Em 1999, Jill Dando era já uma conhecida apresentadora da televisão britânica. Sem que nada o fizesse esperar, a mulher de 37 foi abatida com um tiro à porta de casa. Mais de duas décadas depois, o crime continua por resolver — nunca foi encontrado o culpado.
É este o mistério no centro da minissérie documental “O Assassinato de Jill Dando”, mais uma incursão da Netflix no mundo do true crime. O documentário chegou à plataforma esta terça-feira, 26 de setembro.
O caso de Jill Dando tem sido objeto de vários documentários ao longo dos anos e volta novamente a ser debatido nesta minissérie composta por três episódios, cada um com uma duração média de 55 minutos. Uma produção da responsabilidade de Marcus Plowright e Emma Cooper, conhecidos pelos seus trabalhos em “Fred and Rose West: Reopened” e “The Mystery of Marilyn Monroe: The Unheard Tapes”.
A série documental apresenta entrevistas com os amigos e colegas mais próximos da vítima, mas também com os agentes que trabalharam incansavelmente para descobrir o que aconteceu naquele fatídico dia. Entre os entrevistados está Nigel Dando, irmão de Jill, que oferece uma visão íntima do impacto da morte da sua irmã e dos seus esforços para proteger a sua família.
“A lenda da radiodifusão britânica, Jill Dando, foi morta com um único tiro à porta da sua casa em 1999, em plena luz do dia. Apesar de ser alvo de uma das maiores investigações de homicídio na história britânica, o assassinato permanece sem solução. Esta série de três partes leva os espectadores através das reviravoltas de um mistério criminal, enquanto familiares, amigos, jornalistas, investigadores e advogados se debatem com a questão: Quem matou Jill Dando?”, revela a sinopse.
Sem culpado à vista, “O Assassinato de Jill Dando” mergulha naturalmente na exploração das inúmeras teorias que foram sendo criadas ao longo das últimas duas décadas.
Um caso real
Jill Dando era uma jornalista britânica de alto perfil que apresentava programas nacionais da BBC desde 1988. Com uma carreira brilhante, foi a cara de programas como “Breakfast Time”, “Breakfast News”, BBC One O’Clock News” e “Six O’Clock News”. Em 1997 foi nomeada Personalidade do Ano pela BBC e à data da sua morte era apresentadora do programa de crime, “Crimewatch”, em parceria com Nick Ross.
Nascida em Somerset em 1961, Dando foi submetida a uma cirurgia cardíaca quando tinha apenas três anos. Tirou o curso de jornalismo na Cardiff Metropolitan University e começou carreira como repórter estagiária no jornal regional de Somerset, o “Weston Mercury”, onde também trabalhavam o seu irmão Nigel e o pai Jack. A mãe morreu em 1986, vítima de leucemia.
Dando ficou noiva do conhecido médico Alan Farthing — que se tornaria num dos ginecologistas da Família Real — apenas três meses antes da sua morte. Passava grande parte do tempo em casa do noivo, em Chiswick, e preparava-se para vender a sua própria casa em Fulham.
Na manhã de 26 de abril de 1999, fez a viagem de 15 minutos até casa no seu BMW descapotável. Estava na soleira da porta quando o misterioso assassino a atacou por trás e atirou-a ao chão. Com uma arma encostada à cabeça de Dando, disparou um único tiro fatal. O corpo foi descoberto por um vizinho cerca de 15 minutos depois. Ainda foi levada para o hospital, mas foi declarada morta à chegada.
O assassinato tornou-se na maior investigação criminal da década. A brigada de homicídios de Londres terá entrevistado mais de 2.500 pessoas, recolhido mais de mil depoimentos e perseguido mais de 1.200 carros. Num documentário da BBC lançado no 20.º aniversário da morte de Dando, o detetive Hamish Campbell, que liderou a investigação, explicou as dificuldades em encontrar um culpado: “As tarefas de localizar e eliminar um suspeito podem demorar um dia inteiro. Por vezes, duas semanas. E são milhares de suspeitos. Esse é o problema de deslindar um homicídio cometido por um estranho.”
Barry George, condenado por crimes sexuais, foi preso pelo assassinato de Dando a 25 de maio de 2000, após uma denúncia feita às autoridades. George também vivia em Fulham e uma vizinha de Dando alegou tê-lo visto na rua no dia do crime.
A acusação argumentou, com sucesso, que George era, efetivamente, o assassino. Visto como um homem solitário, tinha sido previamente condenado por tentativa de violação. Nos anos 80, foi detido nos terrenos do Palácio de Kensington com uma faca e tendia a identificar-se por nomes diferentes. Mais: tinha servido no Exército, o que comprovava que tinha experiência no uso de armas.
Havia também uma pequena partícula no casaco, que os especialistas forenses acreditavam poder ser resíduo da arma que matou Dando. Aquando a detenção, a polícia encontrou também quatro exemplares da edição especial da revista Ariel da BBC dedicada a Jill Dando, que falava sobre a falecida apresentadora. Acabou por ser condenado a prisão perpétua em 2001.
No entanto, em 2008, após dois recursos e oito anos na prisão, George acabou por ser absolvido. No novo julgamento, que ocorreu porque a prova da partícula foi posteriormente considerada inconclusiva, um neuropsiquiatra testemunhou que George tinha um QI de 75, o que tornava improvável que ele tivesse a habilidade para organizar e executar o crime de forma tão meticulosa.
Com a absolvição, o caso mantém-se por resolver. “Se acho que alguém voltará a tribunal? Provavelmente não”, revelou o detetive original do caso num documentário da BBC. “Às vezes, sentia que estávamos a um dia de o resolver. Outras vezes, pensava: ‘Não, ainda estamos muito longe.’ ”
Houve apenas uma confirmação visual do assassino de Dando: o vizinho Richard Hughes viu um homem branco de cerca de 1,80 metros de altura, com cerca de 40 anos, a afastar-se da casa imediatamente após ter ouvido um grito. Infelizmente, o relato não ajudou os investigadores a reduzirem o leque de suspeitos.

Ainda assim, houve outras possíveis testemunhas. Um carteiro revelou que quando entregou correio na casa de Dando, cerca de uma hora antes de ela ser assassinada, reparou num homem de cabelo escuro e de fato a olhar para si. Um polícia de trânsito relatou também ter visto um Range Rover estacionado ilegalmente na rua.
Mais tarde, após o assassinato de Dando, duas testemunhas afirmaram ter visto um homem de cabelo escuro com um casaco a correr pela estrada — uma câmara de vigilância registou o mesmo Range Rover a afastar-se rapidamente do local à mesma hora.
Existem hoje dezenas de teorias a circular sobre quem assassinou a jornalista. Jill Dando apresentava o Crimewatch, e há quem acredite que possa ter sido morta por alguém relacionado com algum caso mencionado no programa. As teorias também incluíam espectadores descontentes, fãs obcecados e pessoas ou grupos desagradados com algumas das suas outras investigações jornalísticas, incluindo o seu trabalho sobre a guerra no Kosovo.
Outros detalhes parecem sugerir que o assassinato de Dando se tratou de uma ação profissional. Segundo especialistas, o modo como a arma foi encostada à têmpora revela uma técnica usada por assassinos profissionais, que abafa o ruído do disparo e evita que o sangue salpique o homicida. A técnica foi bem-sucedida – o vizinho de Dando ouviu a apresentadora a gritar, mas não ouviu qualquer disparo.
Segundo a “The Week”, um ex-polícia que virou jornalista de investigação revelou num programa da ITV, em 2017, que tinha tido uma conversa com um assassino anónimo que disse saber a identidade do homicida de Dando. “Não o identifico porque é muito perigoso. Tenho a certeza de que viria atrás de mim”, terá dito o suposto criminoso.
Carregue na galeria para conhecer as novas séries que chegam à televisão em setembro.