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Comparámos a nova novela da TVI com a original argentina — e ficámos surpreendidos

“Queridos Papás" tem o melhor elenco, o melhor texto e o pior idioma. Leia a crónica do humorista e cronista da NiT Miguel Lambertini.
A novela está no ar na TVI.

“Queridos Papás” é a mais recente novela da TVI baseada num formato argentino de sucesso, “Señores Papis”. Vi a produção original — que tem o nome de um hit de verão da Luciana Abreu — e também o remake português para poder comparar e cheguei à seguinte conclusão: “Queridos Papás” tem o melhor elenco, o melhor texto e o pior idioma.

A verdade é que há um certo salero no espanhol da Argentina que torna as interações mais divertidas e um pouco menos dramáticas que na língua de Camões. Para dar um exemplo, em ambas as versões um dos pais é surpreendido por uma ex-namorada que lhe anuncia que ele é o pai do seu filho de 5 anos e larga o miúdo em casa dele. Algo muito verosímil — quem nunca? Ainda assim, na versão original argentina a cena tem ritmo, com traços de sketch cómico e culmina com o personagem quase a ser atropelado quando se põe a correr semi-nu no meio da estrada. Na nossa versão só faltava a música dramática e podia ser um anúncio da comissão de proteção de menores contra o abandono de miúdos em casa de ex-namorados que não se veem há anos.

O enredo de “Queridos Papás” tem como cenário o Seixal — e as imagens incríveis do genérico deixaram-me com vontade de ir viver para a cidade da Margem Sul, mas depois lembrei-me que estamos em Portugal e um T0 deve custar 2.900€ por mês.

No primeiro episódio, ficámos a conhecer os quatro protagonistas, Matias (José Fidalgo), Simão (Pedro Sousa), Xavier (Tiago Teotónio Pereira) e Jaime (Fernando Pires), todos com realidades distintas, que se cruzam num ponto comum, a creche “Tartaruguinha Verde”, onde os filhos são colegas na sala dos 5 anos.

E então o que se passa com estes quatro papás estupidamente bem apessoados para homens de meia idade do Seixal, claramente inaptos para lidar com os desafios diários da parentalidade?

O casamento de Xavier está por um fio porque a mulher Alice (irmã de Jaime) já não tem paciência para o aturar e costuma fechar-se na casa de banho agarrada ao telemóvel. Será que há mouro na costa? Não sabemos, pode estar só viciada nos TikToks do Kapinha.

Xavier, que tem a alcunha de Chouriço (sabe Deus porquê) é pai de três filhos e dono de uma pizzaria (ah, se calhar é daqui que vem a alcunha). O belo do Chouriço investiu todas as poupanças no negócio o que faz com que as contas lá de casa estejam tremidas, como se percebe quando a luz vai abaixo. Este é um dos focos de discussão com Alice, que numa das ocasiões em que os ânimos se exaltam decide sair de rompante de casa, deixando-o sozinho com os três miúdos. “Ela volta rápido?” pergunta um dos filhos. “Não sei, acabou de sair, sei lá quando é que volta”, diz o pai. Ao que o miúdo responde: “Não é a mãe, é a eletricidade, é que hoje dá jogo de futebol e quero ver”. Algo me diz que os filhos não vão sentir muitas saudades da mãe.

Matias é o tal que abriu a porta à ex-namorada e recebeu um filho. É por estas e por outras que se pergunta sempre “quem é?”, não vá ser outro filho ou pior, uma carta das finanças. Matias é solteiro e detesta compromissos amorosos. Não acredita no casamento, nem na família e foge dos afetos como o José Fidalgo foge de um nariz adunco. Matias não tem ideia nenhuma de como se trata de uma criança e muito menos o que são reuniões de pais (que sorte a dele), como se percebe neste primeiro episódio.

Jaime, por seu lado, é o oposto e dedica-se a tempo inteiro à associação de pais da “Tartaruguinha Verde”. É pai de uma adolescente de um relacionamento anterior e de um rapaz de 5 anos, com a atual mulher, Camila. Apesar da pressão dela para terem outro filho, Jaime não está muito interessado na ideia, até porque só depois de terem sexo é que Camila se lembra de começar a falar no assunto, e relembra o marido que — há dois anos! — tinham concordado ter mais um filho. Espero que lá em casa não contem com Camila para controlar os prazos da inspeção do carro.

Por fim, Simão é o viúvo do grupo, ou seja, uma reencarnação de Luís Esparteiro no “Super Pai”, — mas com cabelo. Tem duas filhas, a Beni e a Carlota, e apesar de a mulher ter morrido há cerca de três anos, o empresário ainda carrega um sentimento de culpa pelo facto de a companheira ter tido um acidente de viação fatal logo a seguir a uma discussão de ambos. Simão é um pai galinha e fica escandalizado quando descobre que um dos meninos puxou o cabelo da filha e roubou-lhe um pacote de bolachas, ameaçando fazer queixa ao Ministério da Educação. Faz sentido — é mais provável o ministério repor um pacote de bolachas do que os professores verem reposto o tempo integral de serviço.

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