Televisão

Da anorexia nervosa ao género fluído. É assim a jovem estrela de “The Last of Us”

Bella Ramsey brilhou em “A Guerra dos Tronos” com 12 anos, sofreu com a fama e agora volta numa das séries do ano, cortesia da HBO.
Ramsey tem apenas 19 anos

Mais de 200 atrizes participaram nas audições para um dos papéis mais cobiçados do ano na televisão, o da jovem Ellie, a co-protagonista de “The Last of Us” — grande aposta da HBO para 2023, inspirada no bem-sucedido videojogo com o mesmo nome. Na lista estavam jovens dos nove aos 20 e muitos anos, o que oferecia uma maior amplitude (e dificuldade) de escolha.

No meio de tantos nomes estava Bella Ramsey, o que despertou a atenção de Craig Mazin, showrunner e homem por detrás de “Chernobyl”. Assim que viu a sua gravação, ficou boquiaberto. “Oh merda, é a Lady Mormont.”

Como super fã de “A Guerra dos Tronos”, Mazin reconheceu imediatamente a jovem que atirou para primeiro plano uma personagem secundária — e que rapidamente se tornou numa favorita dos fãs pela obstinação numa jovem que, à altura, era ainda menor de idade. O showrunner tentou não se deixar deslumbrar, mas acabou mesmo deslumbrado com Ramsey.

“Estava cheio de medo que eles não conseguissem ver aquilo que eu vi”, explica à “Elle”, sobre o momento da escolha. “Na minha cabeça, pensava que se não conseguisse que a Bella ficasse com o papel de Ellie, eu iria morrer a pensar que podíamos ter feito uma série muito melhor do que a que faríamos [sem ela].”

A opinião foi unânime e todos quiseram dar a oportunidade a Ramsey. A jovem, então com 17 anos, preparou-se de forma curiosa: atirou-se à passadeira de corrida enquanto repetia incessantemente “motherfucker”. Tudo para entrar na personagem que marcou os videojogos da saga.

Hoje, com dois episódios já revelados ao público e que têm recebido os aplausos da crítica, “The Last of Us” parece estar no caminho de se tornar num sucesso, à boleia da química entre Ellie e Joel, interpretado por Pedro Pascal. Foi a chave do sucesso do videojogo e seria também a chave da série.

Claro que o facto de Ramsey encarnar uma personagem já conhecida dos fãs tornou tudo mais complicado. Foi necessário superar a negação e as críticas dos fãs que a acusavam de não ser parecida com a Ellie original. A atriz, hoje com 19 anos, sofreu.

“Acreditem em mim, eu também tive as minhas dúvidas”, refere. “Demorei algum tempo até aceitar que eu seria a Ellie, que eu podia sê-lo e que era a pessoa certa para o papel. Demorou algum tempo, até mesmo depois de acabarmos as gravações.”

Apesar das dúvidas, experiência não lhe falta. A jovem britânica começou a experimentar os palcos com apenas quatro anos, entre teatros amadores e grupos de teatro nos quais acompanhava a irmã mais velha. Sempre achou que não era mais do que um hobby, pelo menos até começar a tentar participar em audições. A primeira vez que recebeu um sim numa proposta profissional, deu por si no meio dos mega cenários da sexta temporada de “A Guerra dos Tronos”. Tinha apenas 12 anos.

De 2016 a 2019, ano da derradeira temporada, viajou sempre para os sets de gravação do êxito da HBO, onde participou num total de nove episódios. É, da lista de personagens secundárias, uma das que deixaram marcas mais profundas nos fãs.

A começar tão cedo seria de esperar que Ramsey tivesse hoje nervos de aço. Nem por isso. “Nunca fui uma miúda ansiosa, mas acho que isso piorou à medida que fui trabalhando em ambientes de maior pressão.”

Entre eles, os de “A Guerra dos Tronos”. “Sempre fui uma solitária, não tinha grandes amigos na escola secundária — e de repente toda a gente queria ser minha amiga, falar comigo. Foi a primeira vez que senti que algo estava diferente na minha vida.”

Entre toda essa fama, acabou por ser escolhida como protagonista da série infantil “The Worst Witch”, uma experiência que se revelou mais dura do que pensava, sobretudo para uma jovem com apenas 14 anos. Além do nervosismo, as saudades de casa e o stress levaram-na a sofrer de anorexia nervosa.

O estado da sua saúde mental levou-a a tomar a decisão de não participar numa segunda temporada. Cedeu. E voltaria a ceder na terceira temporada, a sua última. Só disse adeus à série quando conseguiu também dar a volta à condição que a afligia.

“Falou-se muito que eu deixei a série por questões de saúde mental. Diria que é mais correto dizer que, por essa altura, já tinha resolvido a maioria dos meus problemas de saúde mental. Simplesmente achei que não queria fazer a quarta temporada porque não valia a pena. Estava num sítio melhor. Não queria nem precisava de o fazer.”

Já durante as gravações de “The Last of Us”, Ramsey recebeu os resultados médicos que confirmaram as suas suspeitas: era neurodivergente, isto é, uma pessoa cujo funcionamento e processo neurológico é atípico, diferente do dos restantes. “Durante anos, imaginei que o fosse, mas descobrir isso enquanto filmava a série foi super especial.”

Nesta fase de descobertas — tem, afina, apenas 19 anos —, Ramsey aproveitou para fazer mais algumas revelações. “Acho que no passado tive uma pouco saudável relação com rótulos. Nunca tive problemas com o rótulo da anorexia, que sempre foi uma espécie de manta protetora para mim. Agarrava-me demasiado a ela e, por isso, tenho algum receio dos rótulos, mas também acho que, no final, não tenho a coragem necessária para aplicar rótulos a mim própria.”

Embora raramente o faça publicamente, confessa que na sua cabeça, não se importa de se categorizar. “Sei que publicamente, fico mais hesitante, porque sei que algumas coisas ainda são… Acho que eu ainda estou a tentar ficar confortável, ainda estou a descobrir”, explica ao “The New York Times”, a quem confessa que o seu género “é fluído” e que nos questionários preenche sempre a opção de “não-binário”.

“Alguém me tratava por ‘ela’ e eu nem pensava nisso. Mas se alguém me tratava por ‘ele’, era excitante”, conta. “Basicamente, sou uma pessoa. Ser alocada a um género não é algo que goste particularmente, mas em termos de pronomes, pouco me importa.”

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