No final dos anos zero já ninguém alugava DVDs na Blockbuster. Ainda assim, eu e o meu grupo de amigos gostávamos sempre de reservar uma das noites do fim de semana para um serão caseiro. A ideia era tentar repor um pouco os níveis de cortisol — corrompidos na noite anterior. Habitualmente passava por ver um daqueles filmes que vinham como oferta do “Expresso” e que já todos tínhamos assistido no cinema, ou então — sobretudo quando era em casa da Rita — dividíamo-nos em equipas e jogávamos.
Nunca havia um jogo pré-definido e variava conforme a disposição do grupo, mas era sempre algo divertido que acabava comigo a refilar com mau perder. Tivemos o nosso tempo de “A aldeia adormece”, jogámos muita mímica com títulos tramados como “Donnie Darko”, passámos pelo poker, brincámos aos Post-its na testa para descobrir figuras públicas (sendo que fomos evoluindo tanto no grau de dificuldade que a certa altura começaram a surgir nomes como Claus Schenk Graf von Stauffenberg e aí perdeu um pouco a piada, porque metade das pessoas adormeciam).
Entretanto, algures em 2007 surgiu uma coisa fantástica para a PlayStation que foi o jogo de quiz “Buzz!” Era uma opção inovadora porque, pela primeira vez, substituiu os clássicos comandos da consola por uns com um botão “buzz” no topo, perfeitos para jogar este título em formato de concurso de televisão. Claro que, a partir daqui, esta passou a ser a nossa aposta favorita da noite de jogos — até enjoarmos.
Nunca mais me tinha lembrado desses serões a jogar “Buzz!” até este domingo, 17 de julho, quando assisti à estreia de “Cantor ou Impostor?” na SIC. Nos dias de hoje, há um tipo de formato televisivo que faz com que os programas pareçam um jogo de PlayStation a imitar um programa de televisão. É tudo super animado, música aos berros, luzes psicadélicas e apresentadores e convidados hiper felizes, que nos tentam fazer acreditar que aquele é um programa espe-ta-cu-lar!
“Cantor ou Impostor?” não me pareceu um programa espetacular mas também não é um conteúdo intragável. É uma proposta de entretenimento razoável que peca por ser demasiado plástica e não muito inovadora, o que — verdade seja dita — é algo cada vez mais difícil de alcançar. Tem alguns pontos positivos, como a apresentação de Cláudia Vieira, que faz um esforço grande para manter a energia lá em cima, o que poderá explicar aquela barriga lisa extraordinária. Sei que a Cláudia faz publicidade aos iogurtes com bifidus ativos, que ajudam as senhoras a ficar mais centradas, mais leves, com vontade de agarrar novos desafios, de aproveitar o momento e viver a vida com mais flow! Mas também não é preciso exagerar.
“Tudo pode ser verdade e tudo pode ser mentira”, anuncia a apresentadora, enquanto explica as regras deste “game show”. Ou seja, no fundo “Cantor ou Impostor?” é o feed do Instagram em forma de programa, com a diferença de que no Instagram todos somos, mais ou menos, impostores. Aqui temos assumidamente um conjunto de personagens que, podendo ser cantores ou impostores, encarnam determinadas profissões: a secretária; o empregado de mesa; a jornalista; o barbeiro; a vendedora de legumes; o guarda-redes e a cavaleira. Um mix bestial que dava um elenco extraordinário para um filme português dos anos 40.
Quando cada um deles se apresentou, ficou em modo estátua a olhar para o infinito, não sei bem porquê, mas lá está, remeteu para o videojogo. Se fosse um jogo, nesta parte escolhíamos as roupas e adereços dos nossos avatares. Como é um programa, serviu só para introduzir o grupo de comentadores. Na verdade, dão pelo nome de “influenciadores”. Porquê? Porque é um nome mais adequado ao zeitgeist e porque o título “investigadores” já estava ocupado por “A Máscara”. João Manzarra, Débora Monteiro e Rui Unas compõem o leque de influencers residentes aos quais se juntará sempre um ou uma convidada, papel que nesta estreia coube à cantora Rita Guerra.
Além disto tudo ainda temos uma concorrente especial, ou seja, no fundo a única pessoa que no meio daquele festival de luz e cor está efetivamente a jogar. Bárbara Guimarães foi a primeira figura pública a participar e por cada palpite correto ganhava uma quantia para oferecer a uma ONG. Auxiliada pelos influenciadores, a primeira opção de Bárbara, sobre uma possível impostora, foi a cavaleira. Para desvendar se seria ou não uma impostora, a jovem subiu ao palco e tinha, nada mais nada menos, do que um vozeirão de cantora lírica.
É certo que começaram com o pé errado, mas pelo menos sempre pudemos ouvir alguém com uma bonita voz que compensou o massacre que veio depois deste momento. O segundo palpite recaiu sobre o empregado de mesa, que Bárbara desconfiava que pudesse ser um impostor. E era mesmo: percebeu-se logo nos primeiros segundos em que abriu a goela. O problema é que alguém lhes deve ter dito para eles cantarem exageradamente mal, para “ter piada”.
E este senhor não fez por menos: agarrou-se ao microfone e optou por ter um ataque de epilepsia. É que uma coisa é cantar mal, outra coisa é transformar-se no Zed da “Academia de Polícia”. Depois dele, os meus ouvidos ainda foram violados pelo timbre da vendedora de legumes, que assim que começou a cantar e a minha cadela fugiu disparada a ganir e só hoje de manhã é que voltou. Ao pé destes impostores, a senhora que canta na igreja, naquele vídeo do “‘Tá muito alto”, é a Adele.
Leia também a entrevista da NiT a Cláudia Vieira sobre este novo programa de televisão.