Antes de sabermos quem era Gillian Anderson, conhecemos Dana Scully, a parceira de Fox Mulder na icónica série paranormal “Os Ficheiros Secretos”. Durante oito anos, a produção foi uma das mais vistas nas televisões de todo o mundo. Depois, Anderson quase desapareceu.
A nova década, porém, trouxe um novo fôlego à carreira da atriz de 53 anos. Em “The Crown” transformou-se numa exímia e fiel Margaret Thatcher, o que lhe valeu o Emmy de Melhor Atriz Secundária numa Série Dramática — distinção que se segue ao Globo de Ouro na mesma categoria. Mas há mais.
A coroação na gala dos prémios mais prestigiados da televisão coincide com o regresso de “Sex Education”, a série que é um sucesso na Netflix e que se tem mantido no top desde o lançamento da terceira temporada. Na produção, Anderson é Jean Milburn, terapeuta sexual e mãe do principal protagonista.
Os dois papéis atiraram novamente a atriz para um papel de destaque que nunca atingiu desde 2001, após o episódio final de “Os Ficheiros Secretos”. A série regressaria para mais duas temporadas em 2016 e 2018, mas foi recebida com timidez pelos espectadores e pelos críticos.
A ausência de Anderson da ribalta é ainda mais notória quando se olha para as redes sociais. Nos dois mais recentes papéis, a atriz exibe um carregado sotaque britânico, o que levou a que muitos fãs que apenas conheciam os seus mais recentes trabalhos ficassem atónitos quando, na gala dos Emmy, Anderson bailou entre sotaques dos dois lados do Atlântico.
A verdade é que Anderson nasceu nos Estados Unidos, mais concretamente em Chicago. A família mudou-se para Londres quando ainda era bebé e por lá ficou até aos seus 10 anos. Regressou ao país natal onde fez carreira como atriz e explodiu em “Os Ficheiros Secretos” em 1993, ano em que venceu o seu primeiro Emmy como Melhor Atriz Principal.
As constantes mudanças entre países tornaram Anderson fluente nos dois sotaques. “Ele vai e vem porque cresci nos dois países, por isso o sotaque que uso depende muitas vezes de quem está a falar comigo. Quando estou com britânicos, desliza para o inglês e com vice-versa com americanos”, explicou, apesar de confessar que por vezes o faz de forma “consciente” para surpreender as pessoas.
Fosse qual fosse o sotaque, Anderson era uma estrela. Tornou-se numa das atrizes mais requisitadas na indústria, mas também num sex symbol. Foi capa da “FHM” numa edição que levou à loucura os fãs: a revista esgotou em todo o mundo e levou à sua eleição como a Mulher Mais Sensual de 1996.
A sessão fotográfica em lingerie foi completamente improvisada e irritou até o agente da atriz. “Nada estava a funcionar e quando demos por ela eu estava deitada na cama de roupa interior. O meu agente estava passado: ‘O que é que estás a fazer?’.”
Não foram só as fotos ousadas que deram nas vistas. Na entrevista — “tirada do contexto”, sublinhou anos mais tarde —, era revelado que tinha perdido a virgindade com um neo-nazi. “A verdade é que perdi a minha virgindade com um tipo que mais tarde se tornou num neo-nazi. Não é a mesma coisa”, contou ao “The Independent”.
Após o final da série em 2001, começou o estranho ocaso na carreira de Anderson, que coincidiu precisamente com o regresso da atriz a Londres, onde ainda vive. “Sempre senti a falta do Reino Unido e sabia que haveria de acabar por voltar”, revelou mais tarde.
Foi um desaparecimento intencional. Apesar de escapar ao sucesso dos blockbusters, continuou a trabalhar em teatro e na ocasional série televisiva — passou pelos sets de “Hannibal” e “The Fall” —, com passagens pelo cinema, em filmes improváveis como “Johnny English Reborn” ou “Robots Overlord”, um filme sobre robôs que invadem o planeta Terra.
À exceção das quatro nomeações para os Emmy que lhe valeu o papel de Dana Scully, só conseguiu repetir o feito em 2005, com o papel de Lady Dedlock no drama de época “Bleak House”. Em 2016, recebeu a Ordem do Império Britânico das mãos de Isabel II pelo seu trabalho.
Para sempre ficou a questão do porquê de se ter afastado de Hollywood quando tinha tudo para fazer uma carreira brilhante como membro da lista de atores de elite. “Muita gente não percebeu a minha mudança para Londres depois do sucesso de ‘Os Ficheiros Secretos’, perguntavam-me porque é que desapareci de Hollywood”, contou mais tarde.
Não o fez apenas pelas saudades que tinha do país. “Parte dessa decisão prendeu-se com a relação complicada que tinha com o facto de me ter tornado famosa tão nova e ter visto o lado mais negro da indústria. Odiava isso tudo e só queria escapar.”
Morava em Los Angeles com a primeira filha, Piper, quando se começou a sentir sufocada. “Gostava de me manter fora do radar e irritava-me não o conseguir”, diz. “Queria levar a minha filha ao parque nos dias de folga e ficava furiosa por não o conseguir fazer com privacidade. É horrível.”
Vinte anos depois, já mãe de três filhos, Anderson mostra-se satisfeita com a decisão. “Agora que estou mais velha, consigo colocar tudo em perspetiva. As recompensas com que fui abençoada por ter seguido o meu instinto são muitas”, nota. “Nunca cheguei ao ponto sequer de reconsiderar voltar a mudar-me para os Estados Unidos.”
Nos últimos dez anos, Anderson fez muito mais do que apenas cinema e teatro. Desde os tempos dos “Ficheiros Secretos” que coleciona arte. “Sempre foi uma grande parte da minha vida”, explica a atriz que comprou uma litografia de David Blackburn com o seu primeiro ordenado como Dana Scully.
“Não sou o tipo de pessoa que coleciona as obras e as guarda num sítio qualquer. Não consigo conceber isso. Gosto de as ver. Algumas pessoas fazem rotação da arte nas paredes, mas não sou assim tão organizada.”
Além da arte, é também apaixonada por arquitetura e design de interiores e, mais recentemente, aventurou-se na moda. Em 2018 lançou uma coleção cápsula para a Winser London com a sua assinatura. Entre blazers, calças e blusas, Anderson reafirmou querer espelhar o seu espírito feminista e levar as peças inspiradas a todas, “das adolescentes às mulheres nos seus 70”.