“Para Sempre” estreou na TVI a 8 de novembro. Diogo Morgado interpreta um dos protagonistas, Pedro, que está de regresso a casa para descobrir a verdade sobre as suas origens. Foi abandonado quando era bebé e teve um percurso atribulado, sem nunca conhecer a família biológica.
Quando regressa à cidade onde cresceu, vai descobrir informações chocantes. Nomeadamente, que a sua antiga namorada da adolescência — com quem se volta a relacionar — mantinha uma relação com uma pessoa que era, sem saberem, o seu irmão. É esta a premissa da novela da estação de televisão de Queluz de Baixo.
Além disso, estreou a 18 de novembro nos cinemas o filme “Irregular”, realizado por Diogo Morgado e escrito pelo próprio em colaboração com o irmão, Pedro Morgado. Pedro Teixeira interpreta Gabriel, um homem feliz. No caminho para levar a filha a uma viagem ao campo, pára numa bomba de gasolina. Tudo muda quando vê a sua filha a ser raptada. Não demora muito a perceber que aquele acontecimento é o início do fim.
A NiT entrevistou Diogo Morgado sobre como foi preparar o papel em “Para Sempre”, o que podemos esperar da novela e do filme “Irregular”. Leia também a conversa com Inês Castel-Branco sobre a novela.
Quando lhe apresentaram o tema da novela e a personagem, o que é que o atraiu para querer fazer este papel?
Vou ser muito sincero: atraíram-me coisas completamente diferentes daquelas que depois acabaram por me dar mais prazer. A primeira vez que me foi proposto o projeto ainda não havia argumento. Havia uma vaga sinopse do André Ramalho e a proposta era criar com ele alguma coisa. Fizemos um pingue-pongue criativo até chegarmos à sinopse oficial. Agora, o mundo era um mundo diferente daquele que, entretanto… todos nós fomos para casa, as coisas complicaram-se bastante. No entanto, a ideia original estava lá: criar uma personagem que não ultrapassasse aquele impasse do “e se?”. Porque é que isto me aconteceu? Por que razão? Por mais trágica que seja a resposta, acredito que não saber é mil vezes pior. Aqueles pais que perdem os filhos, de uma forma macabra quase que preferem saber que faleceram, do que não saber o que aconteceu. O não saber provoca um sentimento de angústia poderosíssimo. Achámos que seria algo motivador para o início da história e para a personagem. Foi isso que, de alguma forma, me motivou.
O que é que mais o estimulou, quando começaram a gravar?
Quando começámos a gravar num Portugal muito confinado, senti que havia muitos paralelismos entre uma personagem que não consegue seguir com a sua vida porque tem esta questão para resolver. Todos nós, de alguma maneira, estávamos assim. Nessa incerteza acabei por encontrar o lado único desta narrativa e desta personagem: saber que estávamos a falar para um público que também estava diferente com a pandemia. Aí passou a ser o desafio: de que forma podemos transformar esta história ou o caminho desta personagem e tratar isto de uma forma que faça sentido ao espectador e àquilo que ele está a passar. O que tem de bom um formato como uma novela é o lado contemporâneo. Foi nesse encontro de similaridades entre o que estávamos a passar e a narrativa que passou a residir o foco da nossa atenção.
Já falou sobre o que move a personagem, a angústia de não saber. A partir daí, como foi construí-la?
Dois pilares foram importantes. Todos nós, seja como mecanismo de defesa ou não, acabamos por arranjar algo maior do que nós, ou exterior a nós, para de alguma forma desculpabilizar alguns dos nossos atos e justificar tudo o que não está bem na nossa vida. É da condição humana. Ou é por causa dos pais ou porque houve algum acontecimento traumático, ou foi uma relação qualquer… É normal. Criei uma personagem que fosse isso. Ele acaba por culpabilizar o facto de ter sido abandonado por ter feito um caminho um bocado mais à margem. É criado nas ruas, acaba por encontrar a Clara na consequência de um assalto… É um miúdo que diz: posso fazer isto porque fui maltratado. Essa era a primeira fase do Pedro que acho que seria interessante porque cria uma identificação muito próxima com o público. Depois, o arco da personagem está na descoberta de que não deve ser assim. Por mais que queiramos pôr as culpas no exterior, a verdade é que tudo começa e acaba em nós. E, muitas das vezes, quando vamos ao fundo da questão, acabamos por encontrar coisas que não são propriamente aquilo que esperávamos. Foi a partir destas linhas condutoras que tentei criar a personagem, de forma a não ser o herói, o bonzinho que foi maltratado. Acho que nunca nada é só uma coisa, não existe um só lado na vida. Até naquilo que pensamos que é verdade absoluta. É sempre mais complicado. É aí que está o gozo do meu trabalho — criar uma história mais complexa do que parece.
Houve referências específicas que o tenham ajudado a criar a personagem?
Havia coisas em comum com esta personagem que trouxe de outros papéis. Pessoas que foram de alguma forma traumatizadas, em adulto ou em crianças. Quando há um trauma envolvido, geralmente estas pessoas acabam por ser mais brutas com quem lhes está mais próximo. Não é sempre assim, mas é uma característica bastante presente. Já conhecia um bocado essa mecânica de alguém que passou por um trauma. Depois o processo, acabou por ser um bocado único, porque muito daquilo que vivi de ansiedade e medo em relação àquilo que todos estávamos a viver… acabei por ir beber a esse sentimento que estava a ter e que estava à minha volta para o emprestar a uma personagem que, apesar de não serem esses os motivos, tinha muitas similaridades emocionais. Por isso é que digo que o Pedro foi construído com fruta da época [risos]. Era a que estava à nossa volta e seria um desperdício não a usar.
Qual foi o maior desafio em fazer esta novela?
Foi usar uma verdade que não era a da personagem. No sentido em que é difícil trabalhares… Estou muito ligado à equipa, senti um plateau naturalmente diferente. A mecânica de fazer um trabalho destes, ainda por cima de longa duração, estamos a falar de muitas horas. Por isso não é um cliché dizer que dependes do quão saudável é o ambiente no set. Não quer dizer que não se faça de outra maneira, mas não é bom. Nessa medida, o maior desafio foi não me deixar contaminar por uma energia que era diferente, pelo receio que estava à nossa volta. A maior dificuldade foi fazer o meu trabalho em condições diferentes daquelas que são as recomendáveis e que faço há 27 anos. O resto é história, não há errado nem certo. A arte tem isso.
A novela estreou há mais de duas semanas. Como tem sido a receção?
Tem sido boa. Tenho recebido feedback muito positivo. É bom sentir que se voltou assim a uma novela mais clássica — no sentido da estrutura e da forma como as personagens estão desenhadas e são apresentadas, mas com excelentes atores a presentear-nos com coisas fora da caixa. A Marina Mota está absolutamente incrível e aquilo que ela está a fazer — não que entre nós, no meio, não conhecêssemos as capacidades dela — mas para o público cria um efeito surpresa, porque maioritariamente estamos habituados a vê-la num registo mais cómico.
Que pistas pode dar para os próximos tempos em relação à sua personagem?
A maior de todas é: onde raio é que o Pedro Valente arranjou a sua fortuna? Essa foi desde o início uma diretriz que quisemos que fosse a próxima evolução da personagem. Tivemos uma fase em que achámos que este tipo era uma besta, depois começámos a perceber que há algo muito humano que o motiva. Houve uma certa identificação com ele. E agora que pensamos que o conhecemos, vamos para uma fase em que teve de fazer coisas, não as mais aceitáveis, para chegar onde chegou e para estar onde está. Vai ser o passo seguinte. Estou curioso para perceber como é que as pessoas vão reagir.
Falando do filme “Irregular”, que é um thriller psicológico: é um registo que vocês já queriam explorar há muito tempo?
Sim, temos vindo a fazer um caminho que é uma maratona. É uma relação longa. Começámos com uma comédia, passámos para ficção científica e este é um filme profundamente emocional e um thriller de ação. Mas é essencialmente uma viagem emocional. Penso que as pessoas que veem o trailer podem ficar com a ideia de que é um bocadinho pela rama, mas o tema é bastante profundo e muito mais pertinente agora. Tivemos oportunidade de saltar o cinema e estreá-lo em televisão, o que para nós — em produção independente — teria sido um grande respirar de alívio. Mas ainda assim aguentámos. Foi um filme que feito para ser assitido numa sala escura. É com grande felicidade que o espectador tem sido cúmplice em não estragar a experiência para o próximo. Ou seja, é um daqueles filmes que quem for ver é apanhado de surpresa. Essa coisa do boca a boca só funcionaria no cinema. Mesmo em relação aos números, fomos a estreia número um da semana, o que é fantástico. E esse é o trabalho que temos vindo a fazer. Tentar conquistar o público com as histórias e fazer com que as pessoas deixem de ter receio de que cada vez que vão comprar um bilhete de cinema para ver um filme português sentirem que estão a comprar um bilhete da lotaria, que tanto pode correr muito bem como pode correr muito mal. Esse medo tem que acabar.
Já estão a pensar em ideias para um próximo filme, ou ainda é cedo?
Não é cedo, ideias temos para aí umas cinco já desenvolvidas. A questão está sempre na execução, que depende muito do sucesso do projeto anterior. Quando falamos de cinema não subsidiado, dependemos exclusivamente das bilheteiras e do quão o filme é bem aceite pelo público. A próxima história vai depender muito de como correr o filme nas salas. Temos pelo menos três projetos que queremos muito fazer de imediato. Qual deles? Cada um tem necessidades de produção diferentes. Claro que queríamos o melhor e o mais caro, mas isso tem custos associados que terão que vir desta conversa que estamos a tentar ter com o público. Mas, de qualquer forma, será um filme de género. Coisas em que normalmente não se arrisca em Portugal.