lesões. Quando Meredith chega ao seu quarto, já é tarde de mais e não há outra hipótese que não desligar as máquinas.
Dempsey comentou que o final da sua personagem “decorreu de forma muito orgânica”, optando por não dramatizar a saída. No entanto, também referiu que o seu último dia de trabalho não teve direito a festas de despedida nem momentos emocionais, o que agora parece ter antecipado o que se saberia.
Em “How to Save a Life: The Inside Story of Grey’s Anatomy”, livro publicado em 2021, a jornalista Lynette Rice revela que existiram momentos de tensão durante as gravações. James D. Parriott, produtor executivo da série, contou à repórter ter havido “problemas de recursos humanos” que levaram ao despedimento do ator, sendo que “ele a Shonda estavam em guerra”.
Segundo Parriott, os problemas não foram de origem sexual, mas Dempsey “aterrorizava o elenco. Alguns atores tiveram todo o tipo de traumas com ele. Ele tinha um poder tal que sabia que podia parar as filmagens se quisesse e assustar as pessoas.” O produtor executivo adianta ainda que tentou haver mediação entre as diferentes partes e Dempsey, mas “ele já estava farto do programa” e “não gostava da inconveniência de vir trabalhar todos os dias”. A situação chegou a um ponto que Shonda Rhimes terá dito aos responsáveis da ABC, o canal que financia a série, que “ou saía ele ou saia ela”.
Outra das razões para a saída foi o próprio degradar de relações com Ellen Pompeo, especialmente devido às queixas repetidas de Dempsey quanto ao volume de trabalho e o número de cenas gravadas. O ator admitiu a Rice que os 11 anos que passou a trabalhar àquele ritmo o marcaram, apesar de estar agradecido pela oportunidade e de “ser difícil dizer que não” à remuneração que recebia. Perante este cenário, os guionistas pensaram em várias hipóteses para Shepherd, como passar a personagem secundária noutra cidade, mas o tipo de relação que tinha com Grey ditou que a morte fizesse mais sentido. O mal-estar acabaria por ser sanado parcialmente sanado, já que regressou na temporada 17 para participar em cenas onde Shepherd aparece nos sonhos delirantes de Grey quando estava infetada com Covid-19.
O casal que morreu
Por fim, é preciso mencionar as mortes de Lexie Grey e Mark Sloan, ambas causadas pelo mesmo acidente de avião catastrófico. A primeira foi planeada, mas a segunda não, tanto que ocorreram em temporadas distintas.
Quanto a Lexie Grey, foi decidido desde cedo que a meia-irmã de Meredith morreria no final da 8.ª temporada porque a atriz que a interpretou, Chyler Leigh, queria dedicar-se a outros projetos. A morte da personagem é particularmente brutal, perecendo presa debaixo dos destroços da aeronave, a agarrar a mão de Mark Sloan, o colega com quem mantinha uma relação atribulada. No entanto, ao contrário dos exemplos acima mencionados, foi um desfecho completamente planeado com Rhimes. “Estive com a Shonda e trabalhámos juntas para dar à história de Lexie a conclusão apropriada”, afirmou à TV Guide.
No entanto, Sloan, encarnado pelo ator Eric Dane, era suposto sobreviver aos ferimentos que sofreu no mesmo acidente, tanto que parecia ter escapado relativamente incólume. Só que, pelo meio, Dane quis abandonar o papel para protagonizar “The Last Ship”, série produzida por Michael Bay. Como resultado, no início da 9.ª temporada, a sua personagem vê o seu estado de saúde agravar-se subitamente devido a lesões internas, a ponto de ser internado nos cuidados intensivos. No seu testamento estava expressamente pedido para que desligassem as máquinas caso não acordasse ao fim de 30 dias, o que acontece. No entanto, em termos narrativos, a sua morte foi um autêntico murro no estômago, porque no episódio seguinte, Sloan surge de novo de boa saúde, algo que apenas se deve a um caso de lucidez terminal.
Também aqui, a crueldade da morte da personagem não foi uma vingança contra o ator, já que Eric Dane saiu de boa-fé após combinar com Rhimes como é que Sloan morreria. “Ele não tomou a decisão de ânimo leve, mas depois de muita discussão, decidimos que esta era a altura certa para a sua história chegar ao fim”.
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