Televisão

Ângelo Rodrigues foi ao Brasil e tudo o que trouxe foi um disparatado thriller erótico

A produção da Netflix prometia, mas não passa de uma narrativa confusa adornada com erotismo. "Olhar Indiscreto" é uma série para esquecer.
Ângelo puxa do seu melhor sotaque brasileiro
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Estávamos ainda em abril de 2022 quando, em entrevista à NiT, Ângelo Rodrigues falava sobre o seu próximo grande papel. Um lugar como protagonista numa minissérie brasileira produzida pela Netflix e que caiu como uma “total surpresa” pela escolha de um ator português. “A personagem virou portuguesa por minha causa”, afiançava o ator de 35 anos. Plot twist: não virou.

Um ano depois, lá surge o português com o seu (quase) imaculado sotaque brasileiro, no papel de Heitor Prado, um misterioso dono de uma cadeia de hotéis. O ator partilha a liderança do elenco com Débora Nascimento, atriz brasileira que assume o papel de Miranda, uma especialista informática que se debate com fantasmas do passado, uma possível doença genética e a compulsão de ficar fechada em casa a espiar os vizinhos enquanto fazem sexo.

“Olhar Indiscreto” apresenta-se como um thriller que atira as personagens para uma teia de mistérios. Ora, a saber: Miranda vigia constantemente Cléo, a vizinha acompanhante, até que se imagina a si própria do outro lado; pelo caminho, alimenta uma atração pelo ‘cliente das sextas-feiras’.

Um dia, Cléo, que conhece Miranda, pede-lhe que tome conta do cão por uns dias. Miranda aproveita e como boa voyeur, invade a casa da vizinha — até que esbarra com o “cliente das sextas”, com quem tem sexo. Afinal, o cliente é o cunhado de Heitor, que é suspeito de traficar mulheres — o mesmo Heitor que descobre que não é pai biológico da filha.

Não se preocupe com spoilers: tudo isto são revelações feitas no primeiro episódio da série que promete muitos mais twists. Tantos que a paciência pode muito bem esgotar-se ao fim de dois episódios. A nossa terminou aí, bem longe do décimo que (supostamente) conclui a narrativa.

É uma luta difícil a de perceber afinal onde é que conseguimos encaixar “Olhar Indiscreto”. Não é suficientemente astuto para ser um thriller misterioso digno desse nome, mas roça a simplicidade pateta que habitualmente encontramos nas novelas. Tudo isto enquanto arrisca colocar o pé no campo do erotismo.

Traz consigo um aroma nauseabundo a “365 Dias” e às suas cenas estilizadas de sexo. E dado o sucesso da trilogia polaca, não seria de admirar que “Olhar Indiscreto” seja um embrulho magicado pelo algoritmo.

Infelizmente, os problemas não terminam aí. Para lá da curiosidade de ver o sotaque de Ângelo Rodrigues, é impossível não notar a falta de sincronização de alguns diálogos com a imagem. As frases chegam ora antes, ora depois de os lábios dos atores se mexerem.

A narrativa é acelerada e absolutamente rocambolesca. Os contornos da vida de cada personagem são despejados sem aviso ou delicadeza, à medida que os acontecimentos vão moldado o presente. Pior: optou-se por ir jogando com linhas temporais que vão revelando o que acontece no presente e no futuro. Uma manobra arriscadíssima para quem mal conseguiu esgalhar uma narrativa coerente.

É difícil encontrar características redentoras em “Olhar Indiscreto” que, por entre a trama estapafúrdia e as cenas eróticas, raramente consegue ser uma série esclarecida, com rumo, com um propósito. Quando o campo está inclinado, torna-se mais difícil ter um resultado positivo. O elenco que o diga.

No que toca à Netflix, torna-se cada vez mais difícil de entender o processo de decisão que leva ao cancelamento de várias séries com maiores padrões de qualidade, mas que permite que isto. Avançam por estes dias com as medidas revolucionárias que irão acabar com a partilha das contas, sob o pretexto de que o prejuízo que isso implicava os impedia de “investir em séries e filmes de grande qualidade”. De facto, a partir deste ponto, só é possível melhorar. Cá estaremos para avaliar se é mesmo isso que acontece.

Carregue na galeria para conhecer as novas séries que chegaram à televisão em fevereiro.

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