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Chacina da Candelária. O massacre que chocou o Brasil chegou à Netflix

Oito jovens sem-abrigo morreram alvejados a sangue frio pela polícia. A sua história é contada neste documentário que já é a quinta série mais vista em Portugal.
O caso parou o Brasil.

Pouco antes da meia-noite de 23 de julho de 1993, um dos capítulos mais brutais da história recente do Brasil foi escrito com sangue e impunidade. Ficou conhecida como a Chacina da Candelária. O massacre, que resultou na morte de oito jovens sem-abrigo, à frente de uma das igrejas mais icónicas do Rio de Janeiro, chocou o país e o mundo.

Mais de 30 anos depois, a Netflix revive esta tragédia numa nova minissérie que mergulha nas memórias dolorosas e nas complexas questões sociais e políticas que marcaram este episódio sombrio. “Os Quatro da Candelária” foi lançada a 1 de novembro e tem vindo a subir no top da plataforma de streaming. Atualmente está no quinto lugar.

Segundo os relatos e investigações, os assassinos eram sete polícias militares e civis que queriam “limpar” a área. Não viam os jovens como seres humanos, mas sim como uma ameaça. Naquela noite, decidiram finalmente levar a cabo o plano que tinham traçado.

Dentro de um táxi e de um Chevette, pararam à frente da Igreja da Candelária onde os jovens (com idades entre os 11 e os 19) dormiam e, do interior dos veículos, abriram fogos contra as crianças desprotegidas. A brutalidade — e a covardia — do ataque gerou uma onda de indignação e protestos em todo o Brasil. Organizações de direitos humanos juntaram-se e denunciaram a impunidade da polícia e a falta de proteção que havia para menores em situação de sem-abrigo.

Foi aberta uma grande investigação, mas o processo judicial teve de enfrentar vários desafios, incluindo ameaças a testemunhas e pressões políticas. Dos polícias acusados, apenas três foram condenados e atualmente já estão em liberdade condicional, tendo cumprido apenas uma pena de prisão de cerca de dois anos.

Depois do ataque, muitos dos sobreviventes continuaram a viver nas ruas e, ao mesmo tempo, enfrentaram os traumas psicológicos profundos provocados pelo incidente. Alguns desses jovens acabaram por sofrer mortes violentas meses depois, numa altura em que os acusados faziam de tudo para silenciar as vítimas — e perpetuando assim o ciclo de violência e exclusão que marcou as suas vidas.

O caso da Chacina da Candelária tem sido objeto de análises e estudos, servindo sempre de argumento quando se fala da vulnerabilidade de miúdos e adolescentes nas grandes cidades do Brasil. A Netflix decidiu juntar-se à conversa e construiu a narrativa da minissérie de quatro episódios após ter conversado com sobreviventes, familiares das vítimas, defensores dos direitos humanos e jornalistas.

“Sempre digo que tinha mais ou menos a idade de alguns dos sobreviventes em 1993, então lembro-me bem do caso. É algo que está bastante presente na minha memória porque me identificava com eles”, disse Luis Lomenha, um dos realizadores que cresceu na periferia do Rio de Janeiro, à “Veja”. 

Desde que se recorda, é fascinado por documentários sobre aquele caso. No entanto, achava que nenhum fazia jus a quem aqueles miúdos realmente eram. “O que me incomodava é que muitos dos conteúdos produzidos eram muito factuais e repletos de julgamentos.” Os miúdos assassinados eram quase como personagens secundárias: nada era dito sobre as suas vidas e dia a dia. “O meu objetivo era mudar isso e humanizá-los”, confessa.

A ajudá-lo neste trabalho teve Márcia Faria, também realizadora — que se certificou de que falava com as pessoas que tinham realmente uma história para contar. Ao longo de várias semanas, acabou por criar uma amizade com Patrícia Oliveira, irmã de um dos sobreviventes. “Depois do caso, ela tornou-se numa das maiores ativistas de direitos humanos no Rio de Janeiro. Foi um enorme orgulho poder conversar com ela.”

Apesar de se desenrolar em 1993, ambos acreditam que a minissérie continua a ser extremamente relevante nos dias de hoje. Na verdade, os massacres no Brasil não têm diminuído com o passar dos anos — e as mortes têm vindo a crescer. Em 2019, 13 pessoas morreram em Santa Teresa e, dois anos depois, 21 perderam a vida no Jacarezinho, ambos locais no Rio. “Colocamos a bandeira de França no Cristo Redentor quando acontece um atentado lá, mas não pomos a do Brasil quando continua a haver casos assim por cá”, lamenta Luis.

Carregue na galeria e conheça algumas das séries e temporadas que estreiam em novembro nas plataformas de streaming e canais de televisão.

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