Em frente a um computador, um casal sorri de felicidade. O processo burocrático gerido pelas altas e misteriosas instâncias que regulam a vida em sociedade no Silo acaba de lhes dar direito a mais uma janela de procriação, a terceira e última a que têm direito. A partir desse dia, terão um ano para tentar gerar um filho.
Allison (Rashida Jones) procede então à remoção do aparelho contracetivo que todas as mulheres são obrigadas a colocar debaixo da pele. Ao seu lado, o marido e xerife Holston, mostra-se igualmente entusiasmado.
A vida a centenas de metros no subsolo é aparentemente normal, à exceção das bizarras regras que permitem aos dez mil sobreviventes manterem-se vivos neste complexo que dá nome à nova série de ficção científica da Apple TV. “Silo”, que estreou a 5 de maio, inspira-se na obra de Hugh Howey, criador deste mundo distópico nos seus livros publicados em três capítulos: “Wool”, “Shift” e “Dust”.
Aos poucos, o novelo desenrola-se, sempre através da visão deste casal igual a tantos outros. É um mundo estranho aquele que se vive neste emaranhado de túneis e que tem apenas dois limites: ninguém deverá sair para a superfície.
Reza a história que o mundo exterior é inabitável, preenchido por uma atmosfera tóxica que mata em poucos segundos quem se atreve a sair. Por todo o lado há imagens captadas pela única câmara no exterior, que revelam uma paisagem árida e cinzenta, quebrada apenas pelos corpos dos que um dia ousaram dizer as palavras proibidas: “Quero sair.”
É esse o destino dos que arriscam duvidar da ordem (pouco) natural da vida no Silo. Do passado, a população conhece muito pouco. Não sabem quem construiu a estrutura, o que tornou a superfície inabitável. Sabem apenas que vivem num constante medo de uma nova rebelião, o único registo histórico que dita as regras a seguir.
Há mais de um século, um grupo de rebeldes terá tentado abrir as portas. Um ato que, dizem, teria aniquilado a vida no Silo. Justifica-se assim o controlo apertado da população, impedida de guardar “relíquias” de tempos passados.
O mundo distópico de “Silo” serve naturalmente de metáfora a uma sociedade subjugada e controlada, sob um regime opressivo que pauta pela discrição. Nos sussurros, circulam teorias maquiavélicas sobre o controlo populacional, sobre os motivos que levam a que vestígios do passado sejam ocultados e a sua posse punida com prisão.
Ao fim de dois episódios lançados aquando a estreia, faz-se o desenho possível deste mundo intrigante. Lançam-se as bases de uma teia que, esperamos, será desvendada aos poucos. Por enquanto, há mais perguntas do que respostas e uma enorme curiosidade em perceber como tudo pode ser desatado.
É um ambiente claustrofóbico que serve na perfeição às personagens que vão sendo apresentadas. No centro da história está Juliette (Rebecca Ferguson), uma engenheira que vive e trabalha nas profundezas do Silo, onde a classe baixa operária se esconde, sem se misturar com o resto da população.
A descoberta de uma relíquia e um acontecimento dramático, colocam em movimento, pela calada, uma aparente revolução. E revela outra faceta opressiva do regime, o Judiciário, um braço musculado e perigoso que controla tudo e todos.
Apesar de não ser propriamente um tema original, a abordagem e o cenário em que é desenhado é relativamente refrescante. Sobretudo a opção tomada no primeiro episódio, no qual tudo é revelado lentamente através do drama familiar de Allison e Holston. Só depois temos direito a conhecer a verdadeira protagonista.
O segredo de “Silo” e do seu sucesso dependerá da forma como a narrativa se irá suster entre os mistérios que vão sendo colocados no caminho — sem se perder em desvios desnecessários que, até aqui, ainda não aconteceram. Mais do que perceber se a superfície inabitável é uma realidade ou um plano maquiavélico para controlar a população, instiga-se a compreender o funcionamento interno do Silo.
Falta, ainda, enriquecer o mundo de Silo com figuras mais cativantes, algo que ainda não aconteceu com a personagem entregue a Ferguson — mas espera-se que aconteça com outros dos bons nomes no elenco como Iain Glen, Will Patton e Tim Robbins. O arranque é promissor para a Apple TV, que poderá ter aqui um bom sucessor e companheiro do fenómeno de 2022, “Severance”.
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