No liceu fictício de “Euphoria”, Sydney Sweeney é Cassie, para quem todos olham sempre que passa nos corredores. A beleza que, para muitos, é motivo de inveja, é para a jovem uma espécie de maldição. À medida que a série de Sam Levinson progride na narrativa, destapam-se os traumas que justificam os comportamentos cada vez mais erráticos de Cassie.
Traumatizada pela ausência do pai, a atenção masculina que despertava — de familiares e estranhos, mesmo ainda em criança — deixou raízes profundas. Na realidade, o aspeto físico da atriz também levou a que os seus dotes de atriz fossem menorizados.
“Os meus seios cresceram muito antes dos das outras raparigas. Sempre fui ostracizada por causa disso”, revelou em entrevista ao “The Sun”. Como atriz, sentiu sempre que os atributos físicos marcavam sempre a impressão que todos tinham de si. “Acham que tenho mamas, sou loira e é tudo o que tenho [para oferecer].”
A sua atuação em “Euphoria” é, para os mais desatentos, uma prova da sua hiper sexualização, mas os dotes estavam à vista de todos. “De repente fiz ‘The White Lotus’ e todos os críticos estão a prestar atenção. Adoram-me. E então eu digo: ‘Não me viram em ‘Euphoria’? Não me viram em ‘The Handmaid’s Tale?’.”
Agora, Sweeney parece querer colocar de vez um fim a essa discussão. É protagonista de “Reality”, a nova série da HBO Max que desde a estreia a 29 de maio tem acumulado boas críticas e sobretudo aplausos ao grande papel da atriz. A produção inspira-se no caso real de Reality Winner (Sweeney), ex-tradutora dos serviços militares norte-americanos, suspeita de ter revelado informações sensíveis sobre a possível interferência russa nas eleições de 2016.
O estigma da nudez e a transformação num ícone de estilo
“Ela é feia.” Os tweets multiplicavam-se e alguns ousavam fazer outro tipo de considerações. “Se pararem de olhar para as mamas dela, vão reparar que ela é feia.” Os comentários abusivos iam sendo lançados na segurança da anonimidade, mas do outro lado do ecrã estava Sydney Sweeney, a visada de todos os insultos.
“Sei que toda a gente diz que não podemos ler coisas [sobre nós], que nunca o devemos fazer, mas eu sou uma pessoa, raios. Estou em casa como os outros, sentada ao lado do meu cão a ver o Instagram com o meu pijama vestido”, comentou a atriz poucas semanas depois do gesto que se tornaria viral em maio de 2021. Sweeney não aguentou os insultos calada e fez um vídeo em direto para a rede social.
“Aparentemente estava a ser tendência no Twitter, por culpa das pessoas que diziam que eu era feia. Nunca o faria, na verdade, mas senti que era importante mostrar como é que as suas palavras afetam os outros.” Num curto vídeo que depois haveria de apagar, a atriz mostrou-se tal e qual como estava no momento: abatida, chorosa, desesperada.
Os comentários violentos surgiam como resposta à fulgurante e repentina fama da atriz norte-americana, uma das estrelas do elenco de “Euphoria”, o teen drama bem adulto de Sam Levinson que arrecadou Emmys e cavalgou para uma segunda temporada — e terá direito, pelo menos, a uma terceira.
À boleia de outras estrelas ascendentes como Zendaya, Hunter Schafer ou Jacob Elordi, Sweeney foi catapultada não só para outro patamar em Hollywood, mas também no mundo da moda, onde se tornou rapidamente num ícone de estilo. Além de brilhar nas red carpets, foi cara de campanhas para marcas como Tory Burch, Miu Miu, David Yurman, entre muitas outras.
No entanto, por mais que faça, o corpo e a sexualização acaba sempre por ser tema de conversa quando Sweeney está envolvida. A isso não será alheia a sua personagem em “Euphoria”, Cassie Howard, bem como muitas das opções de Sam Levinson, que escreve e dirige todas as cenas.
A sua personagem é uma adolescente problemática, como quase todas as personagens da série. A sua beleza e o precoce desenvolvimento corporal tornaram-na numa rapariga popular, sempre alvo de todos os homens e de todos os afetos, ainda que indesejados. A infância dramática, agitada pela toxicodependência do pai e consequente saída de casa, criaram uma personagem desesperada pelo afeto masculino.
A partir daqui, Levinson construiu uma Cassie Howard cada vez mais relevante para a história. Se na primeira temporada, Sweeney não teve direito a muitos minutos no ecrã, isso mudou na segunda temporada, onde foi protagonista de muitas cenas, muitas delas de sexo. Quando o sexo não se consumava, o corpo da atriz era também o centro das atenções para a maioria dos telespectadores — num segundo plano ficou, quase sempre, a interpretação da atriz que, em muitas ocasiões, foi absolutamente decisiva para o sucesso da série.
Sweeney notou isso mesmo. “Quando um tipo aparece numa cena de sexo ou mostra o corpo, ele é elogiado ou ganha prémios à mesma. Mas quando é uma mulher a fazê-lo, o cenário é completamente diferente. Tenho muito orgulho no trabalho que fiz em ‘Euphoria’. Acho que fiz uma ótima performance, mas ninguém fala disso pelo simples motivo que me despi.”
Cassie Howard é retratada como uma jovem insegura, apesar da sua beleza. O mesmo acontece com Sweeney, que um ano depois do episódio viral no Twitter, voltou a tocar no assunto.
“Explodi”, explicou. “Nessa manhã tinha uma sessão fotográfica para uma marca de lingerie. Nesse dia veio-me o período e não queria usar um tampão e não queria estar inchada para as fotos.” Resultado: recorreu ao Google para perceber como poderia travar a menstruação, arriscou num remédio caseiro e, claro, o resultado não foi bom.
“Fui à sessão e ao fim de uma hora comecei a sentir-me tonta e nauseada. Pensei que era fome, comi, mas não me ajudou a sentir-me melhor. De repente, vomitei a meio da sessão. Foi uma confusão. Estava super envergonhada”, contou à “Cosmopolitan”.
Já em casa, abriu o Twitter, apenas para descobrir que era um dos tópicos mais falados na rede e na qual se multiplicavam as críticas à sua aparência. Acabou por explodir e expor-se mais do que pretendia.
“As pessoas acusaram-me de estar apenas à procura de atenção. Há pessoas que literalmente se suicidam por coisas destas. As pessoas estão a cagar-se para isso.” O vídeo tornou-se viral, mas hoje, Sweeney acredita que o erro compensou, porque “permitiu que se falasse do impacto dos comentários cruéis”, até “porque é algo com que as pessoas lidam diariamente”.
Aos 24 anos, conta já com um um currículo preenchido. Começou a participar em audições com apenas 14 anos e entre pequenos papéis em séries como “Mentes Criminosas” ou “Anatomia de Grey”, conseguiu a sua grande oportunidade na série da Netflix, “Everything Sucks”.
Quem nunca viu “Euphoria” poderá, no entanto, reconhecer-lhe as feições graças a outros dois êxitos da televisão dos últimos anos. Em 2018 protagonizou uma das personagens do original da HBO, a minissérie “Sharp Objects”, ao lado de Amy Adams e Chris Messina. Nesse mesmo ano, brilhou como uma das importantes personagens na segunda temporada de “The Handmaid’s Tale”.

O sucesso só se materializou em “Euphoria”, oportunidade que por pouco deixou escapar. Inicialmente, Sweeney fez o casting para outra personagem, Maddy, mas sentiu que estava “demasiado nervosa” por causa dos temas arriscados da série. “Cresci numa pequena família, são muito conservadores. Pensava: ‘Eles matam-me se eu faço uma coisa destas’”, confessou.
Perante a recusa, Levinson e a HBO voltaram à carga e fizeram novo pedido para que Sweeney voltasse a fazer uma audição, desta vez para o papel de Cassie. “Voltei a ler o guião e pensei que era incrível. Como é que podia desperdiçar uma oportunidade destas? Acabei por ter que explicar tudo à minha mãe.”
“Euphoria” foi um sucesso e abriu-lhe a porta a outro papel de relevo, desta vez na Netflix, em “The White Lotus”, uma performance que lhe valeu o título de “miúda mais assustadora da televisão” por parte do “The New York Times”.
“Senti que foi com esse papel que as pessoas começaram finalmente a reconhecer todo o meu trabalho árduo”, confessou. “Isso era algo que me andava a incomodar faz algum tempo.”
A diferença para Sweeney é simples: em “Euphoria”, despiu-se; em “The White Lotus” manteve a roupa no corpo e “de repente os críticos estavam a prestar-me atenção”. “E eu pergunto: não viram nada disso em ‘Euphoria’? Não viram nada disso em ‘The Handmaid’s Tale’?”
“Há um estigma relativamente a atrizes que aceitam despir-se no ecrã”, conclui a atriz. E quando não prejudica as suas performances junto dos críticos, atiça a turba das redes sociais. Foi precisamente este último cenário com que teve que se deparar nos últimos meses, após a estreia da segunda temporada da série da HBO.
Centenas de imagens das suas cenas de sexo em “Euphoria” começaram a ser partilhadas nas redes sociais. Em muitas delas, os autores faziam questão de identificar os membros da família de Sweeney, inclusive o irmão mais novo.
“Essa foi a coisa mais cruel e dolorosa que alguém podia fazer. Faço sempre questão de separar o meu trabalho e a minha família. Eu não tenho nada a ver com a minha personagem. Isso é altamente desrespeitador e desesperante”, assume. “Não há nada que eu possa fazer para lidar melhor com isto. Acabamos por nos habituar.”
Contudo, o excesso de cenas sexuais que envolvem a sua personagem levaram a que muitos fãs apontassem o dedo a Levinson. O criador foi acusado de explorar e sexualizar em demasia a atriz. As palavras de Sweeney sobre o tema chegaram a provocar uma pequena polémica que rapidamente fez questão de apagar.
“O Sam é espetacular”, reafirmou. “Havia momentos em que a Cassie deveria estar sem a camisola e eu dizia-lhe: ‘Acho que isso não é necessário nesta cena’. E ele dizia ‘OK, tudo bem, não é necessário’. Nunca senti que ele me estivesse a forçar a despir ou a introduzir mais uma cena de nudez na série.”
“Euphoria”, aliás, segue a tendência de cada vez mais filmes e séries, ao empregar sempre que é necessário, um coordenador de intimidade, para assegurar que nenhum limite é ultrapassado na filmagem de momentos íntimos. “Quando dizia ao Sam que não queria fazer algo, ele nunca me obrigava”, concluiu a atriz.
Nem sempre é esse o caso. “Já passei por experiências nas quais só queria ir para casa e esfregar-me toda até ficar em carne viva, de tão asquerosas que eram [as cenas].”
Enquanto não regressa a “Euphoria”, Sweeney vai preenchendo as red carpets com os seus outfits e a inspirar tendências. Pelo caminho, tem já dois filmes em andamento: vai participar no filme de ação “National Anthem” e no spin-off de Homem Aranha, “Madame Web”, onde irá contracenar ao lado da protagonista, Dakota Johnson. Fica a faltar o seu próprio papel de protagonista.